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Crescem casos de ataques em escolas: especialistas dizem o que fazer

Antes incomuns no país, os ataques em escolas aumentam, sinalizando crises profundas da sociedade contemporânea

Léo Rodrigues
Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro

Há doze anos, um jovem de 23 anos invadiu a escola onde havia estudado no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, e produziu um massacre que chocou o país: armado com dois revólveres, ele disparou contra os alunos, matando doze deles e cometendo suicídio em seguida. Na época, o episódio assustador foi tratado pela imprensa como de fato era até então: algo fora do comum no Brasil. Há alguns anos, no entanto, a ocorrência de diversos casos similares tem exigido atenção das autoridades e gerado preocupação em pesquisadores, que apontam caminhos para enfrentar esse cenário.

No início de abril, uma creche em Blumenau (SC) se tornou alvo de um homem de 25 anos que tirou a vida de quatro crianças. Nesse caso, investigações preliminares não apontaram nenhum vínculo do agressor com a instituição. Há menos de dez dias, outro ataque causou uma morte e deixou cinco pessoas feridas na Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro Vila Sônia, em São Paulo. O crime foi cometido por um de seus alunos, de 13 anos.

Nos últimos anos, outros episódios similares que tiveram grande repercussão no país também foram promovidos por estudantes ou ex-estudantes, como os registrados em Aracruz (ES) no ano passado e em Suzano (SP) em 2019.

Ataques em escolas pelo país

De acordo com mapeamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre casos de ataques em escolas por alunos ou ex-alunos, o primeiro episódio foi registrado em 2002. À época, um adolescente de 17 anos disparou contra duas colegas dentro da sala de aula de uma escola particular de Salvador. O levantamento da Unicamp deixa de fora episódios de violência não planejados, que podem ocorrer, por exemplo, em decorrência de uma briga.

Foram listadas 22 ocorrências desde 2002, sendo que em uma ocasião o ataque envolveu duas escolas. Em três episódios, o crime foi cometido em dupla. Em cinco, os atiradores se suicidaram na sequência. Ao todo, 30 pessoas morreram, sendo 23 estudantes, cinco professores e dois funcionários das escolas.

Do total de casos, 13 (mais da metade) estão concentrados apenas nos últimos dois anos.

Extremismo de direita

A preocupação com a situação levou o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a coordenar a criação de um grupo formado por 11 pesquisadores de universidades de diversos estados do país. No final do ano passado, eles elaboraram um documento analisando o cenário e propondo estratégias concretas para a ação governamental.

Segundo os pesquisadores, esses casos devem ser classificados como extremismo de direita, pois envolvem cooptação de adolescentes por grupos neonazistas que se apoiam na ideia de supremacia branca e masculina e os estimulam a realizar os ataques. Esses grupos disseminam um discurso que valoriza o preconceito, a discriminação, o uso de força e que encoraja direta e indiretamente atos agressivos e violentos. Para os pesquisadores, medidas de prevenção só serão eficazes se atuarem sobre esse cenário.

“É necessário compreender que o processo de cooptação pela extrema-direita se dá por meio de interações virtuais, em que o adolescente ou jovem é exposto com frequência ao conteúdo extremista difundido em aplicativos de mensagens, jogos, fóruns de discussão e redes sociais”, registra o documento.

A presença de símbolos associados a ideologias de extrema-direita tem sido recorrente nestes atos violentos. O autor de um ataque realizado em fevereiro deste ano com bombas caseiras em uma escola em Monte Mor (SP), que não resultou em mortos ou feridos, vestia uma braçadeira com a suástica nazista. Artigo similar foi usado no massacre que deixou quatro mortos e diversos feridos em duas escolas de Aracruz em novembro do ano passado. O jovem responsável pelo episódio de violência usava sobre a manga de sua roupa camuflada uma braçadeira com um emblema que era usado por nazistas alemães.

