Carlos Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
“Todo mundo tem um conhecido que gostaria de largar tudo e ir morar em uma praia, para sobreviver com a venda de coco.” O desejo de “chutar o balde”, sintetizado pela diretora de pessoas da ThoughtWorks, Grazi Mendes, aponta para algo aparentemente óbvio, mas de extrema profundidade, que passa batido nas discussões do cotidiano. Em resumo, há algo muito errado na relação entre trabalhadores, em todos os níveis, e as atividades que desempenham durante um terço de seus dias.
Defensora de uma discussão sobre a relação que mais separa do que une as pessoas e suas atividades profissionais, Grazi Mendes, foi uma das convidadas da terceira edição do Talks Unimed-BH sobre o futuro do trabalho, evento promovido pela unidade de inovação da cooperativa de saúde em Belo Horizonte, na tarde da quarta-feira, dia 5. As apresentações e conversas de oito especialistas revelaram que o tema não se refere exclusivamente a uma questão de sobrevivência de empregos ou de quais profissões vão se manter, ser extintas ou surgir no cenário nos próximos anos. É o conceito do trabalho que está em jogo, aproveitando direta ou indiretamente o momento favorável da transição entre os modelos industrial e digital.
A revisão de significados mobiliza representantes dos setores de serviços e de comércio. As novas lideranças desejam promover abordagens diferenciadas da relação do ser humano com o cotidiano da produção. O que pode resultar, por exemplo, na criação de um departamento da Felicidade, efetivado pela rede de comércio de roupas Reserva. No domingo do dia das mães, a empresa dispensou os seus funcionários para ficar em casa. A mesmo onda leva empresas a substituírem os departamentos de recursos humanos por departamentos de pessoas. “Os trabalhadores não devem ser definidos como recursos”, defende a diretora do ToughtWorks.
Transição
Para Grazi Mendes, a constatação de que 76% das pessoas vivem insatisfeitas com o que fazem de segunda a sexta, no horário comercial convencional, não deixa dúvidas de que há um problema, banalizado pela sociedade, que custa a se discutir ou a perceber o processo que leva as pessoas ao adoecimento coletivo. “Tem alguma coisa sendo feita que está muito errada”, assinala a especialista, que foge à regra da maioria insatisfeita. Como profissional engajada na defesa da diversidade, ela encontrou lugar em uma empresa premiada pela valorização de seus trabalhadores. E sonha em construir um futuro desejado.
Na análise do ambiente adoecido, há a hipótese de que, mesmo que o discurso pareça moderno nos modelos recentes dos consultores empresariais, o sistema não conseguiu se desprender do “taylorismo”, a onda da administração científica, do início do século passado, que submeteu o mundo ao raciocínio do controle dos tempos e movimentos. Não romper com a mentalidade cartesiana significa, como atesta Grazi Mendes, que a inteligência artificial pode ser colocada na função de seleção de funcionários, por acreditar que ela seja, de fato inteligente.
A sociedade pode perceber que os preconceitos contra mulheres e negros são confirmados pelos dados utilizados pelos programadores das tecnologias. Como ocorreu com a Amazon recentemente. Como axioma, vale dizer que algorítimos criados por uma sociedade formada por pessoas preconceituosas vão gerar sistemas preconceituosos. Um risco, por sinal, que vem preocupando pensadores e futuristas atentos às possibilidades de desenvolvimento sem limites éticos da inteligência artificial.
Humanização
A indústria dá o lugar para a tecnologia, mesmo que ainda insistam em chamar de quarta revolução industrial a onda de mudanças que coloca o setor de serviços no centro do sistema econômico. A inovação tem a força que muda o mundo, inclusive o trabalho e suas relações. E devem ser as competências humanas que vão fazer diferença, como atestam os participantes do evento da Unimed BH. A médica, inovadora, empreendedora e professora Andressa Gulin acredita que os profissionais da saúea terão de fazer o esforço de resgate das habilidades como a capacidade de ter empatia com quem frequenta consultórios, hospitais e centros de cirurgia.
“Somos prestadores de serviços para os pacientes”, diz a médica, especializada em oncologia e com trajetória pela escola de futurismo Singularity, nos Estados Unidos. Ela reitera a avaliação de que os maiores riscos no futuro das profissões não se referem necessariamente às tecnologias. Inovações são ferramentas, apenas, que precisam ser integradas às competências tradicionais. ““Os robôs nunca vão tomar o lugar do médico, o grande problema é que temos formado médicos mais frios que os próprios robôs”, diz a especialista.
Júnia Rodrigues superintendente de pessoas da Unimed BH, participante do bloco que discutiu desafios e tendências para interculturalidades, reconhece a necessidade dos avanços e transformações que levem em conta quebra de modelos mentais. Trabalhando com canais de colaboradores, ela tem a meta de aproximar com lideranças para priorizar ações de valorização das relações. Afinal, revisões dos significados do trabalho passam, necessariamente, pela mudança da cultura. O que passa, no caso das empresas, pela adoção de estratégias que não sejam focadas apenas no interesse em obter ganhos com uma onda. Sem perceber, inclusive, que na verdade há um tsunami por trás.
Coerência é algo a ser levado a sério. Natália Alves, coordenadora de talentos da Hotmart, empresa focada em viabilização de cursos online, assegura que os donos da empresa onde ela atua fazem o que dizem. Propósitos, cultura, reconhecimento e avaliações são parte dos quesitos, como dados necessários para entender qual o papel que o trabalho vai desempenhar no futuro. Segundo ela, “há desejo de entender como as empresas líderes estão agindo. O desafio é levar pessoas a encaminhar seus anseios de felicidade.”
Em resumo