Advogados e Contadores vs. Inteligência Artificial
Um sistema especialista robótico de análise de contratos já é capaz de realizar em segundos 360 mil horas de trabalho de advogado. E aí?
Em uma coisa o jurídico e a contabilidade são bem semelhantes. São dois setores de qualquer empresa que representam custo, que absorvem recursos importantes, sem agregar proporcionalmente valor econômico ao negócio em si de uma empresa.
O jogo está esquentando no que diz respeito à capacidade de aplicar algoritmos na análise e processamento computadorizado aos serviços internos realizados por advogados e contadores. Como assim?
É importante considerar que a natureza desses trabalhos segue uma rotina muito previsível, cujas últimas transformações datam ainda dos longínquos anos 80 e que foram, do ponto de vista tecnológico, o processador de texto e planilha eletrônicos.
No caso do jurídico, via de regra um documento produzido por um advogado, seja uma petição, um contrato, etc. é quase 80% resultado de ações do tipo copiar-colar. Não é exatamente um trabalho criativo e cerebral, sendo que a ferramenta segue sendo apenas a mais moderna versão de processador de texto.
Também no caso da contabilidade, a maior parte das tarefas pode ser equacionada de forma muito previsível e rotineira seguindo um fluxo de coleta de dados e alimentação de planilhas. A modernização na contabilidade também tem sido apenas incremental, ou seja, em geral uma versão mais nova da planilha Excel.
Com os recentes avanços do processamento da linguagem, seja em sua forma escrita ou falada, ficou evidente que a produtividade do labor jurídico e da contabilidade poderá ser exponencialmente elevada. E o momento de ruptura chegou.
Grandes empresas, principalmente grandes bancos que manipulam milhões de arquivos de texto e planilhas, que representam o arroz com feijão de advogados e contadores, estão fazendo investimentos em Inteligência Artificial e já obtendo resultados promissores.
Por exemplo, o megabanco J P Morgan está anunciando que desenvolveu uma unidade chamada COIN – Contract Intelligence – que envolve a sua própria nuvem de processamento robótico de centenas de milhares de contratos, batizada de Gaia, e que é capaz de em segundos realizar o trabalho de 360.000 horas que seriam realizados por advogados. Isto mesmo, 360 mil horas.
A informatização do setor bancário iniciada nos anos 1980 com caixas eletrônicas (ATMs) e na sequência evoluindo através de outros canais digitais, como internet banking e mobile, fez com que o emprego no setor bancário no Brasil encolhesse em mais de meio milhão de postos desde aquela época.
Ao que parece os bancos vão impulsionar a tecnologia que fará com que boa parte do trabalho de advogados e contadores passe a ser feito através de inteligência artificial. E aí? O que fazer?
A gente se reinventar e se qualificar para realizar e entregar aquilo que máquinas não conseguem: criar e resolver problemas de maneira criativa. Nessa direção já avisava o grande pedagogo e psicólogo Jean Piaget: “somente a Educação é capaz de salvar nossas sociedades de possíveis colapsos, sejam violentos ou graduais. ”
Robôs estão assumindo cada vez mais funções em grandes escritórios – que vivem as mesmas pressões por eficiência de qualquer negócio
o JPMorgan, maior banco dos EUA, que desenvolveu um sistema que faz em segundos uma atividade que advogados levaram 360 mil horas.
O programa, chamado COIN (Contrato de Inteligência), faz a tarefa de interpretar acordos de empréstimo comercial que, até o projeto ter sido lançado em junho, consumiu 360 mil horas de advogados por ano. O software revê os documentos em segundos, é menos propenso a erros e trabalha 24 horas por dia.
São Paulo — Um em cada quatro empregos conhecidos hoje deverá ser substituído por softwares e robôs até 2025 — e há quem aposte numa proporção ainda maior. O fato é que a tecnologia ameaça não apenas trabalhos braçais, mecânicos e técnicos mas também profissionais de carreiras tradicionais, como medicina, jornalismo, engenharia e, agora, direito. Os robôs estão assumindo cada vez mais funções nos grandes escritórios de advocacia — que, não é de hoje, são tocados como empresas e vivem as mesmas pressões por eficiência de qualquer negócio. “Nos próximos três anos, vamos ver outro mundo jurídico”, diz Guilherme Horn, diretor executivo da consultoria Accenture.