Siege mask

No recente ataque registrado na Vila Sônia, em São Paulo, assim como no de Aracruz no ano passado, o autor vestia ainda uma máscara de esqueleto. Usada pelo personagem Ghost da franquia de jogos Call Of Duty, ela é conhecida como siege mask e se popularizou em fóruns de gamers extremistas para depois se tornar um aparato de identificação de simpatizantes neonazistas em todo o mundo. É hoje uma marca em atos da extrema-direita.

Ela aparece, por exemplo, em janeiro de 2021 na invasão do Capitólio, edifício que abriga o Congresso dos Estados Unidos, por uma multidão descontente com a derrota do ex-presidente Donald Trump nas eleições presidenciais do país. Esteve presente também nos atos antidemocráticos ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro desse ano. Imagens de câmeras de segurança captaram a imagem de um homem utilizando a máscara em meio ao grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que depredaram o Palácio do Planalto e defendiam uma intervenção militar para depor o recém-iniciado governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo sustentam alguns pesquisadores, a siege mask foi adotada por grupos de extrema-direita por suas semelhanças com a caveira que era usada como emblema pela Totenkopf, uma divisão da SS, organização paramilitar ligada ao Partido Nazista que atuou diretamente no Holocausto. Essa máscara também está associada com o massacre realizado por uma dupla que deixou oito mortos em 2019 na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano. Um dos responsáveis pelo crime a utilizava em fotos compartilhadas nas redes sociais.

“Sensação de pertencimento”

A educadora Telma Vinha, coordenadora da pesquisa realizada pela Unicamp, observa que há um perfil mais frequente entre os autores dos ataques: homens jovens brancos geralmente com baixa autoestima e sem popularidade na escola. “Não são populares na turma. Eles têm muitas relações virtuais, mas não tanto presenciais. E nutrem uma falta de perspectiva, de propósito em termos de futuro”, pontuou em entrevista levada ao ar no dia 30 de março pela TV Unicamp.

A pesquisadora também afirma ser comum a existência de transtornos mentais não diagnosticados ou sem o devido acompanhamento. Esses quadros podem se desenvolver ou se agravar pela dificuldade de relacionamento nas escolas, o que pode ocorrer, por exemplo, com os que são alvos de bullying. Alguns também vivem situações prolongadas de exposição a processos violentos em casa, incluindo negligências familiares e autoritarismo parental, o que contribuem para desenvolver um perfil de agressividade no âmbito doméstico.

Telma observa que a cooptação tem ocorrido por meio de jogos online, onde há chats paralelos. Dali, se deslocam para fóruns e redes sociais onde há incentivo de violência e discursos misóginos e racistas. No ambiente virtual, esses jovens podem experimentar uma sensação de pertencimento a um grupo que não possuem na escola. O crescimento dos ataques também tem sido relacionado como um possível desdobramentos da pandemia de covid-19. Isso porque o consumo de jogos eletrônicos cresceu durante os períodos de isolamento social, o que deixaria os jovens mais expostos à cooptação por grupos que propagam discursos de ódio.

Segundo a educadora, na maioria das vezes, não se tratam de crimes passionais, motivados unicamente por vingança ou raiva desencadeada por um tratamento recebido. Os autores planejam fazer o maior número de vítimas, pois têm como objetivo a busca por notoriedade pública e reconhecimento da comunidade virtual.

“Mesmo agindo de forma isolada, acreditam que fazem parte de um movimento, se sentem parte de algo maior”, explica.

Ela também ressalta que o Brasil não está vivendo um fenômeno isolado, mas que casos com características muito similares também estão sendo registrados em outros países.

Nos Estados Unidos, onde massacres produzidos por jovens em escolas ocorrem há mais tempo e com mais frequência, um levantamento realizado pelo jornal Washington Post mapeou 377 incidentes desde 1999. Considerando somente 2021 e 2022, foram 88, quase um quarto do total.

