Expectativa de retorno de interessados pelas salas comerciais não se confirma. Parte dos usuários potenciais resiste em abandonar o trabalho em casa
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
As restrições impostas pela pandemia desde 2020 acabaram para trabalhadores e empregados. Mas o alívio esperado pelo mercado de compra, venda e locação de salas comerciais não veio. Que nada. O capítulo seguinte da história continua a ser de incertezas. Dificuldades que eram restritas às regiões centrais foram expandiram para outras áreas de aglomeração de escritórios de prestadores de serviços.
Agora, existe o efeito da queda da demanda, motivada, entre outros fatores, pela introdução de novas relações de trabalho, novos modelos de produção, com o empurrão especial das tecnologias de comunicação. O sistema empresarial descobriu que há computadores e internet com força suficiente para viabilizar as ideias sobre futuro, imaginadas no passado. Voltar ou não voltar para os escritórios passou a ser uma grande questão.
Como em outras regiões do mundo, o esvaziamento de salas foi acelerado durante a pandemia. O Centro do Rio de Janeiro chegou ao fim de 2020 com 45% de seus espaços comerciais — lojas, escritórios e salas — vazios, segundo a Associação Brasileira de Administradoras de Imóveis (Abadi). O percentual marca o recorde negativo do setor. Em São Paulo, na mesma época, a quantidade de imóveis vazios alcançou 30%. A recuperação iniciada com o fim das restrições à concentração de pessoas em lugares públicos não foi suficiente para recuperar os negócios.
Transição acelerada: o que mudou
Nos próximos anos, proprietários e corretores terão de reinventar os usos dos espaços destinados a escritórios de pequenas empresas de comércio e de serviços de profissionais autônomos e liberais. As incertezas impactam especialmente as salas de pequeno porte em prédios das áreas centrais das cidades, onde a oferta de imóveis é infinitamente maior que a procura.
Não é um problema recente. Há um comportamento antigo do segmento de locação. O Covid-19 foi a força de aceleração. Sem expectativas de normalização em pouco tempo. “Sou o único ocupante de um andar de dez salas, onde eu trabalho. Ele foi esvaziado no início da pandemia”, relata o advogado Otávio Daniel, especialista em previdência. No prédio, 32 locatários rescindiram contratos ainda em 2020, logo depois do início do isolamento.
No décimo sétimo andar do edifício em Belo Horizonte, Otávio mantém a rotina de atividades, recebendo dezenas de clientes todos os dias. Segundo ele, a continuidade é consequência do perfil do serviço, voltado para um público de pessoas de baixa renda. São candidatos à aposentadoria que não teriam condições de resolver as suas demandas por telefone ou que não têm acesso à internet..
Roberto Fagundes, proprietário de uma sala no mesmo pavimento, convive com o dilema sobre o que fazer com o seu imóvel, de 21 metros quadrados. Comprado há pouco mais de cinco anos por 95 mil reais, hoje ele vale quase a metade. Vale mais na teoria do que na prática. “Segundo um funcionário do condomínio, a última negociação envolvendo venda aqui no edifício teve valor de 55 mil reais”, conta Roberto.
Como os problemas começaram?
Principalmente nas áreas centrais de grandes cidades, a crise do segmento de venda e locação de salas comerciais não é uma novidade. É um fenômeno global. O processo tem início, no Brasil, já a partir das décadas dos anos 1950 e 1960. E intensificado nas décadas seguintes. Era o resultado do abandono, principalmente pela população de alta renda, das regiões onde os moradores tinham residência, trabalhavam e acessavam o comércio e serviços de todos os tipos.
O estudo “Áreas Centrais Entre Oportunidades e Desafios: Notas com Base Na Realidade de Uberlândia, em Minas Gerais”, relata que a descentralização é decorrente “das transformações sociais, políticas e econômicas da sociedade”. Reflete o aumento da mobilidade, proporcionada pela difusão do uso do automóvel particular, a implantação de novos estabelecimentos comerciais nas áreas periféricas.
O processo deu início ao esvaziamento e degradação das áreas públicas centrais. E ao surgimento do fenômeno de “prédios fantasmas”, imóveis que eram ocupados por grandes empresas ou órgãos públicos e que foram esvaziados. Entre o fim do século passado e o início do atual, interessados em alugar um espaço para prestadores de serviços e profissionais liberais encontravam, com frequência, nos cadernos de classificados de jornais, anúncios de ofertas de salas em que os proprietários ofereciam seus imóveis em troca do pagamento do condomínio e do imposto territorial. E não encontravam interessados.
Memória:
Tudo convergia para os centros, onde moradores, dentistas, médicos, advogados, comerciantes e grandes empresas estatais e privadas tinham seus endereços
Ainda hoje, o Centro das cidades sofre com a incapacidade de responder a novas formas e funções decorrentes da diversificação das atividades de produção, em contraposição com os benefícios oferecidos pelos novos centros comerciais e modelos de gestão. Globalmente, a revitalização das áreas centrais passou a ser um desafio comum às administrações municipais, preocupadas em reverter o nível de abandono e degradação dos espaços.
