O cenário é repleto de desafios no futuro do RH. Os profissionais vão lidar com um sistema de produção em mudanças aceleradas nas relações de trabalho e de produção
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
O departamento de Recursos Humanos vive o instante na história do sistema de produção em que o profissional da área, no papel de personagem principal, nem bem respira por cumprir uma tarefa, recebe um outro chamado urgente. Não bastasse a transição da revolução digital que já vinha ocorrendo antes, a sucessão de eventos desde a pandemia do coronavírus, iniciada em 2020, obriga os especialistas do RH a buscar alternativas estratégicas para a gestão de equipes e de redes de trabalhadores, em um clima de insegurança. Para onde vamos é uma pergunta comum, enquanto os cenários global e nacional parecem caminhar para a normalidade, sem certezas absolutas. E respostas são necessárias sobre como a vida corporativa será no futuro.
Transitando rumo aos novos conceitos de gestão, habilitados pelos tempos pandêmicos, nosso personagem do RH tende a ganhar a denominação de gestor de gente. Há uma nova missão a caminho. Ele terá de superar outras batalhas, além das dúvidas sobre a forma de retorno ao ambiente dos escritórios. O mercado de trabalho é pressionado pelos impactos exponenciais da terceira revolução industrial. Cada funcionário tem em seu bolso um computador, capaz de eliminar a necessidade de deslocamentos e de criar novas rotinas. E existem as mudanças das relações de trabalho, além da inserção na economia digital.
Especialistas do que será chamado de “antigos recursos humanos” devem entender que retornos não se referem apenas a espaços físicos. A pandemia antecipou um processo que se realizaria durante anos. A transição era esperada para a década. Lenta, tranquila, a introdução do trabalho remoto nas áreas administrativas e de produção das companhias foi antecipada. O sistema de home office foi introduzido à força, sem preparação adequado para a maioria de organizações e seus funcionários, sem tempo para questionamentos. Também toda as formas de comunicação migraram e foram amplamente usadas. E aprovados.
Representantes dos lados complementares, do RH e de empresas, Érica Castelo, headhunter internacional, e Flávio Valiati, líder da area de Educação no Zoom no Brasil, reconhecem as crenças predominantes, com unanimidade, que o mercado de trabalho, as relações sociais e o mundo mudam de forma acelerada no ambiente pandêmico. Exponencialmente. No outro lado das relações de trabalho e humanas, os críticos temem pelo futuro, diante das reais intenções das mudanças adotadas na legislação, como a precarização que vai possibilitar a empresas a contratação jovens sem garantias de direito. Ou a eliminação de investimentos em áreas modernas da economia.
Na linha do tempo dos últimos 40 anos, a introdução dos computadores e da internet representou o desafio de adaptação a novos modelos de trabalho e de profissionalização do ambiente de produção. Um balanço isento dirá que foi um processo lento de mudança, da máquina de escrever, das anotações em papel e do telefone fixo, controlado pela empresa, até o smartphone e o acesso generalizado à internet. Agora, a jornada do personagem do RH continua com a quarta revolução industrial, força-motriz do cenário de transformações futuras em todo o sistema econômico global.
Mudanças definitivas
RH: FORÇAS DO FUTURO |
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Aceleração tecnológica |
Intermediação tecnológica |
Reforma trabalhista |
Redução de vínculos |
Novos modelos de negócios |
Novos modelos de produção |
Mercados globais |
O RH, no novo papel de gestor de pessoas, não terá, tão cedo, tempo para descansar no processo de adaptação a modelos de negócios desconhecidos em relação aos vivenciados por todas as gerações de trabalhadores em momentos anteriores da história dos sistemas de produção. No dia a dia, não haverá muito tempo para teorizações. Inclusive porque o tempo é de “processos ágeis”, metodologia que sugere a urgência das decisões no ambiente digital.
