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Pensamos no futuro. Só não temos consciência disso

Precisamos ter boas estratégias para nos conscientizar e antecipar às grandes transformações que impactam o futuro das pessoas e da sociedade global

matéria pensamos no futuro. só não temos consciência disso
mulher contempla o horizonte em um final de tarde
Photo by Sage Friedman on Unsplash

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro

“Ninguém fica pensando no futuro.” Convicto da sua crença, meu amigo, Jander, demonstrou sua descrença na existência de pessoas que levam o tema a sério. Era uma conversa sobre acontecimentos cotidianos, enquanto andávamos de bicicleta. Para o meu companheiro de inquietações e divagações sobre os rumos da humanidade, “no dia a dia ninguém fica preocupado em antecipar coisas que podem acontecer”.

Afinal, como dizem outros amigos e conhecidos e mesmo alguns antenados no destino da sociedade, já temos preocupações demais com as nossas atividades diárias. Na opinião da minha bolha pessoal, o modo de pensar da maioria da humanidade é imediatista. Ou “curto-prazistas”. Até mesmo o físico Albert Einstein, o gênio da Teoria da Relatividade, teria dito que “nunca pensa no futuro, pois ele chega rápido”.

Diante de afirmações semelhantes, eu pergunto: Será mesmo que acontecimentos prováveis em 2025, 2030 ou 2050, ou mesmo no próximo ano, não são capazes de motivar as pessoas a refletir de alguma forma? Somos mesmo focados apenas no presente?

Sim

Algumas frases que o próprio Jander disse, no início do diálogo, forneceram os argumentos para contestar a tese. Por exemplo, em um momento comentei que havia me tornado, oficialmente, um aposentado. Então, ele contou que já poderia requerer a aposentaria. Mas as reformas da Previdência, promovidas nos últimos anos, levaram ao adiamento dos projetos. Aos 55 anos, já teria tempo de atividade suficiente registrado em carteira, pois começou a trabalhar aos 14 anos. “Tenho medo do INSS quebrar e eu perder os meus direitos”, confidenciou.

Como será o trabalho do futuro

Em outro momento da conversa, Jander também expressou preocupação com o mercado de trabalho do jornalismo, cada dia pior em relação a quando começou, no início do século. O setor sofreu um terremoto com a influência crescente da internet. Muitos colegas que atuavam em jornais impressos, revistas e emissoras de TV e rádio estavam desempregados.

Alguns passaram a trabalhar como free lancers para sobreviver, na busca por adaptação. “Recentemente, encontrei um amigo que agora é motorista do Uber”, contou. E ironizou: “Quem diria, engenheiros e jornalistas disputando o mesmo mercado.”

Embalado em pensamentos, ele comentou também sobre a preocupação com o neto, de apenas três anos. “Se a situação já está difícil agora, imagina daqui a 20 anos, quando ele começar a trabalhar em alguma coisa. “Sinceramente, me dá medo de pensar”, afirmou, enquanto continuávamos a conversar sobre a situação do Brasil, os conflitos entre países pelo mundo e os impactos sobre as negociações relacionadas com a crise ambiental.

Pensar ou não pensar

Eu desafio você a definir em uma palavra o assunto envolvido em nossa conversa. Futuro é uma boa resposta?

Pois é, não foi difícil demonstrar como as inquietações sobre como será o amanhã estão presentes nas nossas vidas. Perceberam como a todo momento encaramos preocupações por conta de desafios adiante, marcados por incertezas? Sentiram como os problemas são capazes de afetar horas de sono? E como tendências, certezas e incertezas requerem uma avaliação atenta da força de diversas variáveis?

Sim, nós todos estamos ligados cotidianamente em questões relacionadas com transformações sociais, políticas, econômicas, culturais, ambientais e tecnológicas capazes de impactar positiva ou negativamente os rumos das nossas vidas. Seja na forma de decisões ou divagações, tentamos antecipar os tais acontecimentos prováveis que afetam a nós, aos nossos grupos ou a toda a sociedade.

