Método Delphi: foco na voz dos especialistas

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Designer do Futuro

Imagine um seminário internacional de cardiologistas em sua cidade. Você aproveita o encontro para fazer uma pesquisa sobre o futuro da atividade médica: A Cardiologia em 2030. Como são profissionais muito ocupados, não há muito tempo a perder. O seu questionário já tem algumas suposições, levantadas em uma consulta anterior com especialistas, realizada por você e sua equipe. Separados em grupos, os médicos vão dizer, então, quais variáveis impactarão mais as suas atividades. As tecnologias, as mudanças sociais e demográficas, questões políticas — como a expectativa de comportamento dos investimentos em saúde, por exemplo — e assuntos econômicos, entre outras.

Este roteiro apresenta de forma simplificada o método Delphi, um processo de estudo prospectivo sobre expectativas em relação a acontecimentos futuros. Uma estratégia que possibilita o desenho de cenários prováveis, baseado em pesquisas e que utiliza informações da experiência e conhecimento dos participantes, que são principalmente especialistas. Portanto, produz resultados qualitativos e quantitativos e baseia-se em elementos exploratórios, preditivos e até normativos.

Geralmente, o objetivo de um estudo Delphi é organizar um debate, coletar e sintetizar opiniões e obter um certo grau de convergência. É uma ferramenta valiosa para comunicação e troca de opiniões sobre um tópico, tornando mais explícito o conhecimento tácito do futuro dos especialistas. Também é útil para avaliações de longo prazo em que extrapolações não fazem sentido. O cenário pode ser construído para ajudar a identificar e priorizar metas políticas, por exemplo. O estudo pode mirar, por exemplo, cenários do Brasil em 2030, o sistema de saúde, o mercado de petróleo ou impactos das tecnologias na indústria.

Aplicações: quando e como utilizar

O método Delphi é usado principalmente quando questões de longo prazo, uma década ou mais, precisam ser avaliadas. O que não impede a aplicação para prazos inferiores em que a visão de futuro seja necessária para a tomada de decisões sobre políticas públicas ou ações estratégicas privadas. A alternativa é acessível à diversidade de instituições, seja, por exemplo, uma corporação privada ou pública, um governo ou organização científica ou não-governamental. 

É um meio útil de analisar acontecimentos emergentes onde não há banco de dados baseados em certezas, onde fatores externos provavelmente tenham impactos determinante e onde as questões sociais possam impactar tendências econômicas ou técnicas. Portanto, o Delphi tende a ser útil para avaliar cenários sobre impactos das mudanças climáticas na produção agrícola ou sobre o efeito do envelhecimento na estrutura do comércio.

Como implica identificar forças relevantes para o futuro, reduz o conhecimento informal e complexo a uma visão mais específica e torna possível estabelecer ações.  Há um consenso de que o Delphi é uma pesquisa especializada em duas ou mais ‘rodadas’, na qual, na segunda e posterior rodadas da pesquisa, os resultados da rodada anterior são dados como feedback. Portanto, os especialistas respondem a partir do segundo turno sob a influência das opiniões de seus colegas. E é isso que diferencia o Delphi das pesquisas de opinião comuns. A ideia é que os entrevistados possam aprender com as opiniões dos outros, sem serem indevidamente influenciados pelas pessoas que falam mais alto nas reuniões, ou que têm maior prestígio, por exemplo. Idealmente, dissidentes significativos de um consenso em desenvolvimento seriam necessários para explicar seus motivos.

Assim, o método Delphi é um processo de produção e comunicação em grupo, em assuntos em que os conhecimentos naturalmente inseguros e incompletos disponíveis são julgados por especialistas. Trata-se de uma pesquisa dirigida por um grupo de monitores, composta por várias rodadas de um grupo de especialistas, que são anônimos entre si e cujos prognósticos subjetivo-intuitivos um consenso é apontado. Após cada rodada de pesquisa, é fornecido um feedback padrão sobre o julgamento estatístico do grupo, calculado a partir da mediana e quartis de prognósticos únicos e, se possível, os argumentos e contra-argumentos das respostas extremas são retornados.