“As relações trabalhistas estão mudando e vão mudar ainda mais no futuro”, confirma Érica Castelo, profissional credenciada pela vasta experiência em mercados globais. No cenário do futuro imaginado, o convívio entre trabalhadores e o mercado estará atrelado ao conceito de economia sob demanda. Pessoas são contratadas pelas empresas não para ficar anos, mas por projetos. Para desenvolver algo específico. Isso traz, obviamente, um desafio para a comunidade de RH que precisa fazer funcionar esse novo estilo de trabalho. O desafio inclui a necessidade de respeitar pessoas que não são funcionárias, mas prestadores de serviços temporários, espalhados em diferentes países e leis trabalhistas.
Érica Castelo avalia que a coordenação é muito nova e os líderes da gestão de profissionais estão aprendendo muito a navegar neste mundo. Para ela, o ambiente é de oportunidades no ambiente produtivo. A expectativa é de que as empresas tendam a executar projetos de uma maneira mais rápida e menos custosa, pois contratam pessoas que trabalham por períodos específicos e que podem rapidamente fazer esse trabalho funcionar. Não há a necessidade de ter que contratá-las por um escritório, com uma folha de pagamento enorme. “A facilidade que isso traz para inovar e para que a empresa consiga colocar projetos em pleno funcionamento é fantástica”, assinala.
“Com toda certeza a gente vai precisar de gestão e mudança como um todo”, reforça Flávio Valiati. Há, de fato, desafios a superar no ambiente empresarial. Assim, não adianta falar de ambientes híbridos se não oferta de uma infraestrutura e uma cultura híbrida. “Vamos precisar mudar muitas das visões e crenças da relação entre trabalho e colaboradores”, defende o executivo. “Um dos caminhos para essa mudança acontecer é, principalmente, pelas métricas e KPIs específicos de gestão de times a distância ou híbridos. Trazendo cada vez mais a humanização as lideranças e como a gente gerência mensura e dá feedback para os nosso clientes internos, que são os colaboradores.”
Contrastes
Nem tudo será cor de rosa na coordenação de funcionários, ou colaboradores, se a preferência for por esse ou outra denominação. Um exemplo envolve a constatação de aumento da depressão entre as gerações de novos trabalhadores. Ausência de vínculos também significa insegurança e leva à insatisfação com a vida. Não é à toa que a Organização Mundial de Saúde diz que este será o século da depressão.
Segundo um estudo do Journal of Community Health. Desde 2013, a geração do milênio observou um aumento de 47% nos diagnósticos de depressão. A taxa geral aumentou de 3% para 4,4% entre até 34 anos. Os dados são ainda piores para a população negra. De 2001 a 2017, as taxas de mortalidade por suicídio para meninos negros de 13 a 19 anos aumentaram 60%; para as meninas negras, é 182%.
Ricardo Antunes, um dos principais sociólogos do trabalho do Brasil, enxerga as mudanças no ambiente de trabalho com pessimismo. Ele denuncia a criação do “novo proletariado de serviços”, alavancado com o crescimento do trabalho digital, on-line e intermitente dos últimos anos. A introdução de novos fatores na equação deve provocar cortes profundos nas vagas, em especial das funções menos qualificadas, mas sem poupar atividades de alta formação. Com oferta abudante de mão de obra, inclusive de jovens mais qualificados, mas com poucas oportunidades, o processo de contratações precárias e de terceirização de equipes será crescente, assim como a redução do custo do trabalhador.
A combinação de três forças – tecnologias amadurecidas, novos modelos de negócios e mudanças de legislações — vai impactar profundamente o comportamento dos empregos e os conceitos e práticas dos recursos humanos. A influência das variáveis levará ao rompimento com o paradigma tradicional e linear, pregado pelos mais otimistas, de que a inovação tem o poder de criar empregos suficientes para compensar os eliminados. Os sinais reais são em sentido contrário.
