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Cenário global: tendências que fazem de 2024 um ano de instabilidades

A humanidade vive, em 2024, outra etapa da transição do cenário global para a construção de algo novo. A hegemonia dos Estados Unidos tende ao fim, mas o velho resiste em morrer

CARLOS PLÁCIDO TEIXEIRA
Jornalista Responsável | Radar do Futuro

O mundo, ou pelo menos o Ocidente, mantém, em 2024, o cenário de turbulências políticas, climáticas, econômicas e sociais que define os anos atuais, iniciados com a pandemia da Covid19. O ambiente de tensão e dores mescla e contrasta com a visão otimista da perspectiva corporativa, criadora da ilusão da distribuição da melhoria geral da qualidade de vida. Sim, o cenário é semelhante ao de 2023, quando Israel protagoniza assassinatos em massa de palestinos, sob a aprovaçao tácita ou explícita dos Estados Unidos e de outros países integrantes da Organização do Tratato do Atlântico Norte (Otan).

O cenário será ainda mais tenso do que em outros momentos recentes da história do planeta. O mundo reflete, agora, movimentos em sentidos opostos. Em uma face da onda, sociedades convivem com promessas de bem-estar. Mas a mesma onda carrega retrocessos civilizatórios. A potência computacional disponível fornece apenas uma ilusão da melhora da qualidade de vida para as populações, pelo menos para os 5% da população global, que concentram a maior parte da renda do planeta.

O crescimento de conflitos locais e regionais, com destaque para a ascensão de movimentos de extrema-direita, personificados, no final de 2023, pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e por Javier Milei, o novo presidente da Argentina, revela a absoluta falta de limites do velho macho empoderado, representante da extrema direita fascista, o contraponto ao politicamente correto.

Liderança emergente em vários pontos do mundo, o personagem se rebela contra todas as tentativas de desconstrução da masculinidade tradicional e tóxica, que vinha sendo questionada pelo avanço do feminismo, por movimentos sociais e pela evolução dos costumes.

Espírito dos tempos: o velho resiste em sair de cena

A ausência de freios dos representantes dos poderes econômico e político hegemônicos influencia o espirito do tempo — zeitgeist — do cenário atual e futuro.

Fascistas e nazistas se sentem suficientemente livres para agir. Ele é o antigo macho dominador, o “libertário capitalista”, como se define o argentino Javier Milei. Ou seja, o neoliberal extremado, representante de grupos e interesses econômicos, políticos, sociais e religiosos. É o sujeito beligerante. Tem o viés cognitivo limitado de militares e religiosos, para quem a guerra e a perseguição ao pensamento opositor é a verdadeira realização do indivíduo. Apegado ao modelo de conservadorismo dos costumes, a defesa da família e da religião para promover o ódio a quem segue pensamentos diversos.

O macho empoderado, fascista, sem limites tem perfil conhecido. Sob o argumento de que deve eliminar o grupo Hamas, Netanyahu mata milhares de palestinos, incluindo crianças e mulheres, e comete crimes de guerra sem qualquer pudor. Na Argentina, Milei diz enfrentar a inflação para promover a destruição das condições de sobrevivência dos argentinos.

2023: Contexto / Acontecimentos

Três acontecimentos em dezembro, o resultado da 28ª Conferência Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), o genocídio de Israel contra o povo palestino e a eleição na Argentina, sintetizaram o ano de 2023. Que também teve as atenções voltadas para a guerra na Ucrânia e eventos climáticos severos. Governantes mostraram, no final das contas, como o destino da humanidade é irrelevante no cenário dominado por segmentos econômicos, como a indústria extrativa, o sistema financeiro, as big techs.

Encerrada no dia 12 de dezembro, a COP23, realizada pelos Emirados Árabes Unidos, um país petroleiro, reforçou a percepção de impotência da sociedade diante do poder da indústria do petróleo. O aquecimento global permanece em segundo plano entre as prioridades de quem define o destino do planeta. Eles não pretendem abrir mão do petróleo tão cedo, contra todas as evidências da crise climática.

Para ativistas e especialistas, a COP28 só não foi mais frustrante porque as expectativas já eram muito baixas. A necessidade de deter imediatamente o colapso climático e a reivindicação pelo direito de participar das decisões não foram levadas em conta no evento, marcado pela participação ostensiva dos lobistas dos defensores dos combustíveis fósseis.

