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Por que dogmas afetam a capacidade de antecipar o futuro?

Dogmas não são bons conselheiros para quem deseja se antecipar ao futuro - foto: Pixabay
No cenário de movimentação de peças, dogmas não são bons conselheiros para quem deseja se antecipar ao futuro – foto: Pixabay

Carlos Teixeira
Jornalista I Futurista

Do motorista de táxi que desdenhou o poder do Uber ao engenheiro da IBM que não encontrou demanda para computadores pessoais, a infinidade de previsões que ficaram famosas por erros de avaliação de personalidades e anônimos possibilita extrair a conclusão de que certezas absolutas, crenças e dogmas tendem a ser más conselheiras de quem pensa ou fala sobre inovações e seus impactos sobre o futuro. Na história da humanidade, sobram exemplos de frases sobre a impossibilidade de sucesso de algumas inovações que, no final das contas, tiveram efeitos disruptivos sobre a sociedade.

É como aquele seu conhecido que, abraçado a uma bíblia, prevê a proximidade do apocalípse. Convicções devem ter levado um banqueiro a garantir, em 1903, que “o cavalo está aqui para ficar, mas o automóvel é apenas uma moda”. Certeza parecida com a de um produtor de filmes que, em 1946, disse que “a televisão não vai durar muito porque as pessoas logo se cansarão de ficar olhando para uma caixinha todas as noites”. Aliás, Charles Chaplin, teria afirmado em 1916, quando ainda era ator de teatro, que “o cinema é uma mania. É drama enlatado. O público quer mesmo é ver pessoas em carne e osso”

Mesmo Bill Gates, fundador da Microsoft, acumula um prontuário público de erros de previsões, apesar de ter um balanço positivo entre falhas e acertos. “Eu vejo pouco potencial para a internet nos próximos 10 anos, disse o bilionário em 1994. O grande problema de quando uma empresa do porte da criadora do Windows escorrega em uma previsão é de que tais equívocos podem provocar prejuízo de posicionamento da empresa que teve de recuperar o terreno perdido nos anos seguintes.

Armadilhas das crenças

Porque as pessoas erram ao avaliar os impactos futuros de uma inovação? Uma primeira resposta aponta para uma tendência de super simplificação das análises, inerente ao ser humano. Ou, de outra forma, temos baixo preparo e disposição para enfrentar a complexidade definida pela vida em sociedade. Se algo não se encaixa em crenças consolidadas, que sejam feitos exercícios de descarte daquilo tudo que não nos interessa.

De outra forma, é necessário esforço para entender o que vem pela frente. Imagine o motorista de táxi de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais com 2,5 milhões de habitantes. Em 2013, durante a Copa das Confederações, ele ouvia falar sobre uma novidade chamada Uber. E dizia, com a mais absoluta convicção, que “isso jamais vai chegar aqui, porque é coisa de cidade muito grande, como Rio, São Paulo ou Nova Iorque”. No modelo do motorista, a capital mineira não tem tamanho para absover tal novidade. E, claro, há o regulamento que, também na caixa de crenças, assegura a exclusividade de mercado para os taxistas.

Um ano depois, já na Copa do Mundo, o taxista mineiro estava protestando. Ele precisaria ter entendido, para começo de uma conversa sobre tendências e futuro, que o mundo muda, atropelando tudo. Ele precisaria entender que os sinais de mudança não começaram com o aplicativo, mas nos tempos em que ele achava que bastava ter um fusca de duas portas. Ou antes, até.

Em algum momento, o taxista foi obrigado a trocar o carro velho por um sedã. Depois, teria de comprar um veículo com ar condicionado. E deixar de rodar de bermuda e camiseta, claro. Ao ver o Uber chegando, os taxistas acreditaram que as reservas de mercado seriam suficientes para garantir o pão de de cada dia. Muitos ainda acreditam que a lei será a garantia de retorno dos velhos tempos. Não será. Não há a caixa hermética protetora, baseada nas convenções estabelecidas.

Entre dogmas e crenças

Outras profissões seguem o mesmo caminho, embaladas pelas crenças geradoras de ilusões. É o caso de jornalistas. Quando a internet começou a entrar no cotidiano das pessoas, no final dos anos 1990, eles acharam que não teriam perdas. Afinal, jornalistas acreditavam que internet não era mídia. Era uma rede mundial de computadores. Tecnologia, em síntese. E que poderia ter vida curta.

Quando os tablets foram lançados, os profissionais da mídia impressa não deram importância. Afinal, os equipamentos tecnológicos de leitura jamais superariam o prazer do leitor em folhear um jornal ou uma revista de papel. Pois é, desde o ano 2000, mais de 200 mil jornalistas perderam empregos. No Brasil, entre 2012 e 2018, quase 2 mil produtores de notícias já foram para a rua.

Dogmas e convicções simplificam a nossa explicação e a visão de futuro sobre as coisas que nos rodeiam. “O mundo real não é simples, nem complicado: é complexo”, diz Humberto Mariotti, fundador e diretor do Grupo de Estudos de Gestão da Complexidade. No livro Pensando Diferente, ele assinala que “precisamos mudar de modo de pensar, mas a experiência tem mostrado que este é um empreendimento contra o qual há resistências e obstáculos de toda ordem”.

Segundo o estudioso da complexidade, as dificuldades têm origem em um fenômeno apontado pelo prêmio Nobel de Literatura, T. S. Eliot. Segundo o escritor, “o ser humano não suporta muita realidade. Daí, racionalizar, superficializar e super simplificar são modos de colocar tudo em termos binários. Mariotti recorre a outro Prêmio Nobel, Vargas Lhosa, para quem “o modo de pensar que privilegia o raciocínio binário é a principal causa de nossas dificuldades de compreender o mundo real. E as coisas tendem a continuar assim se não conseguir pensar diferente”.

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