quarta-feira, novembro 20, 2024
26.4 C
Belo Horizonte

O clima em 2030: mais um dia de fenômenos severos

Um dia em 2030, quando as tragédias são incontroláveis. Encaramos os efeitos da falta de iniciativas para conter as mudanças climáticas

CARLOS PLÁCIDO TEIXEIRA
Jornalista Responsável | Radar do Futuro

Sábado, 30 de novembro de 2030

O sistema inteligente de alertas de clima da minha casa antecipou em seis horas que um temporal chegaria às quatro horas da tarde. Não me preocupei com a preparação das nossas armas de enfrentamento e proteção contra os “fenômenos climáticos severos e frequentes”.

A internet das coisas evoluiu demais nos últimos. As tecnologias baseadas em inteligência artificial automatizaram os recursos de segurança residencial. A estrutura estava preparada para monitorar o caminho das nuvens e tomar as medidas necessárias. Portas e janelas protegidas e reforçadas, expansão da estrutura do teto, projeções de impactos do volume de chuvas, com recomendações para a família.

Nem assim eu estava despreocupado.


Imaginei que, em 2030, estaria suficientemente garantido para enfrentar o cenário previsto por mim mesmo para a virada da década. Sete anos anos antes, assumi integralmente um novo endereço. Nossa família enfrentaría os impactos da crise climática, já previstos há longo tempo, em um condomínio residencial fechado, distante apenas 30 quilômetros de Belo Horizonte. Levamos coisas essenciais, lembranças e cachorros. Seria nosso abrigo, a proteção contra o futuro de incertezas.

Tenho tendências pessimistas, eu sei, ao contrário da maioria dos “previsores”. Mas acreditei que o lugar escolhido seria beneficiado pela disponibilidade de recursos naturais. Uma grande lagoa vizinha ao condomínio, além da existência de um reservatório próximo, pareciam ser a garantia de oferta de água. Também de energia elétrica e de acesso aos sistemas de telecomunicações. Teríamos necessidades de consumo atentidas por drones. E os sistemas de vigilância também garantiriam a segurança desejada por nós e nossos vizinhos.

A realidade de tragédias se impôs às minhas projeções. Incêndios, secas e enchentes são ainda mais frequentes do que em 2023. A serra emoldura a paisagem da minha residência passou a ter incêndios frequentes. Só apagados mesmo pelos temporais, que destruíram casas vizinhas e colocaram a todos em permanente estado de tensão. As temperaturas mais altas trouxeram vetores de doenças tropicais. Os insetos, essenciais para a polinização, sumiram. Ninguém mais usa mel nas refeições, pois as abelhas foram extintas.

Patrocinadores do caos

Iniciativas da Câmara dos Deputados, em 2023, impulsionaram a decisão pela mudança do lugar de moradia para uma área mais distante do centro da capital. Às vésperas da celebração do Dia Nacional da Mata Atlântica, no dia 27 de maio, os parlamentares aprovaram medidas que flexibilizavam a destruição da Lei da Mata Atlântica.

Parlamentares ruralistas retiraram os direitos territoriais dos indígenas e também abriram a porteira para o garimpo, o desmatamento e a ocupação da Amazônia por madeireiras. Foi a senha de liberação do ataque ao que restava da floresta. Enquanto o governo anunciava ao mundo medidas destinadas à preservação ambiental, os representantes do poder econômico e político, abrigados em Brasília, garantiam medidas capazes de gerar mais e mais destruição. Mais importante do que as ações parlamentares, era o sinal de que as elites não se importavam com o futuro.

Onde foi que erramos

Na previsão de futuro, às vezes subestimanos o poder de alguma força na transformação do cenário. No meu caso, ao mudar para um local mais distante do centro da capital, não levei em conta a tendência de expansão da região metropolitana e a criação de uma megalópole.