O mundo em 2023: outros eventos relevantes

  • Guerra na Ucrânia continua: O conflito entre a Rússia e a Ucrânia entrou em seu segundo ano em 2023, com combates intensos no leste do país. As sanções impostas à Rússia pelo Ocidente continuam a afetar a economia global, causando inflação e escassez de commodities.
  • Aquecimento global: 2023 foi o ano mais quente da história, segundo o Copernicus Climate Change Service. As temperaturas elevadas provocaram secas, incêndios devastadores e furacões de intensidade incomum.
  • Recessão econômica global: A economia global entrou em recessão em 2023, devido ao impacto da guerra na Ucrânia e das sanções à Rússia. A inflação e o desemprego aumentaram em todo o mundo.
  • Ataque à sede dos Três Poderes no Brasil: Em 7 de setembro de 2023, um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro atacou a sede do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. O ataque foi considerado uma ameaça à democracia brasileira.
  • Hollywood paralisada por greves – Em maio, os roteiristas norte-americanos iniciaram uma greve, à qual os atores aderiram em meados de julho, para exigir melhores remunerações e a regulamentação do uso da inteligência artificial (IA). Este protesto, sem precedentes em Hollywood desde 1960, terminou em setembro para os roteiristas, que conseguiram um acordo salarial e proteções contra o uso de IA. 

Atores em movimento

EUA: o império decadente resiste

No centro do cenário geopolítico, como ocorre há décadas desde o fim da segunda guerra mundial, os Estados Unidos cumprem o papel principal entre os atores da geopolítica, mas com perda crescente de poderio como liderança global. Os norte-americanos levam a Europa junto. Países do “velho continente” pagam o preço por se manter como aliados do império, que tenta a todo custo neutralizar a influência crescente da China e a perspectiva de formação de um ambiente econômico multipolar.

Com interesses envolvidos diretamente nos dois conflitos bélicos de maior destaque no atual panorama mundial, na Ucrânia e em Israel, além das regiões onde mantém mais de 800 instalações militares, os EUA lutam, na verdade, contra sinais da sua decadência, visíveis fora e dentro do país.

O declínio relativo do poderio da economia é um fato incontestável, mesmo que tenha crescimento econômico e redução do desemprego. O problema é a baixa qualidade da recuperação. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) americano no PIB mundial caiu de 23% em 1980, para cerca de 15% em 2021, devendo atingir um valor ainda mais abaixo em 2026.

A pobreza nos Estados Unidos é crescente, assim como a concentração da renda. Em 2022, dados do Censo revelaram que a taxa de Medida de Pobreza Suplementar subiu e passou a atingir 12,4% da população, ante 7,8% em 2021. Segundo a Feeding America, maior organização de combate à fome dos EUA, 54 milhões de pessoas, entre adultos e crianças, ou um em cada seis habitantes do país estaria diante da angústia cotidiana de talvez não ter o que comer.

Brics: ruma à nova multipolaridade

Com mais dez membros a partir de 2024 — além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Egito, o Irã, os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e a Etiópia se tornaram membros — o grupo dos Brics responde por mudanças da correlação de forças do cenário dos próximos anos. O Brics+ representa o avanço do mundo multipolar, com a implosão da ordem internacional estabelecida nas últimas décadas. Haverá resistentência, claro.


Tendências: as forças do cenário

Jogo pesado nas eleições nos Estados Unidos

Questão-chave: o acirramento da disputa pode levar o país a uma guerra civil?

Como variável de peso na definição de cenários potenciais do planeta, as eleições presidenciais dos Estados Unidos estão inseridas em um contexto diferente em relação a outros momentos da história do país. Para 2024, a forte rejeição do presidente Joe Biden e aos políticos em geral e a preferência de parte dos eleitores por Donald Trump coloca o Partido Democrata em uma situação que requer estratégias inovadoras.

Segundo pesquisa do Pew Institute Center, as opiniões dos norte-americanos sobre a política e as autoridades eleitas são implacavelmente negativas, com pouca esperança de melhoria no horizonte.

A pouco mais de um ano antes das eleições presidenciais, quase dois terços da população (65%) dizem que se sentem sempre ou muitas vezes exaustos quando pensam em política, enquanto 55% sentem raiva. Em contraste, apenas 10% dizem que sempre ou frequentemente se sentem esperançosos em relação à política, e menos ainda (4%) estão entusiasmados.