No Brasil, de acordo com o mapeamento da Unicamp, os ataques registrados desde 2002 aconteceram em 19 escolas públicas, entre estaduais e municipais, e em quatro particulares. Segundo Telma, os perfis das instituições são distintos. Por isso, não há razão para responsabilizá-las. Ela conta que já conheceu professores que se perguntavam se fizeram algo de errado.

“Não há nada que explique porque aconteceu em determinada escola e não em outra. Pode acontecer em qualquer lugar. Tem escolas localizadas em regiões mais violentas dos que as que foram atacadas. Ataques ocorrem em escolas com diferentes níveis de estrutura”, pondera.

Caminhos

Após os últimos ataques, o governo paulista se apressou em anunciar algumas medidas, entre elas a alocação de policiais dentro das escolas e a ampliação de investimento em um programa de mediação de conflitos nas unidades de ensino. Em Santa Catarina, o prefeito de Blumenau prometeu a criação de um protocolo de prevenção para evitar novos casos.

A repercussão dos casos recentes também levou a adoção de medidas em outros estados. O governo do Rio de Janeiro anunciou a criação de um Comitê Permanente de Segurança Escolar com representantes da Segurança Pública e da Educação para atuar na prevenção às situações de violência nas escolas públicas e privadas. Por sua vez, o governo federal criou um grupo interministerial para analisar propostas de políticas públicas.

Sociólogo defende ações emergenciais para conter violência nas escolas

Ataques a escolas, gravações com boatos, desinformação e ameaças, que “antes pareciam atitudes descoordenadas, têm se mostrado uma onda perigosa”, diz o sociólogo Rudá Ricci, pesquisador dos temas educação e cidadania.

Nessa quarta-feira (12), ele participou e foi um dos articuladores de encontro com entidades ligadas ao setor para encontrar caminhos contra a situação que tem gerado temor no Brasil. O cientista social defende a necessidade de três medidas emergenciais, que incluem “desbaratar e prender os núcleos propagadores das ameaças”, o que, para as instituições, já está sendo tratado pelo Ministério da Justiça.

As outras são “criar protocolos de orientação para pais e professores sobre como agir em casos de ameaça,  violência,  agressividade e incivilidade” e “criar serviço de apoio e escuta de psicólogos e assistentes sociais” para pais e profissionais da educação.

Agência Brasil: Essas ameaças são coordenadas?
Rudá Ricci: Não podemos negar que há uma inteligência por trás disso. Há mensagens, por exemplo, sobre eventuais ataques em universidades. Ouvi áudios de uma jovem que diz ter recebido uma notícia e uma alusão aos ataques em Columbine (Estados Unidos, em 20 de abril de 1999). Essas mensagens se alastraram como ameaça a universidades brasileiras. Essas organizações extremistas no país estão querendo construir um novo 8 de janeiro de 2023 (dia de atos terroristas contra os Três Poderes). Agora, envolvendo a educação.

Agência Brasil: Quais são os principais pontos de cuidado?
Rudá Ricci: Nós temos que ter cuidado com três questões pelo menos. Em primeiro lugar, com o ambiente criado no Brasil. Temos que debelar essa ideia de que a gente resolve os problemas com as próprias mãos e que temos que ser intolerantea com quem é diferente. É preciso debelar esse clima de violência e intolerância. É a primeira medida que eu sugiro, ou seja, devemos ter uma inteligência policial e da sociedade civil articulada para identificar a origem dessas ameaças e colocar todos na cadeia.

Agência Brasil: O Estado tem agido nesse campo, certo?
Rudá Ricci: Essa é uma primeira ação urgentíssima. O Ministério da Justiça iniciou o processo com o disque-denúncia. Temos que mergulhar na Deep Web (parte da internet não encontrada pelos mecanismos de buscas). É aí que eles estão se articulando. Temos que identificar as ramificações e redes que se formaram. Temos ainda que deixar claro, inclusive para esses adolescentes que estão ameaçando, que eles vão responder por isso. Nós temos que coibir. E isso não se faz com guarda armado na frente da escola. Essa é a outra coisa que é preciso deixar claro e que nos preocupa. Temos a experiência dos Estados Unidos, onde há guarda armada no seu interior e não debelaram a violência. 