O que não fazemos é pensar de forma sistemática sobre o futuro.

Falta consciência sobre a urgência de pensar os impactos dos acontecimentos prováveis sobre as nossas atividades, para que tenhamos condições de nos antecipar e construir algo melhor para cada um de nós e para a sociedade. Diante de quem nega a relevância de conversas sobre acontecimentos prováveis, é preciso apresentar exemplos contrários.

As pessoas físicas precisam seguir os exemplos das pessoas jurídicas — pelo menos as grandes — que dedicam esforços para desenvolver planos estratégicos que antecipam os rumos de seus mercados.

O que você vai ser?

man in white shirt carrying boy

Ninguém leva os filhos para uma escola sem pensar que a instituição de ensino escolhida será importante para o futuro deles. Há até uma pergunta muito frequente e irritante, feita pelos adultos, principalmente os tios: “o que você vai ser quando quando crescer?”

Quem nunca fez esta pergunta?

Adolescentes começam a fazer escolhas de profissões sob a influência ativa dos pais, que tendem a querer dar opiniões, impor crenças e valores. E então questionam, arrogantemente: “você acha que fazer filosofia vai te dar futuro? Você acha que vale viver por ideal?”. Ou, então, “faça direito e depois um concurso para juiz para ficar tranquilo para o resto da vida.”

Jovens começam a namorar e os pais e mães ficam preocupados. O casal perde o sono em conversas até de madrugada, sobre as consequências do envolvimento afetivo “entre os dois adolescentes ainda imaturos”. O pai pensa em “vasculhar” as redes sociais. Enfim, há uma inquietação crescente diante da suspeita de que daquele relacionamento não vai sair uma boa coisa. Não é apenas um namoro que está em jogo. Segundo eles, é o futuro de duas pessoas ainda muito novas para ter envolvimento afetivo tão intenso.

Também encaramos dúvidas sobre as consequências de uma troca que o emprego ou sobre a decisão entre largar tudo e morar na praia, para viver uma vida minimalista. Há muitos momentos em que precisamos tomar decisões com foco no futuro distante. A compra da casa, de um imóvel na praia ou no campo para viver aposentadoria, a própria aposentadoria e as mudanças de cidade.

Os exemplos levam, então, a duas conclusões:

1: todos nós pensamos no futuro sim. Frequentemente. Mas não sabemos disso.
2: ao tomar decisões que impactam o nosso futuro, raramente sistematizamos as melhores informações.

Erros de avaliação

É verdade: estamos preocupados demais em relação ao futuro. Sem perceber, levamos nas malas as nossas dúvidas sobre o tipo de sociedades que encontraremos nos próximos anos. A incerteza é um dos principais motivos para o “crescimento das doenças mentais” e da depressão ser apontada como o mal do século até 2030, de acordo com previsões organismos da área de saúde pública. As projeções, apresentadas antes do começo dos anos 2000, resultaram da compreensão sobre o aumento das incertezas sobre o futuro.

Um tanto alheios, convivemos com as tais situações em que precisamos tomar decisões, que são altamente influenciadas pelas nossas expectativas. Seja a nossa própria profissão, rumos da carreira profissional, a compra de uma casa ou mudanças para o exterior.

Até avaliamos algumas ameaças evidentes nos nossos caminhos. Mas sem estratégias explícitas ou tácitas para o levantamento de variáveis que vão nos levar às melhores alternativas. Em momentos assim, deveríamos utilizar a capacidade de prospectar. Em outras palavras, a necessidade de levantar o máximo de informações sobre as variáveis envolvidas em nossas decisões.

Em sentido contrário, utilizamos o nosso repertório de informações acumuladas para nos basear nos processos de decisão. “Vamos comprar um apartamento naquele bairro porque a região hoje está muito valorizada e os preços estão ótimos”, você diz ao escolher o local de sua futura moradia. Desconsidera que a cidade é dinâmica e que o ótimo bairro de hoje pode ser um problema no futuro.