Os softwares de última geração não só compreendem significados como também fazem correlações. Além de analisar milhões de documentos em segundos, eles sugerem decisões a ser tomadas e alertam para qualquer mudança que possa afetar o caso. É o que o “robô” Ross faz, por exemplo. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, com base na tecnologia de computação cognitiva Watson, da IBM, o Ross já está “trabalhando” em alguns escritórios de advocacia dos Estados Unidos. Outro exemplo é o Luminance, criado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que promete acelerar o processo de auditoria em fusões e aquisições — quando um time completo de advogados analisa centenas de documentos complexos sobre uma empresa a ser comprada para determinar a viabilidade do negócio. Outras iniciativas, que vão de softwares de gestão de processos a plataformas virtuais de documentos e serviços ao consumidor, também estão ganhando espaço.
A possibilidade de redução de custo, obviamente, é um dos principais atrativos — no Brasil, as empresas gastam, em média, 2% de seu faturamento com litígios. Foi nesse ambiente que, em 2013, foi criada a Finch Soluções, como braço de um dos maiores escritórios do país, o JBM & Mandaliti, do interior paulista. A necessidade de automatizar procedimentos e reduzir despesas fez com que as áreas de suporte e tecnologia se unissem para desenvolver softwares que fazem em segundos o trabalho que dezenas de advogados demorariam meses — e analisa até mesmo o histórico de decisões de determinado juiz e a chance de sucesso de cada causa. O negócio deu tão certo que, em 2014, a Finch se mudou para São Paulo e começou a atuar de forma independente. “Não queremos substituir o advogado, mas dar ferramentas a ele para não perder tempo e ter o máximo de dados qualificados para tomar decisões”, diz Renato Mandaliti, um dos fundadores da Finch, que faturou cerca de 50 milhões de reais em 2016.
Assim como a Finch, outras companhias se apropriaram da tecnologia para atacar ineficiências na área jurídica. A paulista Looplex, por exemplo, padroniza e consegue diminuir para 5 mi-nu–tos a criação de uma peça jurídica de dezenas de páginas que levaria de 2 a 3 horas. A também paulista Justto faz a intermediação de impasses — casos de defesa do consumidor, por exemplo — sem que tenham de passar pela Justiça. A baiana JusBrasil, primeira startup brasileira a receber investimento de fundos, conta com um banco de dados de processos na Justiça e seu site recebe mais de 20 milhões de visitas por mês. Os aportes, que somam 10 milhões de reais de fundos como o brasileiro Monashees e o americano Founders Fund, do Vale do Silício, ajudarão a expandir o serviço de informação e busca por advogados. “Ajudamos as pessoas a encontrar um advogado, e isso chamou a atenção dos investidores”, diz Luiz Paulo Pinho, um dos fundadores da startup.
A eficiência dos robôs também tem seu preço. A contratação de assistentes virtuais mais sofisticados ultrapassa a casa do 1 milhão de reais por ano. Mas, como em outros setores, a expectativa dos empresários é que a inteligência artificial fique cada vez mais barata; e os serviços, mais acessíveis. Um mundo em que ninguém precisará se deslocar para participar de uma audiência ou para assinar documentos no cartório está mais próximo? Certamente vai levar muito tempo até que nossos abarrotados e caretas tribunais sejam transformados pela tecnologia. Mas a pressão por mais eficiência é real. O Instituto de Direito Público de São Paulo acaba de lançar o curso de extensão em ciência de dados aplicada ao direito para ensinar noções básicas de análise de dados aos advogados. “A carreira de analista e estrategista de dados deve ganhar muita relevância no meio jurídico”, diz Alexandre Zavaglia Coelho, coordenador do curso. Assim como os médicos estão se valendo de tecnologia para melhorar a qualidade de seu trabalho, os advogados também podem usar os novos serviços a seu favor — o robô, afinal, está vindo para ficar.
Em resumo