Antecipada como tendência provável, a pandemia não recebeu a atenção de sistemas de inteligência
Carlos Plácido Teixeira
Radar do Futuro
No dia 17 de setembro de 2019, há pouco mais de um ano, relatório divulgado por um grupo de especialistas alertava o mundo de que “a ameaça de uma pandemia global é real”. Liderado por Tedron Ghebreyesus, diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), o documento tornado público dizia que o mundo estava prestes a enfrentar uma ameaça crescente de doença, com distribuição geográfica bastante abrangente, que seria capaz de matar milhões de pessoas e devastar a economia global.
Diante da possibilidade, os especialistas recomendavam que os governos deveriam trabalhar para se preparar e minimizar os riscos. Os especialistas assinalavam a preocupação extraordinária ao reconhecer que os países preparados para “a eventual pandemia global”. O relatório, divulgado globalmente por grande parte da imprensa, não entrou no radar de agências especializadas e especialistas especializados em inteligência empresarial. E nem mesmo de tecnologias avançadas de inteligência artificial.
Em tese, recursos de inteligência humana e digital, instalados em empresas e organizações, deveriam ser capazes de acender sinais de alerta para os fenômenos extremos esperados para os próximos anos. Os futuristas ainda têm a desculpa de que já vinham prevendo as crises pandêmicas, assim como antecipam a crise climática que vem se desenrolando. Mas esses profissionais não têm o foco em projeções no curto prazo. De fato, o evento era esperado para os especialistas em projeções futuras, porém sem data determinada.
Previsões
Vale destacar que o alerta da OMS foi feito três meses antes do primeiro registro do vírus Covid 19, em dezembro de 2019, em Wuhan, na China. A Organização Mundial da Saúde declarou o surto de COVID-19 como Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional em 30 de janeiro de 2020. A pandemia foi confirmada oficialmente pelo organismo internacional em 11 de março de 2020. No final de setembro, o número de mortes já alcançava um milhão no mundo, com 34 milhões de infectados. No Brasil, eram registrados 150 mil mortos e 4,9 milhões de que contraíram o vírus.
Um crédito parcial pode ser concedido ao Forum Econômico Mundial (WEForum). Atração da reunião anual da instituição, em janeiro, em Davos, na Suíça, o Relatório Global de Riscos da instituição descrevia que, de forma inédita, as cinco principais ameaças para o planeta, inclusive para a economia e para a sociedade, estavam relacionadas com a forma como a humanidade vem tratando as questões climáticas. O documento não aponta diretamente para a possibilidade da pandemia e seus efeitos. Mas dá indicativo da importância do tema para uma visão de futuro. “A biodiversidade está sendo perdida em taxas de extinção em massa, os sistemas agrícolas estão sob tensão e a poluição do ar e do mar se tornaram uma ameaça cada vez mais premente à saúde humana”, descreve o texto.
As grandes agências de inteligência do mundo não estavam atentas a qualquer sinal sobre a iminência dos acontecimentos que tornaram as suas projeções praticamente irrelevantes ou secundárias durante o ano. Na média, os “papers” reservados focavam, com destaque, os riscos envolvidos na guerra comercial que coloca os Estados Unidos e a China no centro do palco geopolítico global. Conflitos possíveis, guerra cibernética, problemas para as democracias e aumento de protecionismo e isolacionismo apareceram como alguns dos temas mais comuns para o cenário de curto prazo.
Paradigmas
A apresentação dos dados acima não pretende ser uma crítica aos especialistas em sistemas de inteligência empresarial ou digital. É, sim, a afirmação de que novas formas ou posturas de monitoramento de indicadores-chave das tendências globais. Inclusive para evitar que um grande banco global quebre poucos dias de ganhar uma recomendação de agências de risco. “As empresas precisam adaptar as suas métricas para avaliar o valor da natureza”, afirmou, ainda em artigo publicado no site do WEForum, o editor Mark Markovitz.
Segundo o artigo do editor do Fórum Econômico Mundial, a sociedade precisa de um “novo paradigma de crescimento”, que aborde a interconectividade de fatores socioeconômicos com as mudanças climáticas. “Como os riscos ambientais e econômicos estão indissociavelmente ligados, as percepções de risco são responsáveis por apenas um deles. Outros pontos cegos podem estar surgindo e esforços integrados de mitigação podem estar faltando”, assinala.
Uma boa pergunta a se fazer é sobre o porquê da não inclusão do tema da pandemia quando a OMS fez o alerta, três meses antes, sobre a perspectiva da grande crise. Ou até que ponto agências de risco e de inteligência de mercado estão incluindo a possibilidade de fenômenos climáticos severos, como furacões e tempestades, entre os fenômenos capazes de mudar o destino das sociedades.
Em resumo