Grandes grupos econômicos negociam fusões e aquisições. A concentração de poder vai impactar o futuro do ensino básico e dos professores
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
Não bastassem os problemas tradicionais de uma profissão repleta de paradoxos, entre o discurso que coloca a educação em um pedestal e a desvaloriza na prática, os professores da rede privada de ensino se veem diante de uma nova assombração em relação ao futuro. Avança a concentração econômica no setor. Nos tempos pandêmicos, há atualmente uma nova onda de negociações de transferência da propriedade ou administração de escolas do ciclo básico.
Depois do ensino superior, agora as fusões e aquisições aceleram em direção a colégios tradicionais, sinalizando uma tendência de forte concentração no segmento. Trabalhadores das salas de aula expressam a expectativa negativa. Para eles, há fortes razões para temer o efeito do processo, que consolida a transformação da educação em negócio, voltado à formação de alunos que serão absorvidos como trabalhadores para o mercado de trabalho.
A expectativa envolve a avaliação de que conglomerados cada vez maiores passarão a ditar as regras do funcionamento do mercado e mesmo do funcionamento de toda a atividade docente. A condução da transição para a continuidade das atividades desde o ano passado, colocando alunos diante de professores em aulas remotas de forma apressada, sem apoio efetivo do ponto de vista pedagógico, como reclamam muitos, é vista como uma demonstração de ausência de compromisso com a garantia de ensino de qualidade.
Para Gilson Reis, professor e coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação (Contee), investidores e grupos econômicos de peso, aproveitam, como uma oportunidade, o momento em que a pandemia do novo coronavírus impactou o setor, que já vinha com dificuldades desde a recessão iniciada em 2014. As contas foram desequilibradas por aumento da inadimplência e redução de receita por conta dos descontos oferecidos aos pais que perderam emprego ou renda.
Modelos de negócios
A imprensa tradicional captou a tendência das fusões e aquisições como mais um fenômeno econômico apenas. “Até então influenciada por atributos como linha pedagógica, índices de aprovação e estrutura física, a escolha do colégio dos filhos está ganhando um novo critério decisório: os acionistas por trás da lousa”, sintetizava o site do jornal O Globo, no dia 25 de abril.
Segundo o jornal, “capitalizados por fundos de participação ou investidores da Bolsa, grupos especializados em educação básica chacoalham um mercado que movimenta R$ 80 bilhões ao ano, mas ainda é dominado por escolas de bairro. A matéria justifica que “eles chegam com plataformas de tecnologia, gestão profissionalizada, preços agressivos e tendências como educação bilíngue, impondo uma competição com consequências muitas vezes duras para colégios estabelecidos, mais vulneráveis a aquisições”.
O movimento é liderado por grupos como Eleva Educação, que tem o bilionário da cerveja Jorge Paulo Lemann como sócio, Inspira, controlado por um fundo gerido pelo BTG Pactual, SEB, do empresário Chaim Zaher e o britânico Cognita. Outro grupo poderoso, Bahema, com ações negociadas em bolsa de valores, também entra no circuito, gerando desconfiança. Um de seus alvos são escolas de linha construtivistas, com propostas contrárias ao pensamento dos novos proprietários, que atuam ativamente, em essência, em outras instituições que pregam o foco na formação para o mercado de trabalho, sem a visão humanista e crítica tradicional das escolas.
Visão histórica
A tendência de concentração do mercado de educação representa uma etapa do movimento de mudança do sistema ocorrido a partir da década de 1990, com o avanço do modelo econômico abraçado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. “O ministro Paulo Renato de Souza, da Educação, implantou as diretrizes do Banco Mundial que transformam a educação em um serviço. A política econômica segue o consenso de Washington, que estimula a redução do papel do estado na educação.
Gilson Reis ressalta que as decisões políticas adotadas no período criaram ambiente propício para o processo de mercantilização da educação, “que passa a ser comprada e comercializada em qualquer esquina do Brasil”. Foi a primeira de três fases muito claras no processo de mudança do panorama do sistema de educação, transformada de uma atividade básica em uma atividade econômica geradora de lucros. As oportunidades foram aproveitadas com a expansão dos grandes grupos que tinham expressão local.
Já no período dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a segunda fase de mudanças do mercado foi marcada por processos de fusões e aquisições. As transformações transformaram a educação em ativo de interesse do mercado financeiro e os alunos em commodity. A Kroton, fundida com o grupo Anhanguera se transformou na maior organização privada do mundo, com 1,2 milhão de estudantes no mundo.
“Na etapa atual, há um processo de internacionalização”, enfatiza Gilson Reis, para quem os interesses e objetivos não estão muito claros. Há muitos negócios porque os investidores identificaram a possibilidade de rentabilidade, mas há o interesse em ampliar a introdução de conceitos liberais na formação dos alunos. O jogo de interesses supera os limites do discurso das oportunidades de mercado.
Com a pandemia há o estímulo a uma migração para a educação remota, que não é a mesma coisa de educação à distância. O remoto apenas coloca o professor diante de um computador para dar aula da forma tradicional. A iniciativa aumenta a concentração de alunos em sala de aula e possibilita um professor no lugar de vários outros. Um dos receios é a adoção intensiva de tecnologias sob argumentos falseados. Os sistemas de comunicação, por exemplo, de algum modo passaram pelo teste de funcionamento, mesmo com alguma reprovação em seus resultados finais.
A possibilidade de redução de trabalho é uma preocupação, assim como a necessidade de preparo dos professores, pois há a necessidade de adaptação das rotinas e conteúdos envolvidos. O impacto imediato em relação a pedagogia e a professores pode ser altamente negativo caso as decisões sejam influenciadas por critérios de produção e produtividade. “Para além da questão econômica, tem a questão pedagógica e a concepção de formação da infância e da juventude”. O nível da educação superior privada é um indicador de destaque na argumentação de Gilson Reis. “Para cada cinco faculdades do Brasil, três não cumprem com o mínimo ideal para a formação dos alunos”, afirma.
Impactos da concentração no futuro do ensino básico
- Aumenta o poder econômico dos conglomerados
- Gestores das escolas ganham poder para influenciar prioridades públicas
- Foco na rentabilidade se sobrepõe à qualidade
- Aumento do uso de plataforma de conteúdos definidos
- Expectativa de aumento da carga de trabalho
Paradoxos
- Valorização da educação x desvalorização dos professores (profissionais da educação)
- Educação como direito social x educação como “business”
- Educação como valor x más condições de trabalho
- Educação voltada para o trabalho x rejeição ao foco de humanização
- Filantropia x interesses difusos
- Sustentação de interesses da elite econômica
Gilson Reis
Coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação (Contee)
Em resumo