As características centrais

• Os estudos Delphi sempre abordam questões formuladas em temas em que existe conhecimento incerto e incompleto. 
• Delphi envolve fazer julgamentos diante da incerteza. As pessoas envolvidas nos estudos Delphi apenas fornecem estimativas.
• Os especialistas envolvidos precisam ser selecionados com base em seus conhecimentos e experiência, para que possam fazer uma avaliação competente. Eles têm a oportunidade de coletar novas informações durante as rodadas sucessivas do processo.
• O método Delphi enfatiza os processos comportamentais, e não modelos matemáticos
• Delphi tenta fazer uso de profecias auto-realizáveis ​​e destruidoras no sentido de moldar ou mesmo ‘criar’ o futuro.

Em que prestar atenção

Normalmente, o número de entrevistados é pequeno. Delphi não se destina a produzir resultados estatisticamente significativos. De fato, os resultados fornecidos por um painel não preveem a resposta de uma população maior ou mesmo de um painel Delphi diferente. Os resultados representam a visão de um grupo específico de especialistas.

Método Delphi não é usado para criar consenso, mas para testar se já existe consenso sobre a forma das coisas que estão por vir. O que os usuários gostam em particular são os conjuntos de dados sobre o futuro que são coletados.

O painel de entrevistados inclui especialistas de empresas, governo, pesquisa, associações e outras pessoas competentes no campo da matéria, mas geralmente o termo especialista é usado em um sentido relativamente amplo.

Os principais usuários são empresas, principalmente áreas envolvidas com estratégias. No caso dos estudos nacionais baseados no método, o público-alvo geralmente é definido como qualquer pessoa interessada em informações sobre o futuro. Assim, além das empresas, os principais interessados tendem a ser instituições de pesquisa, órgãos governamentais jornalistas, professores, estudantes e alunos. Esse método formalizado e rastreável tem credibilidade junto aos formuladores de políticas. 

Em síntese: as etapas

Seleção do tópico

O assunto deve ser aquele em que há falta de dados concretos sobre tendências futuras. Em alguns casos, basta um campo temático; em muitos casos, o objetivo é obter uma visão geral para que mais campos sejam decididos e tratados de maneira flexível. Sempre há a possibilidade de adicionar, remover ou renomear campos.

Definição do procedimento

Todo o procedimento deve ser previamente estabelecido. As reuniões do painel serão organizadas ou as equipes trabalharão on-line? O questionário é eletrônico ou em papel? Isso significa que a logística (seja configurando o site ou digitando os resultados das versões em papel) deve ser organizada. Haverá oficinas de acompanhamento, entrevistas, apresentações? Nesse caso, também devem ser organizados e preparados. A impressão de folhetos, folhetos, questionários e relatórios também deve ser considerada.

Ao elaborar o questionário, é importante considerar desde o início como dar feedback aos participantes durante o segundo turno. A maneira usual é fornecer porcentagens ou gráficos a partir dos dados acumulados de maneira semelhante à do questionário da primeira rodada. No entanto, há muito espaço para criatividade, especialmente com questionários on-line.

Formulação das declarações

Muitas vezes é perguntado aos entrevistados sua opinião em relação às declarações dadas, que podem ser derivadas de pesquisas realizadas em mesa ou de workshops ou grupos de trabalho anteriores. Este é um processo demorado. Muitas vezes, é necessário filtrar os tópicos duas ou até três vezes porque, freqüentemente, os especialistas em grupos de trabalho adicionam tópicos em vez de reduzir o número. O último passo é a formulação das perguntas.

