A pandemia, economia fraca, perda de receita e custos de produção de notícias em alta tendem a antecipar o fim do jornalismo impresso
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
O jornalismo tradicional vai morrer antes mesmo do que imaginavam os mais pessimistas entre especialistas dos mercados de comunicação. Não será uma morte capaz de deixar, para a humanidade, uma data de lembrança especial, para celebrações posteriores. Há uma força de mudança de ritmo. Antes da pandemia, a extinção do modelo de produção e consumo de informações herdado do século passado e praticado ainda hoje por grupos comerciais de imprensa, andava devagar. Agora, vai acontecer. De repente. Aceleradamente, levando primeiro os meios impressos.
À frente do processo de mudança do mercado de comunicação e informação, um dia, seu jornal deixa de circular na versão em papel. Como já vem ocorrendo com alguma frequência atualmente. No outro, a revista. Na TV, o seu jornal nacional fica ultrapassado, assim como a potência dos rádios desaparece. Os dois meios vão durar mais tempo. Mas vão se esgotar como produtores de conteúdos jornalísticos.
“Os últimos dois anos mudaram profundamente o panorama da mídia e da produção de notícias. Tendências que levariam 10 anos para se tornar a norma se tornaram o ‘novo normal‘ em menos de 10 meses”, sintetiza a Associação Mundial de Executivos de Jornais (Wan-Ifra, da sigla em inglês). Ao divulgar o Relatório de Inovação em Mídia, a entidade saúda os leitores com uma mensagem de “bem-vindos ao novo normal!” e o reconhecimento de que “o setor evoluiu mais rápido do que esperávamos”.
Outros relatórios sobre tendências produzidos pela Wan-Ifra, baseadas em entrevistas com dirigentes das empresas em todo o mundo, asseguram que a transformação digital das mídias impressas está bem encaminhada. Uma razão para o otimismo pode ser a confiança nos resultados dos esforços de transformação digital das organizações: quase metade diz que estão avançados ou muito avançados. Pouco mais de 12% sentem que ficaram para trás. Outro motivo forte: o crescimento das receitas continua vindo do digital, enquanto as receitas do impresso continuam a cair gradualmente.
Sinais de mudanças
Executivos são discretos em suas projeções de cenário, mas há sinais claros sobre a tendência de migração apressada para o ambiente digital. A perda de leitores nos meios impressos já é o fenômeno mais conhecido. A transformação recente do diário Super Notícias em uma publicação semanal, com circulação nas sextas-feiras, se enquadra no cenário das decisões que parecem ocorrer de repente. O jornal mineiro, de circulação regional, caiu de uma circulação média de 216 mil exemplares em 2016 para 77 mil no balanço do final de 2021.
Segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), os dez maiores jornais do País tiveram uma queda na vendas, em média, de 12,8% no ano passado, na comparação com o ano de 2020. O desempenho das revistas também foi negativo. A circulação impressa caiu 28% e a digital 21%. A redução das duas versões foi de 25%.
A média de circulação digital aponta para a presença crescente da internet. Oito dos dez maiores jornais do Brasil apresentaram crescimento. Entre os veículos, o maior crescimento de assinaturas digitais foi observado no O Globo, cuja média digital cresceu 16,1% em 2021, na comparação com o ano anterior. O Super Notícias, que ainda lidera, em média, a circulação dos jornais impressos do País, teve o pior desempenho em relação às assinaturas digitais, que caíram 59,8% em 2021.
Transição traumática
No início de dezembro de 2021, jornalistas do Estado de Minas promoveram uma greve geral histórica. Foi o resultado de anos de crises acumuladas nos veículos dos Diários Associados. O autointitulado, no passado, “grande jornal dos mineiros” só não parou completamente porque os estagiários foram convocados de última hora para fazer o trabalho dos futuros colegas.
A paralisação ressalta o desalento e cansaço com as inúmeras mobilizações dos trabalhadores, destinadas a cobrar os direitos atrasados e contra o descaso do tratamento da direção da empresa, que sequer cumpre acordos acertados na Justiça do Trabalho. “O FGTS não é depositado desde 2014, os salários estão atrasados e não há pagamento de férias ou 13º”, denunciam os jornalistas.
A jornalista Z (ela não quis ser identificada, aliás, mais um dado revelador do estado de espírito dos empregados) lamenta viver o momento de tristezas. O ambiente da redação é contaminado pelo desalento, resultando em divisão entre os funcionários. Há os que se sentem injustiçados, os sobrecarregados e os privilegiados. Uns poucos negacionistas recusam a encarar o beco sem saída à frente. Outro grupo sofre com o sentimento de fim da história. Ou com a angústia da incerteza.