Como a crise se expandiu: o impacto da potência tecnológica
Os problemas do segmento das salas comerciais, concentrado especialmente nos antigos prédios dos Centros, ganhou um novo capítulo a partir de 2020, com a crise sanitária provocada pelo Covid-19. Um dos principais efeitos do isolamento de profissionais, obrigados a trabalhar em casa, foi a antecipação de tendências que seriam adotadas ao longo do tempo. O teletrabalho, ou home office, passou por um teste inesperado. O desempenho remoto de funções foi aprovado.
Foi um laboratório experimental. A mudança das rotinas demonstrou que não era necessário esperar a instalação de redes 5G para acelerar a adoção do trabalho remoto. A potência tecnológica e a estrutura disponíveis – velocidade 4G, poder de processamento e acesso a dados (big data) – possibilitaram aos trabalhadores, isolados, desempenhar suas funções em grupo, fazer teleconferências, acessar documentos compartilhados e manter a produtividade sem perdas.
Mais importante, até, foi a visibilidade dada à alternativa do trabalho em casa. A experiência gerou opiniões objetivas, novas atitudes e questionamento sobre modelos tradicionais de gestão. Além de apoio. Uma pesquisa realizada pela consultoria Robert Half mostra que 39% dos brasileiros trocariam de emprego só para ter a opção de home office. Entre os recrutadores entrevistados pelo estudo, 42% relatam casos de trabalhadores que buscam novo emprego depois que a empresa optou pelo retorno presencial.
Futuro do mercado: o que inibe a locação das salas
“A gente falava do futuro do trabalho e o futuro do trabalho chegou”, diz a arquiteta Maria Laura Dalul, arquiteta, em entrevista publicada pelo site da revista Claudia. A aceleração de mudanças na sociedade e no mercado de trabalho, com apoio das tecnologias de comunicação e informação, tende a criar um quadro irreversível de mudanças no segmento de locação das salas. Na formação das tendências do mercado de salas comerciais há ventos econômicos, políticos, sociais e, claro, tecnológicos que estimulam a alternativa do home office como solução das áreas de recursos humanos, com fortes impactos sobre o mercado de imóveis comerciais.
Home Office regulamentado
A regulamentação do teletrabalho, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 2 de setembro, vai impactar, mesmo que indiretamente, o mercado imobiliário. A reforma da legislação flexibilizou as relações entre empresas e trabalhadores, favorecendo a terceirização. E introduziu novas modalidades de vínculos nos modelos de produção. A ausência de contratos permanentes e de longo terá peso significativo no cenário do futuro de curto e médio prazos.
Potência tecnológica: condições ideais de hardware, software e infraestrutura
Em uma das modalidades referendadas pela legislação recente, os profissionais atuam como prestadores de serviços para empresas por tempo determinado para suprir demandas específicas, como ajudar no fechamento contábil ou na entrega de uma obrigação específica. São tarefas que, cada vez mais, podem ser realizadas em casa, com apoio de internet de qualidade e computadores com elevada capacidade de processamento. As tecnologias disponíveis em smartphones, computadores de mesa ou tablets têm potência tecnológica suficiente para a realização de todas as atividades.
Mercado de alta concorrência
Consultorias de RH, especializadas em médias e grandes empresas, como a Robert Half, registram o aumento dos casos de contratações por projetos. A possibilidade de baixo crescimento da economia nos próximos anos, estimula a concorrência direta entre profissionais com base no menor preço. Os custos pessoais terão papel essencial. E quem trabalha em casa tem vantagens extras na apresentação dos orçamentos.
Aprovação do trabalho virtual
Além das relações de trabalho, vale considerar também, como força importante, o fato de que profissionais com cargos mais especializados, potenciais interessados pelo aluguel de salas, consideram as mudanças do ambiente do teletrabalho como positivas. Segundo a Robert Half, 77% dos profissionais consultados em um estudo sobre confiança em relação ao futuro acreditam que a experiência do trabalho temporário é positiva.
Adaptação de projetos residenciais
Novos projetos arquitetônicos de prédios residenciais tendem a incorporar espaço para o trabalho em casa. Mesmo proprietários de salas tendem preferir resolver suas atividades em a necessidade de transporte público ou privado, enfrentar trânsito e gastar com almoço e lanche fora de casa.
Futuro do mercado: o que favorece a locação das salas
Necessidade sociais e psicológicas
A médio prazo é possível esperar a reversão da tendência de adoção do trabalho remoto e alguma retomada do uso de salas. Especialistas apontam a possibilidade de aumento de problemas de saúde mental entre trabalhadores. Será o efeito da perda do contato com amigos e colegas que poderiam ajudar em seus projetos, interação e networking. Muitos trabalhadores têm extrema dificuldade para se concentrar e manter o foco em suas tarefas.
Áreas que demandam atendimento ao público
Profissões nas áreas de saúde, como exames médicos, odontologia e psicologia, entre outras, vão continuar a demandar espaços em prédios comerciais. Também as atividades que envolvem grandes fluxos de clientes, como assistência jurídica para população de baixa renda em áreas trabalhistas e previdenciárias.
Perfil das empresas
A demanda por espaços em salas permanece por conta da diversidade de modelos de negócios. O mercado continuará habitado por pequenas empresas e profissionais liberais que não abrem mão do controle “visual” de suas forças de trabalho.
O que você acha?
O segmento de salas comerciais tem futuro? Ou a crise terá continuidade? Qual a sua opinião?
Em resumo