Pouco prováveis, por sinal. A pressão favorece, por exemplo, a especulação sobre a possibilidade de ocorrer jogadas surpreendentes com o objetivo de inviabilizar o retorno de Donald Trump, do Partido Republicano, à Casa Branca.

As hipóteses levantadas incluem o cancelamento das eleições de novembro, como reação a um eventual acirramento de conflitos internos, capazes de levar até mesmo a uma guerra civil.

Economia: crescimento lento e concentrado

Questão-chave: vamos entender que há um “novo normal”, lento, nos padrões de crescimento?

A economia global mantém a fragilidade do ritmo de crescimento em 2024. Há um padrão, um novo normal, desenvolvido nas últimas décadas e que se consolida. Em outras palavras, haverá raros avanços na democratização de bem-estar social, oportunidades limitadas de trabalho de qualidade e bem remunerados e aumento da concentração de renda.

E as explicações serão as de sermpre, coerentes com o discurso dominante. Para os porta-vozes dos economistas do sistema financeiro e da imprensa corporativa, a inflação é um dos motivos para a retração, resultado das altas moderadas dos preços das matérias-primas em 2023.

O cenário será de estagflação, que combina inflação elevada, estabilidade da produção e aumento do desemprego. As pressões por aumento de preços tendem a prosseguir, por conta de conflitos envolvendo a posse de fontes energéticas — mais exatamente, petróleo — e de recursos naturais. Os Bancos Centrais – principalmente os de países mais ricos – tenderão a manter níveis elevados de juros nos próximos trimestres.

Haverá, neste contexto, a continuidade das decisões que resultam na restrição à geração de oportunidades e desenvolvimento de políticas públicas, capazes de reduzir as desigualdades sociais. O dilema sobre o futuro da economia é, na realidade, político: como combater o discurso dominante do sistema financeiro e iniciar a construção de novos modelos baseados em sustentabilidade e preservação dos direitos dos humanos.

Fenômenos climáticos em aceleração exponencial

Questão-chave: o que esperar do ambiente enquanto os governos priorizam o crescimento a qualquer custo?

Ocorrências climáticas extremas tendem a se repetir em 2024, em um fluxo exponencialmente cada vez mais frequente. A etapa será de aceleração. No cenário do desastre do aquecimento global, 2024 poderá ser o ano mais quente da história. Tudo indica que teremos três recordes globais de temperatura em um período de apenas oito anos.

É essencial constatar que as agendas governamentais estão mais presas ao marketing do que ao futuro. Segundo um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os governos dos 20 maiores países produtores de combustíveis fósseis, que respondem por 84% das emissões globais de poluentes, planejam produzir cerca de 110% mais em 2030 do que seria compatível com a limitação do aquecimento a 1,5°C e 69% mais do que seria compatível com 2°C.

Mundo dividido: a aceleração da multipolaridade

Questão-chave: a formação de blocos de países vai ser concretizada finalmente?

O mundo vai registrar o processo de expansão e consolidação de blocos formados por regiões ou países, reduzindo a influência econômica dos Estados Unidos. Os Brics, formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul são o melhor exemplo da tendência. Na cúpula realizada em agosto, na África do Sul, mais de quarenta nações – incluindo a Argélia, o Egipto, a Tailândia e os Emirados Árabes Unidos, e também os principais países do Grupo dos Vinte (G20), como a Argentina, a Indonésia, o México e a Arábia Saudita – manifestaram formalmente o seu interesse em aderir à iniciativa.

As negociações têm o potencial de acelerar a transição para o mundo multipolar, baseado em compartilhamente de interesses, sem beligerância e com uma nova arquitetura financeira, independente do dólar americano.

Juntos, os países BRICS já ultrapassaram as economias avançadas do Grupo dos Sete (G7) em termos da sua contribuição para o produto interno bruto global, sendo que o grupo representa agora quase um terço da actividade económica mundial medida pela paridade do poder de compra. As consequências desta ascensão económica repercutiram em diversas áreas, incluindo o comércio.

Ao optar por não cumprir as sanções económicas e financeiras lideradas pelos países da Otan, que apoiam a Ucrânia, a solidariedade dos BRICS favoreceu a Rússia. O bloco ofereceu desvio comercial e outros tipos de alívio a um dos seus membros fundadores e, no processo, enfraqueceu a eficácia das sanções lideradas pelos EUA como ferramenta para promover interesses econômicos e geopolíticos.

