ue a tecnologia afeta o mercado de trabalho, ninguém duvida. Mas o tamanho desse impacto é motivo de muita polêmica. Será que os robôs, em um futuro próximo, vão acabar com todos os empregos do mundo? Essa foi a questão discutida por Martin Ford, futurologista e autor do bestseller “O Amanhecer dos Robôs”, durante sua palestra no Wired Festival, que acontece nesta quinta-feira (08/06) em São Paulo.
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Ford diz que a tecnologia já teve um imenso impacto no mercado de trabalho. Segundo dados do governo norte-americano, em 1998, trabalhadores acumularam 194 milhões de horas trabalhadas. Em 2013, o número de horas trabalhadas se manteve estável. No entanto, o lucro subiu 42% nesse período, ou US$ 3,5 trilhões, e a população cresceu em 40 milhões de pessoas. Como isso aconteceu? Como a mesma quantidade de trabalho conseguiu gerar um resultado tão superior? “As empresas e os negócios estão se apoiando no digital leverage, criar mais com menos trabalho”, diz o futurologista. Ou seja, foi exatamente a tecnologia que permitiu isso.
Segundo Ford, a tecnologia cria um problema para o mercado de trabalho. Ainda que empregos sejam “destruídos”, enquanto outros são criados, ao final se tem uma quantidade menor de postos de trabalho – e eles requerem habilidades muito diferentes daquelas necessárias para desempenhar o emprego “antigo”. Ou seja, há o risco de que muita gente perca o emprego e não consiga encontrar outro por ser incapaz de se preparar para outra função num curto espaço de tempo.
Um exemplo usado pelo futurologista foi a comparação da General Motors com o Google. Em seu auge, no ano de 1979, a GM tinha 840 mil trabalhadores e gerou lucro de US$ 11 bilhões (em dólares de 2012). Já o Google, em 2012, tinha apenas 3,4% dos trabalhadores da GM (38 mil), mas gerava um lucro 20% maior – de US$ 14 bilhões. “No futuro, toda economia vai parecer mais com o Google e menos com a GM”, disse Ford. “E além de contratar muito menos pessoas, o perfil dos funcionários do Google é completamente diferente”. Para citar apenas uma mudança, os funcionários da empresa de tecnologia são extremamente “preparados” (graduação, MBA, doutorado etc) e se formaram nas melhores universidades dos Estados Unidos, enquanto a GM exigia empregados menos treinados.
Apesar de o mercado de trabalho já ter mudado muito nos últimos anos, Martin Ford defende que a alteração maior virá nos próximos anos. Em 2014, aproximadamente 90% da população americana trabalhava ainda em empregos tradicionais, que já existiam em 1914. “São atividades como servir e preparar comida, trabalhar em um escritório, dirigir”, explica ele. Esses são empregos que ainda não foram fortemente afetados pela automação. Ainda. Afinal, se nas últimas décadas a evolução da tecnologia foi focada principalmente na informação e comunicação, isso parece estar mudando de forma acelerada. Um grande exemplo são os carros autônomos.
“Antes, nas indústrias, os empregos que dependiam da percepção visual eram destinados aos humanos – mover caixas, tirar produtos de uma esteira e colocar nas outras. Mas agora, já conseguimos máquinas que conseguem fazer isso. Quando esses robôs forem mais acessíveis, isso se tornará um problema, ainda mais se você considerar que são trabalhadores com baixa qualificação”, diz Ford.
Quem ganha com a automação?
Exatamente nesse ponto, o futurologista aponta mais uma grande mudança impulsionada pela tecnologia. “A produtividade crescia junto com o salário [por hora] até década de 1970, mas depois disso, a produtividade aumenta muito mais rapidamente do que o rendimento do trabalho, que fica praticamente estagnado”, diz ele.
Isso acontece, defende Ford, porque desde aquela década a tecnologia mudou: deixou de ajudar o trabalhador e passou a substituí-lo nas empresas. Com isso, aumenta a concentração de renda no mundo. “São os gerentes e executivos que mais ganham com a tecnologia, enquanto o trabalhador comum não vê esse benefício”, afirma. Ele relaciona essa percepção à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Segundo o futurologista, grande parte dos eleitores que escolheu o republicano o fez porque as pessoas “se sentiram deixadas para trás nesse processo”.
Há solução?
Segundo Martin Ford, fica claro que é preciso pensar o que fazer para lidar com essas mudanças. Um dos impactos para o Brasil, por exemplo, é que o velho modelo de impulsionar a indústria para promover o desenvolvimento do país está caindo por terra. Afinal, se não houver trabalhadores nas fábricas, o desemprego continuará elevado e a população não terá poder de compra para consumir o que é produzido pela indústria.
“Havia a ideia de que seria possível pegar esses trabalhadores e educá-los para que conseguissem trabalhar em profissões diferentes e em escritórios, mas algoritmos estão se tornando mais sofisticados e substituindo também trabalhadores “colarinho branco””, lembra ele, explicando que, talvez, a educação não seja uma boa saída para esse cenário.
Ao mesmo tempo, Ford lembra que mesmo entre as pessoas com diploma universitário, os salários têm diminuído nos últimos anos. De acordo com dados do governo dos Estados Unidos, o salário de profissionais com nível superior de 25 a 34 anos caiu de 2006 a 2013.
As mudanças que a tecnologia e a automação trarão ao mercado de trabalho serão tão profundas que poderão requerir a criação de um novo sistema. “Precisamos pensar em algum sistema que desvincule a renda ao trabalho tradicional”, disse Ford. Um dos exemplos citados por ele foi a renda básica universal. Esse sistema, diz, viabiliza a sobrevivência das pessoas, apesar da menor disponibilidade de emprego e, ao mesmo tempo, permite que as pessoas continuem consumindo – algo essencial para que a economia siga gerando riqueza.
“Me parece quase inevitável que teremos que olhar para soluções como esta, ou teremos muitas pessoas muito ricas que ficam com todos os benefícios”, disse Ford. “O Bill Gates tem muito dinheiro e consegue comprar o que quiser, mas provavelmente não vai comprar mil carros ou mil smartphones, e não vai jantar em mil restaurantes em uma só noite”.