Em 2040, igrejas católicas tradicionais serão transferidas para as evangélicas, consolidadas como maioria no Brasil.
Carlos Teixeira
Jornalista – Editor
Foi o maior susto que levei na minha vida, já na quarta idade. Em 2040, aos 90 anos, retornei a Belo Horizonte após décadas de ausência. Ao subir a rua da Bahia, vi, diante da histórica igreja de Lurdes, a placa em imagens de terceira dimensão: Igreja Renascimento do Senhor Verdadeiro. Não bastasse o assombro, quase explodi meus aparelhos de monitoramento da saúde ao descobrir que, ali perto, a igreja de Boa Viagem tinha sua própria placa holográfica. Era a Igreja do Senhor Verdadeiro Renascido.
Agora também a histórica catedral era parte da rede Universal do Reino de Deus, pertencente ao maior bilionário brasileiro e um dos maiores do mundo. Ele mesmo, Edir Macedo, o Júnior. O pai só não foi santificado quando morreu porque evangélicos repudiam a existência de santos. Mas bem que eles queriam santificar o velho criador do império religioso.
Nova política
Desde o final dos anos 2020, quando grandes líderes brasileiros queriam ouvir uma opinião de alguém sobre temas sociais, econômicos ou políticos, recorriam a ele, o herdeiro do trono de Deus. Com um chip de memória implantado no cérebro, Júnior tinha resposta para tudo. Baseado nas sagradas escrituras, claro. Alguém se recorda da antiga influência dos papas e dos bispos da igreja católica? Todos foram atropelados pela avassaladora expansão da rede de igrejas evangélicas.
Exatamente em 2040, os evangélicos ganharam a dianteira em relação aos católicos, na disputa pelos rebanhos do divino. Que coisa. Pensar que os declarados católicos eram 100% dos brasileiros nos tempos da Proclamação da República, em 1889, quando os padres exerciam tanto poder político quanto os delegados de polícia. E todos ou eram batizados ou morriam no pecado.
Católicos ainda eram ampla maioria em 1970, quanto representavam 91,8% da população. A partir daquele período a queda se acelerou até chegar a 83% em 1991. A diminuição foi de 8,8% em 21 anos. A piora mais significativa no quadro viria entre 1991 e 2010. Uma perda de 18,4% em 19 anos. Isto representou quase um por cento de perda ao ano (-0,97%).
Imagina só, a igreja católica era tida como doadora universal para os rebanhos emergentes. Para cada 100 pessoas que deixaram de ser católicas, 72 foram para as filiações evangélicas, 18 para os sem religião e 10 para as outras religiões não cristãs. Uma pesquisa divulgada no Natal de 2016 já mostrava que o percentual de católicos caia de 63% em 2010 para 50% em 2016, os evangélicos subiram de 24% para 29%, os sem religião de 6%, ateus e agnósticos incluídos, para 14% e as outras denominações ficaram constantes em 7%, no mesmo período.
Tempos de perdas dos católicos
Entre 1994 e 2016 a perda dos católicos foi de 1,14% ao ano. Na época, já estavam claros os sinais de um aprofundamento da transição religiosa e aceleração do processo de concorrência no Brasil e em outros países da América Latina. Lembro que havia alguma empolgação com a possibilidade de alguma mudança do cenário com a atuação do papa Francisco. Não deu.
Na verdade, agora, em 2040, Brasil e América Latina, países que perderam a grande onda de oportunidades geradas pelos avanços tecnológicos das décadas anteriores, seguem uma onda inversa de outros países. Na Europa, por exemplo, vários países fecharam suas igrejas. A sociedade divide espaços entre religiosos ortodoxos de religiões muçulmanas, uma ampla legião de ateus assumidos e os seguidores da inteligência artificial. Confrontos são inevitáveis nessa sociedade de extremos.
No norte desenvolvido, induzidos pela necessidade de preencher as horas de ócio patrocinadas pela ausência de trabalhos, os antigos prédios religiosos foram transformados em centros culturais. Nem o Vaticano escapa do processo.
A nova religião da IA
Mesmo com a liderança alcançada, as igrejas evangélicas começam a sentir uma concorrência crescente. Ateus são um grupo considerável, alvo, também no Brasil, de ataques de grupos radicais na sociedade dominada pelos religiosos extremados.
Mas são as religiões criadas pela influência crescente da inteligência artificial que mais causam inquietações entre os bispos milionários. Igrejas que misturam ciência e religião, com acesso on line e por realidade virtual, prometem expansão espacial, crescimento ilimitado e amor universal.
Desde o momento em que foram criadas máquinas autônomas e sencientes – de consciência – a humanidade vinha tentando entender o novo papel que seria desempenhado pela tecnologia no campo das questões espirituais. Máquinas podem sentir? E se podem ter consciência, poderão ter “acesso a Deus?”.
A maior parte dos comandantes das igrejas jamais viu tais avanços como algo plausível. Mas não é uma posição unânime. No começo da quinta década do século, correntes pensam, inclusive, que se humanos podem ser perdoados por seus pecados, a superinteligência artificial, com qualidades perfeitamente humanas, também pode receber o perdão divino.
Em resumo