Agência Brasil: Por quê?
Rudá Ricci: Porque há uma interpretação equivocada de achar que adolescentes que estão propensos a atacar se intimidam com guarda, com policiamento. É o contrário. O que sabemos hoje é que há adolescentes que estão imbuídos dessa intenção de aparecer pela violência. Eles veem a presença do guarda como desafio e, então, buscam outros tipos de estratagemas como colocar bomba em banheiro e, assim, tentar desmoralizar a segurança. 

Nos Estados Unidos, as guardas armadas dentro das escolas aumentaram e até estimularam atos de violência. Nós queremos outro tipo de abordagem, que seja por meio da inteligência e não dos atos de retenção. Assim a gente pode desbaratar essa rede de ameaças nas escolas que agora, parece, está sendo objeto da extrema direita no Brasil.

Agência Brasil: Como apoiar pais e professores assustados com a situação?
Rudá Ricci: O segundo ponto é que nós temos que dar suporte aos pais e professores. Para isso, é preciso elaborar protocolos.

Agência Brasil: O que significa o protocolo?
Rudá Ricci: Significa o seguinte: diante de um boato de ameaça a uma escola, é necessária uma orientação nacional. Não pode ser um voluntarismo de um diretor de escola. Isso não resolve a onda que está se formando no Brasil ou que está se tentando formar. É preciso ter protocolo, se houver ameaça de violência, ou mesmo violência, atos de agressividade ou de incivilidade. Definir quando é motivo para fechar a escola ou suspender aula, ou quando não é.

Agência Brasil: Professor, os protocolos seriam formulados pelo Estado?
Rudá Ricci: Eu acho que quem tem que formular é a sociedade civil. E não em disputa entre políticos nas mais variadas cidades. O conhecimento para enfrentar problemas educacionais e violência envolvendo a educação está na sociedade civil. 

Agência Brasil: Qual o objetivo dessas reuniões entre as entidades? É a formulação de sugestões?
Rudá Ricci: Fizemos a primeira reunião com 20 entidades e pesquisadores nacionais, de todos os estados do país. A gente precisa mapear essas ameaças, que é um dos objetivos. 

Agência Brasil: O terceiro ponto é apoio psicológico, certo?
Rudá Ricci: É o seguinte: nós temos alguns países como a França que já tem, há muito tempo, serviço de apoio psicológico e assistencial, até pedagógico, também a professores. Estou sugerindo que a gente crie um serviço nacional de apoio envolvendo, por exemplo, os mais de 2,5 mil Caps (centros de Atenção Psicossocial), os Cras (centros de Referência de Assistência Social) e também as universidades, organizações não governamentais (ONG), para que pais e profissionais da educação possam ser atendidos. 

É o que internacionalmente se chama política do cuidado. Há um contexto relevante a ser considerado. Ou seja, a gente cuidar de quem cuida. A Cultiva (ONG ligada à educação e cidadania que o pesquisador coordena) mostra, por exemplo, que 40% dos professores dessas redes registraram aumento de conflito intrafamiliar durante a pandemia. 

Quando temos uma sociedade dessocializada, aumentamos a violência. Isso envolve angústia e a solidão. Espera-se que as escolas mudem o cenário. Quando voltamos da pandemia, pensou-se que seria necessário correr atrás dos conteúdos perdidos. Mas era muito importante que nos voltássemos mais para a humanização.

Denúncias

Informações sobre ameaças de ataques podem ser comunicadas ao canal Escola Segura, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com SaferNet Brasil. As informações enviadas ao canal serão mantidas sob sigilo e não há identificação do denunciante.

Acesse o site para fazer uma denúncia.

Em caso de emergência, a orientação é ligar para o 190 ou para a delegacia de polícia mais próxima.


Edição: Heloisa Cristaldo e Graça Adjuto

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