A economia mundial sentirá de forma diferente os efeitos da quarta revolução industrial, que promete ser rápida, abrangente e impactante. A entidade das lideranças empresariais, políticas e sociais de todo o planeta reconhece, em documentos que avaliam as tendências globais, a sua preocupação com o futuro do trabalho. E aberto espaço para discussões sobre as distorções decorrentes do impacto das tecnologias e das novas demandas sociais.
Do ponto de vista do trabalhador, no caso brasileiro, em especial, ao contrário de outras regiões do planeta, há uma ilusória perspectiva favorável sobre o ritmo da adoção de novos padrões de funcionamento do sistema produtivo: a atualização tecnológica deve ser realizada de forma mais lenta. Ou seja, a revolução industrial ocorrerá com menor vigor. Mas não deixará de acontecer. Para comprovar a tese, é importante levar em conta que, no país são instalados, em média, 1,5 mil robôs por ano. Apesar de ser um sinalizador positivo de modernização da economia, é um volume muito baixo em relação aos países mais desenvolvidos.
Conversas: o futuro do RH
Érica Castelo – Headhunter Internacional
Nos próximos anos, os funcionários voltam para os escritórios, ficam em casa ou ambos? Qual tende a ser a possibilidade maior?
O futuro é híbrido. Os funcionários vão passar parte do tempo no escritório e a outra nas suas casas ou onde quer que eles estejam, que reconhecemos como work for anywhere, mas, eu acredito que não existe, hoje, uma receita de sucesso que diz: vá para um lado 100% ou para outro. Existe esse meio do caminho e as empresas, cada vez mais, terão que se abrir para acomodar esses novos formatos. Porque isso é uma vontade dos funcionários, um movimento global e as pessoas descobriram que elas conseguem trabalhar e, às vezes, serem até mais produtivas em um outro modo de funcionamento – sem ser o tradicional das 09 às 17h, dentro de um escritório, com controle sobre seus horários.
Dependendo da opção, que novas estratégias serão adotadas para que novos modelos sejam adotados?
Esse formato também coloca vários desafios para ambas as partes. Para os colaboradores, temos o lado positivo de poder conviver mais com a família e não ter que enfrentar o trânsito diariamente, porém, eles precisam de um cuidado maior em termos de organização, autodisciplina e outros pontos importantes que contribuem para manter ou aumentar a sua produtividade. As empresas, por sua vez, precisam acomodar os funcionários espalhados e isso exige adoção de tecnologias que facilitem o trabalho remoto e a introdução de ferramentas que melhorem os processos. Já que as pessoas podem estar em horários diferentes, trabalhando separadas, o que gera desafios em relação ao trabalho colaborativo.
Sendo assim, acredito que o trabalho se torna híbrido e as empresas vão precisar se abrir para acomodar um novo tipo de trabalho e escutar seus funcionários. Assim como as pessoas devem se desafiar a encontrar sua produtividade e colaboração, mesmo que a distância. Isso coloca muitos pontos positivos para as companhias também, pois elas podem contratar pessoas de qualquer parte. O futuro possui muito mais oportunidades do que desafios para ambos os lados.
As áreas de recursos humanos terão de passar por alguma mudança para gerenciar novos conceitos? Como será o futuro do RH nesse novo cenário?
Sim, sem dúvida teremos mudanças e desafios a serem superados pelos RHs. Para as empresas gerenciarem mão de obra que precisa de colaboração e está espalhada em outras cidades e em outros países, que possuem culturas e horários diferentes surgiram adversidades para implementação da cultura organizacional. Como que a companhia vai manter o engajamento dos funcionários sendo que eles estão distantes? Existem uma série de estratégias para serem implementadas e os RHs estão descobrindo maneiras de fazer isso.