A dúvida sobre o que fazer é um dos problemas de maior peso para Z, que começou a carreira jornalística na empresa, testemunhando cada etapa da decadência do jornal. Os problemas foram gerados por múltiplas variáveis, que incluem da emergência da internet à concorrência agressiva do duopólio das “big techs” Google e Facebook, passando diversas variáveis.
Mas a concorrência das empresas de tecnologia e novos meios digitais não são os únicos responsáveis pelos problemas da empresa. O Sindicato dos Jornalistas de Minas também aponta a existência de questões relacionadas com má administração. A perda dos cadernos de classificados de imóveis e automóveis, o fim dos cadernos de turismo e de moda, a queda da publicidade do varejo, a entrada de novos concorrentes no mercado e a redução do número de leitores, entre assinantes e vendas em bancas são apenas os sinais externos mais claros da história dos Diários Associados.
Coincidentemente, ou não, a decadência do Estado de Minas ganhou maior força a partir de 2014, quando foi encerrado o ciclo do domínio do PSDB no governo mineiro, iniciado com Aécio Neves, em 2003, e continuado com Antônio Anastasia. O mercado jornalístico mineiro também paga o ônus do apoio a políticas governamentais liberais, de viés monetarista, neoliberais, que enfraquecem as economias do Estado e do País.
Cenários: lentamente, e de repente
Só quem viveu o processo lento de falência de uma empresa é capaz de entender o sofrimento de dezenas ou centenas de jornalistas dos veículos em crise no atual momento. Para sobreviver aos tempos de crise, os trabalhadores devem encarar a tendência: os velhos navios estão afundando. Os donos das empresas jornalísticas provavelmente sabem, mesmo que vivam em negação, que não há perspectiva de continuidade das atividades baseadas em impressão e distribuição do formato em papel. E eles não terão pudor em ser os primeiros a pular dos seus barcos, com os seus patrimônios preservados.
É um modo de produção de notícias que está morrendo. “As empresas de mídia tradicionais perderam o controle sobre as cadeias de geração de valor”, diz o jornalista Caio Túlio Costa, um dos pioneiros da implantação da comunicação na internet no Brasil, na década de 1990. Em entrevistas e debates disponíveis no YouTube, ele revela o tamanho da perda acumulada pelos “barões da mídia”. Uma Rede Globo podia impor regras para os anunciantes, impedindo a concorrência. Um jornal regional tinha poder econômico e político suficiente para afirmar que “se não demos a notícia, então o fato não aconteceu”.
Neste passado, os principais grupos de comunicação dominaram 100% da estrutura e dos ganhos do processo de produção de notícias. Hoje, com a digitalização e entrada de novos jogadores no mercado, eles convivem com a perda da hegemonia. Que não é só econômica. É também política e de credibilidade. Pressionados pelas grandes corporações de tecnologia e telecomunicações, as organizações jornalísticas viram a participação no bolo da publicidade diminuir para 7% do total, relata Caio Túlio.
A queda contínua das receitas com publicidade e das vendas em bancas e para assinantes e o crescimento baixo ou mesmo negativo da economia brasileira em 2022, com perspectivas ainda frágeis para os próximos anos, são as forças centrais do cenário de aceleração do fim dos jornais e revistas (veja no quadro acima). A pandemia demonstrou que o poder de processamento, a velocidade de transmissão de dados e a capacidade de armazenamento de dados disponíveis são suficiente para acelerar a influência das tecnologias em todos os mercados, inclusive na comunicação, evidentemente.
Antes da crise sanitária, havia a expectativa de que o salto para o fim das mídias tradicionais ocorreria por volta de ou após 2025, com a maturidade das redes de quinta geração da internet (5G). A mudança do nome da empresa Facebook para Meta, como parte de uma estratégia de lançamento de um sistema Metaverso, um ambiente de comunicação e interação considerado como uma nova fase da internet, demonstra a intenção das empresas de tecnologia em dar novo salto tecnológico, que vai impactar a mídia inclusive.
A aceleração tecnológica provocada pela pandemia estimula os executivos de comunicação a também antecipar planos para conduzir suas empresas para o ambiente digital. Ou a encaminhar pedidos de falência. Atordoados, jornalistas seguem na expectativa de um milagre que compense salários atrasados e desrespeito aos direitos trabalhistas. Mas nada disso tende a acontecer. Não há força ou argumento convergentes no cenários que possam acabar com a aceleração da decadência da mídia tradicional, em especial dos veículos impressos. Desde a estrutura de distribuição de jornais e revistas, em processo de desmonte, até a percepção de que os custos se tornam inviáveis com as perdas de leitores, de receita com publicidade e crise de credibilidade.
O fim do jornalismo impresso
Este texto é parte de uma série de análises sobre “O futuro do Jornalismo”, que publicaremos semanalmente.
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Em resumo