Errei, também, ao subestimar a capacidade do ser humano em ser estúpido. E o cenário da transição para a quarta década do século é pior do que imaginamos. Por exemplo, agora, em 2030, quem sai do centro de Belo Horizonte em direção aos condomínios fechados não encontra sequer dez metros de mata na beira da antiga estrada, transformada em uma avenida como outra qualquer.

Nossos condomínios estavam cercados pela miséria. As favelas foram transferidas para as imediações de nossas residências, nos deixando ilhados. Poucos de nós entendemos a real dimensão dos efeitos da combinação entre mudanças climáticas e as crises políticas e econômicas. Ainda em 2023, a sociedade não entendeu que o capitalismo vivia uma instabilidade, aprofundada em 2008, por conta de problemas gerados pelo sistema financeiro. Os anos seguintes foram de conflitos externos e internos.

Além de rodeados de vida urbana e de atividades que ocuparam os espaços verdes, por conta da especulação comercial e imobiliária, convivemos com a intensificação das tragédias geradas por crises. Além da climática, há crises sociais, políticas e econômicas se aprofundando. Os interesses de grupos detentores de poder foram mais fortes que as boas intenções de quem lutou contra a degradação do ambiente global.

No meio da década, as tragédias envolvendo o clima se intensificaram, como previram vários estudos publicados em anos anteriores. Em 2023, um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da ONU, alertava sobre as mudanças dos regimes de chuvas. Mais um estudo, na verdade, sobre a perspectiva de que o aquecimento global poderia ultrapassar os 1,5º C em algum momento até 2027. Mais uma vez, sem o apoio do grupo dos países desenvolvidos para a realização dos acordos, os piores cenários foram confirmados.

Na mesma época, o estudo ‘Vulnerabilidade do setor elétrico brasileiro frente à crise climática global e propostas de adaptação’, encomendado pela Coalizão Energia Limpa, integrada por diversas instituições vinculadas ao tema do meio ambiente, previa a possibilidade do Brasil enfrentar cada vez mais crises violentas por conta das alterações do regime de chuvas. Convivemos com períodos de estiagens mais prolongados e intensos. Grandes regiões enfrentaram quedas de energia e problemas decorrentes da queda dos reservatórios de água para consumo.

O que puder ser destruído, será

Ao avaliar a história recente da degradação ambiental até hoje, em 2030, percebo que a sociedade subestimou também os impactos da influência das empresas de tecnologia, do sistema financeiro e das indústrias de armas. Os “Vencedores levam tudo”, prevemos, antecipando as perspectivas de crescentes de concentração de renda e consequente aumento da miséria.

No cenário externo, a guerra envolvendo Ucrânia e Rússia, que gerou milhões de mortes e o empobrecimento da Europa. Os Estados Unidos, patrocinadores da indústria de armas e dos interesses militares, não conseguiram neutralizar a China rumo a um mundo multipolar. Porém, o império decadente desde o início do século 21 impediu que a humanidade encarasse de frente as ações de neutralização dos problemas relacionados com os ataques constantes à natureza.

O melhor que podemos fazer é enfrentar os nossos inimigos. Senão, em 2040 a nossa situação estará ainda pior. Isso, se tivermos resistido.

Firefighter, Umpqua National Forest Fires
Firefighter, Umpqua National Forest Fires by U.S. Forest Service (source) is licensed under CC-CC0 1.0

Em resumo

Edições anteriores

IA generativa exige novas habilidades de 80% dos engenheiros até 2027

A Ascensão das Máquinas: A História de João e...

Um dia no futuro: a neurotecnologia cria boas notícias

Arnoldo, nascido em 2010, com uma doença neurológica debilitante,...

Quatro mitos sobre o futuro da agricultura urbana

Futuro da Alimentação: Quatro Mitos Sobre a Agricultura Vertical...

Como sobreviver sendo professor em 2025

No cenário de transformação exponencial, o professor em 2025...

Futuro da odontologia: nova abordagem torna os enxertos ósseos melhores

Pesquisadores estão tendo sucesso em seus esforços para construir...
Verified by MonsterInsights