Muitas empresas, principalmente as digitais, estão saindo na frente porque já vem de uma cultura remota e se tornam espelho para as tradicionais. Claro que todas essas mudanças são possíveis de acontecer, mas elas exigem muito mais dos Recursos Humanos. Porque eles vão precisar ter atenção nesses pontos de colaboração, engajamento e de fortalecimento da cultura organizacional para que realmente o trabalho híbrido traga muito mais vantagens do que problemas ou desafios.
Esse mundo mais remoto, mais dinâmico e mais ágil, coloca os holofotes, ainda mais, em cima dos RHs, pois eles passam a ter um papel muito mais protagonista e muito mais importante. Porque ele deixa de ser aquele setor mais operacional, que cuidava da folha de pagamentos, do cálculo de benefícios, e passa a ser o RH da estratégia. Aquele que senta junto com o CEO e os demais diretores para ajudar a definir os próximos passos da organização e trabalha no fortalecimento da cultura, da comunicação interpessoal, dos objetivos para as pessoas, assegura o engajamento dos times que estão trabalhando a distância e traz inovação.
O trabalho remoto pode ser uma grande oportunidade de trazer os melhores talentos para as empresas onde eles estejam. Cabe ao RH ligar esse radar de talentos e atrair as pessoas para trabalhar juntas em prol do objetivo da empresa. Isso coloca, com certeza, o RH em uma posição muito mais interessante do que ele tinha há alguns anos.
Flávio Valiati
Líder da area de Educação no Zoom no Brasil
Os funcionários voltam para os escritórios, ficam em casa ou ambos? Qual tende a ser a possibilidade maior?
Temos três opções: podemos forçar todo mundo a voltar para o escritório; mantemos todos em casa; ou a gente volta para um cenário híbrido, trazendo o melhor de cada um dos dois mundos, o presencial e o home office, para entrarmos no híbrido. Tudo dependendo das expectativas e necessidades dos seus colaboradores. Alguns estudos da Zoom focados no Brasil, mostram que mais de 50% das instituições e empresas listadas na pesquisa acreditam na força de trabalho híbrida daqui para frente.
Dependendo da opção, que novas estratégias serão adotadas para que novos modelos sejam adotados?
Quando a gente fala de ambiente híbrido, não é só falar que seremos híbridos. A gente tem que dar infraestrutura e desenvolver uma cultura para que o “hibridismo” realmente alcance o pleno potencial, trazendo o melhor de cada um dos times e dos colaboradores.
De acordo com pesquisas, eu entendo que o futuro é da autonomia e da flexibilização. O colaborador vai poder escolher quantos dias da semana ele estará no escritório e quantos em casa, de acordo com as necessidades de entrega e expectativas da companhia.
A gente percebeu que consegue ser mais produtivo nesse formato. Tem até uma matéria do Gardner, que mostra um aumento de 19 pontos percentuais na força de trabalho considerada top performer, ou seja, dar a flexibilidade e empoderar o colaborador para que ele escolha.
Como as mudanças das relações de trabalho, com a terceirização e contratos por projetos, devem evoluir nos próximos anos.
À medida que a gente tem cada vez mais tecnologia e mais previsibilidade de gestão de times a distância, conseguimos também embarcar nisso para terceirização de projetos específicos por equipes. Sejam freelas ou terceiros contratados para demandas específicas. E isso tende a tornar o processo mais fluido também.
Só que aí vamos precisar revisitar algumas questões políticas. Que tipo de acessos essas pessoas vão ter à tecnologia? Que tipo de acesso às informações internas elas vão ter? Tudo isso vai passar por uma tecnologia que gerencie e dê permissão para que as pessoas acessem as informações da companhia. Eu vejo esse tema como algo delicado. Precisamos passar por uma estruturação cada vez mais sólida para as relações de trabalho empresa x colaboradores. À medida que a gente tenha tecnologia para isso e uma cultura mais estruturada para isso acontecer, conseguimos replicar esse método para nossos fornecedores. Mas sempre com ressalvas de que tipo de informações e tecnologias essas pessoas terceiras e externas terão.
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