Formulação das perguntas

As perguntas derivam dos objetivos do exercício prospectivo em geral e devem ser adaptados a eles. Eles devem ser claramente definidos, possíveis de responder e corresponder às afirmações feitas. As declarações devem ser formuladas de forma que os critérios ou perguntas possam ser julgados com base neles. Outras questões podem estar relacionadas às possíveis restrições (econômicas, tecnológicas, sociais e políticas) à ocorrência de evento ou desenvolvimento.

Seleção do painel de especialistas

É necessário cuidado no recrutamento do painel e os critérios de seleção devem ser estabelecidos (problema de viés, presente em todos os grupos do painel). Antes de um especialista concordar em participar de uma investigação da Delphi, ele / ela deve entender o objetivo da investigação e deve estar ciente de que sua experiência deve ser disponibilizada em diferentes rodadas da investigação. O método Delphi tem uma natureza iterativa. Se o exercício é para manter sua credibilidade, a tendência para os membros do painel desistirem após a primeira rodada deve ser minimizada.

Prós e contras

Vantagens:

• A formalização da metodologia, a quantidade de dados, o número de especialistas envolvidos e o fato de que opiniões divergentes estão parcialmente ocultas atrás da principal convergente, tornam a abordagem popular e credível para os formuladores de políticas.
• Como em outros métodos bem formalizados, obriga as pessoas a pensar no futuro.
• Dá aos participantes a oportunidade de pensar com mais profundidade e reunir mais informações entre as rodadas (efeito psicológico).• Destaca claramente se há consenso sobre um assunto ou não.
• Há um efeito psicológico e um efeito de comunicação ao ser forçado a expressar idéias de maneira clara e concisa.
• Os julgamentos permitem análises, classificações e configurações de prioridades.
• O resultado está em uma forma operacional para muitos atores, incluindo formuladores de políticas.
• Mesmo orientadas para a ação, as pesquisas Delphi permitem um pensamento de longo prazo.

Desvantagens:

• Os estudos sobre Delphi são difíceis de executar bem. Eles consomem bastante tempo e exigem muito trabalho e requerem preparação especializada (externa). Eles são, portanto, caros.
• O consenso obtido no segundo turno é frequentemente artificial.
• No entanto, existe o risco de considerar os resultados como fatos.
• Opiniões únicas que possam ter um valor especial também são reunidas e normalmente ignoradas. Somente os resultados acumulados são publicados para preservar o anonimato. É difícil descobrir as razões para as respostas divergentes mais tarde, pois esse anonimato deve ser respeitado.
• Um Delphi mal projetado irá provocar antagonismo e obter informações de baixa qualidade. Pode alimentar críticas à atividade prospectiva geral à qual está associada. Portanto, muita atenção deve ser dada à escolha dos participantes; o questionário deve ser meticulosamente preparado e exaustivamente testado para evitar ambiguidade.
• É preciso tomar cuidado com os efeitos do grupo. Como em todos os painéis ou grupos de especialistas, as opiniões refletirão o conjunto de participantes envolvidos: um conjunto restrito de critérios para esses fatores pode levar a visões não representativas ou perder importantes fontes de conhecimento.
• Alguns participantes desistem durante o processo (especialmente após a primeira rodada). Além disso, embora uma avaliação qualitativa adicional da investigação sobre o Delphi possa produzir informações úteis, essa etapa geralmente não é realizada devido à falta de tempo.
• Muitas vezes, é difícil convencer as pessoas a responderem a um questionário duas ou mais vezes e podem ser necessários incentivos (por exemplo, que os especialistas recebam os resultados). A taxa de abandono aumenta após o segundo ou terceiro turno, portanto, a maioria dos estudos atuais se limita à preparação e a dois turnos.
• Uma pesquisa Delphi é, na verdade, sempre uma mistura de métodos, porque é necessário um procedimento de geração de tópicos.
• Não é aplicável em todos os campos ou casos, porque as declarações devem ser formuladas relativamente rapidamente.
• Mesmo quando aplicável, essa formulação curta reduz a complexidade.

Fonte
http://www.foresight-platform.eu/community/forlearn/how-to-do-foresight/methods/classical-delphi/