Entre 60% e 70% do comércio global já não é feito em dólar

O que puder ser automatizado, será

Questão-chave: quais os impactos da automação nas áreas de comércio e serviços, grandes geradores de trabalho rotineiro?

A inteligência artificial difundida em 2023 pelo GPT4 demonstrou que a potência tecnológica disponível no planeta atualmente garante a possibilidade de implantação de estruturas de produção totalmente automáticas. Nem mesmo a criatividade humana está a salvo. Agora, finalmente, o capitalismo imagina estar no momento da “gestão e produção sem humanos” — human free. Ao pagar por uma lata de massa de tomate no supermercado, o consumidor aciona o sistema. Sinaliza, para a agricultura mecanizada, a necessidade de plantio de mais alguns quilos de tomates. Na indústria e no comércio, a inteligência artificial se encarrega de todo o processo de reposição de estoques. 

Tudo que puder ser automatizado, será. A tendência será melhor precebida enquanto o supermercado treina as pessoas a substituir os caixas humanos pelo autosserviço. Um dos principais efeitos será o aumento do desemprego entre trabalhadores de baixa qualificação, envolvidos com atividades rotineiras. São funções que representam 80% das atividades remuneradas do mercado de trabalho. 

Eleições no mundo: avanço do conservadorismo

Questão-chave: o que as eleições agendadas para o ano tendem a mostrar para o mundo?

O mundo prepara-se para um ano eleitoral movimentado, envolvendo 41% da população mundial, em 50 países. Rússia, Índia, México, Indonésia, África do Sul e Brasil, além dos Estados Unidos, terão disputas pelo poder. As urnas tendem a revelar, em 2024, um quadro mais claro do comportamento e das expectativas dos eleitores.

A perspectiva mais provável é de que o mundo confirme a força do conservadorismo, com viés de extremismos. Em todos os continentes, os eleitores encaram a ausência de soluções para o aumento da pobreza e para os efeitos da crise climática, e favorecem a extrema-direita populista.

Os movimentos sociais, especialmente os mais ligados às esquerdas e centro-esquerdas, não têm força suficiente para formar governos e parlamentos capazes de enfrentar os avanços de indivíduos, partidos e grupos vinculados aos grupos econômicos, políticos e religiosos do espectro formado pela direita até a extrema-direita.

A desinformação se expande pelo mundo

Questão-chave: haverá reação suficiente para impor a regulamentação das plataformas tecnológicas?

A concentração de eleições é motivo de preocupação diante dos riscos que a desinformação e a manipulação de acontecimentos representam. Num relatório com recomendações sobre como proteger a saúde democrática, o Center for American Progress descreve 2024 como um ano “de alto risco” e aponta a necessidade de plataformas online dedicarem os recursos humanos e tecnológicos necessários para lidar com os problemas durante as eleições do ano. Os governos e legisladores serão pressionados para agir e definir regulamentações, que as big techs certamente vão rejeitar.

Um dos efeitos da desinformação que os especialistas monitoram é a desconfiança no próprio processo eleitoral. A crise de confiança no sistema materializa-se de diferentes formas, dependendo do cenário. Este sintoma está relacionado com outro dos principais componentes da desinformação: a tendência a optar por extremos. 

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Incertezas sobre o futuro

Quem será capaz de parar Israel?

Duas alternativas: união de forças militares contra Israel ou boicote econômico.

CERTEZASINCERTEZAS
Baixo crescimento da economia
Avanço no comércio bilateral entre países em suas moedas locais
China caminha para o maior fortalecimento, com papel relevante da Rússia e Brics
Avanço da desdolarização
Consolidação do mundo multipolar
Tensões geopolíticas seguirão em alta
Estados aceleram as suas crises externas e interna
Os conflitos vão se espalhar pelo planeta?
Qual o limite de Israel. Nethanyahu vai se manter no poder?
França e Alemanha podem perder posições entre as economias mais fortes do planeta
Acirramento da crise ambiental, com registro de mais fenômenos climáticos severos
Expansão das crises migratórias


Crescimento da desinformação
Novas versões da Inteligência Artificial Generativa
Os países vão promover a regulamentação do uso de sistemas de inteligência artificial?

Em resumo

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