Entre outras razões, deveria levar em conta que, em 10 anos, por exemplo, a combinação de tecnologias de comunicação, a crescente informalidade do mercado de trabalho e as mudanças do clima podem levar as pessoas a buscar imóveis em outras regiões, onde as residências são maiores, adequadas para o home office.

Pragmatismo

Em algum momento do passado a sociedade começou a valorizar mais as pessoas capazes de apresentar respostas rápidas para dúvidas. Os lentos viraram até mesmo vítimas de desvalorização. Pensar demais, teorizar, deixou de ser uma competência importante para a sociedade da competição. O processo acompanhou a história do capitalismo global, em especial a partir da segunda fase da Revolução Industrial, com a influência do marketing e do consumo de massa.

Não é à toa que os chamados métodos ágeis, propostos pelos profissionais de tecnologia da informação e pelas ciências exatas, fazem tanto sucesso entre executivos e empreendedores. Nestes tempos de valorização da agilidade, os pensadores da Antiguidade, como os gregos e os romanos, seriam expulsos das praças públicas. E presos pelas polícias “por agitação da ordem pública”.

Também não é um acaso a tentativa de eliminação sumária das disciplinas de ciências sociais do ensino médio em países como o Brasil. Projetos de reformas são destinadas a fortalecer exclusivamente o ensino profissional. Há uma forte mobilização de conservadores e radicais religiosos, além de grupos empresariais, para quem a filosofia, sociologia e a históra são atividades marginais, que estimulam a reflexão e geram poucos resultados para o aumento da produtividade do trabalho.

Você tem paciência com as pessoas que demoram a apresentar respostas para as suas perguntas?

Não é um acaso o fato de que um dos livros de referência do início da internet levava o título de “Não me faça pensar“. É o que inspira as propostas de controle das “experiências de usuários” de sites, buscas e de aparelhos, como o seu smartphone — telefone inteligente. Mas também define a era de imersão profunda nos pensamentos automáticos.

“Outro dia, caí na real que meu filho não conhece as ruas da cidade onde moramos. Ele entra no carro e já aciona o Google Maps. Não tem nem ideia do nome das ruas.” O relato, publicado no Twitter, mostra como tendemos a deixar de ser exploradores dos espaços na era digital. Se não sabemos o caminho a seguir, recorremos às respostas dos sistemas de busca, aos vídeos de influenciadores do YouTube e aos mapas do Google. A internet tem todas as respostas para as nossas dúvidas.

Em tempos de fartura de informações e conteúdos, o cérebro de cada um de nós agradece a possibilidade de pensar pouco. O menos possível. Apesar do rápido avanço científico, muito do funcionamento do cérebro continua um mistério. As operações individuais de neurônios e sinapses hoje são compreendidas com detalhamento considerável, mas o modo como eles cooperam em grupos de milhares ou milhões tem sido difícil de decifrar.

Mas de uma coisa já se tem certeza. Pesquisadores de neurociência, psicologia social e ciências cognitivas, das áreas de humanas e sociais, concluem que a economia de energia é uma das principais preocupações do sistema cerebral dos animais. Inclusive do ser humano. Claro. Ou principalmente, se consideramos que somos os únicos com habilidades mais desenvolvidas de raciocínio.

Portanto, se não pensamos no futuro é porque não devemos gastar energia, o que poderia “chatear” o nosso cérebro. Há outros conhecimentos novos sobre a mente, que explicam a forma como pensamos no dia a dia, privilegiando o raciocínio binário. Na verdade, as ciências também concluíram que, ao tomar decisões, tendemos a lidar com umas duas variáveis, no máximo. E, matematicamente falando, as duas variáveis já representam quatro cenários de futuro possíveis, que podem gerar um grande esforço de gasto de energia.

Então

Seguiremos com três conclusões:

  • Sim, pensamos no futuro
  • Não temos métodos pessoais de reflexão sobre o futuro
  • O cérebro agradece se não pensarmos

e uma pergunta

  • E agora, o que fazer?

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