Carlos Teixeira
Jornalista I Futurista
Otimista, no início do ano, com as possibilidades de crescimento da economia brasileira com 2020, o mercado de robótica encara os desafios de mais um ano difícil para as suas vendas de equipamentos para as fábricas brasileiras. Fornecedores reconhecem, no cenário atual, a reversão das expectativas. Industriais entraram o ano de 2020 otimistas. A Confederação Nacional das Indústrias divulgava, no final do ano, uma expectativa de crescimento de 2,5% do produto interno bruto brasileiro. Segundo a entidade, o segmento poderia ter uma expansão de 2,8%, o melhor resultado desde 2011. No mundo desejado, as condições financeiras das empresas estavam em condições favoráveis, com taxas de juros mais baixas e menor endividamento. E a ociosidade dava os primeiros sinais de queda, num ambiente de aumento de consumo.
Só que veio a Covid-19. E as projeções de queda do pib setorial já batem em 4%. Segundo a Pesquisa Industrial Mensal da Produção Física, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abril foi o pior mês da manufatura desde 2002, com uma queda de 19% em relação a março. Que já tinha sido um mês ruim.
Se há consolo em toda tragédia, a pandemia criou para fornecedores de robôs industriais, pelo menos em tese, uma oportunidade nova, diante da necessidade de manter funcionários operacionais mais distantes um dos outros no ambiente das fabrica. A utilização de braços robóticos no auxílio aos processos de empacotamento, organização e manejo de caixas ou aplicação de soldas, por exemplo, pode parecer a solução. Especialmente com a utilização dos braços robóticos, que têm prazo de compra e instalação mais rápida do que outros equipamentos semelhantes.
Mas os empresários estarão convivendo com novos dilemas da sobrevivência de seus negócios. Para Denis Pineda, gerente geral da Universal Robots na América Latina, os gestores industriais convivem agora com a dúvida entre investir em capacidade tecnológica para manter as operações produtivas, supondo que o ambiente econômico possa melhorar, ou manter recursos em caixa, para o caso do prolongamento da retração da economia. Ele aponta o uso dos equipamentos da empresa dinamarquesa, líder na produção de braços robóticos colaborativos, como um dos caminhos para ajudar os mercados a crescer.
“Eles podem agilizar a produção e reduzir custos, além de permitir a possibilidade de homens e máquinas trabalharem lado a lado na linha de produção, com muita segurança, o que também contribui para a manutenção do distanciamento social. Com essas máquinas, é possível dividir melhor a quantidade de funcionários em cada turno e, ainda assim, manter a produtividade intacta”, assinala o executivo.
Contexto
Um olhar otimista sobre o mercado brasileiro para robôs apontaria que há boas perspectivas no país. Agora mesmo, como avalia Denis Pineda, a necessidade de distância parece ser uma oportunidade. Segundo estimativas de estudiosos sobre o setor industrial, há um potencial para 200 mil robôs em operação. Mas a realidade é que existem apenas cerca de 15 mil instalados. A defasagem não é vista, na prática, como oportunidade, como deveria. Mas apenas como sinal de atraso. Mesmo com segmentos bem atualizados no discurso sobre Indústria 4.0, o Brasil segue bastante atrás na corrida pela robotização industrial na comparação com países como Alemanha e China e, mesmo, na comparação com países no mesmo estágio de desenvolvimento.
Segundo a Federação Internacional de Robótica (IFR), o Brasil anda à distância do pelotão dos cinco países com os maiores estoques de robôs (China, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Alemanha) e foi ultrapassado até por economias similares, como o México, que tomou a liderança na América Latina, com suas mais de 27 mil máquinas, cerca 64,3% dos robôs da região, ante os 29,5% do mercado brasileiro. Enquanto o país tem 10 robôs para cada 10 mil trabalhadores, os líderes da corrida têm entre 350 e 450 equipamentos pelos mesmos 10 mil trabalhadores.
O atraso na implantação de projetos de inovação está relacionado diretamente com a crise que o setor industrial vive desde as décadas de 1980 e 1990, no processo denominado de “desindustrialização precoce”. Na realidade, a queda da participação do segmento no produto interno bruto dos países atinge os países desenvolvidos mas, no caso brasileiro, o setor não cumpriu o ciclo de amadurecimento e crescimento antes de iniciar a tendência de perda de espaço no sistema produtivo. Em entrevista para o site Rede Brasil Atual, o economista Marco Antônio Rocha avalia que “a situação da indústria brasileira nunca foi tão grave.”
Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Rocha assinala que a “crise crônica” se relaciona com a incapacidade do país de “assimilar o paradigma da microeletrônica e os efeitos decorrentes disso em termos de assimilação e difusão das novas tecnologias, além da incapacidade do Estado brasileiro em reorganizar um projeto industrialista para além do modelo esgotado na década de 1970”. O quadro é agravado pelos “poucos mecanismos de proteção à indústria nacional reativados nos anos 2000 foram praticamente desmontados ou demonizados a partir do governo de Michel Temer e, depois, na recém-iniciada era Bolsonaro”.
A constatação é de que o Brasil está cada vez mais distante da conjuntura internacional, aponta o economista da Unicamp. “Hoje, é ponto pacífico que as economias desenvolvidas estão retomando as políticas industriais de grande porte. Enquanto isso, desmontamos nossos mecanismos de fomento”, avalia. Para Marco Antônio Rocha, a perspectiva de reversão do quadro é muito difícil, mesmo se houver uma mudança significativa da conjuntura econômica internacional, cenário que, segundo ele, não parece muito provável.
Cenário
Fornecedores de tecnologias em geral e de equipamentos robóticos terão de manter, nos próximos anos, a capacidade de monitoramento de segmentos de mercado para garantir vendas de crescimento lento. Inteligência de mercado será essencial. Agora mesmo, com a pandemia, foi possível identificar algumas oportunidades de negócios em áreas específicas, como os da indústria farmacêutica, de alimentos, de higiene e limpeza e de transportes. São as áreas abastecimento de produtos essenciais que, no primeiro momento, continuarão assegurando demanda pela inovação nos sistemas fabris.
Mesmo que o governo anuncie em um momento ou outro algum apoio a programas de inovação ou desenvolvimento de projetos de indústria 4.0, o fato é que as perspectivas de uma recuperação da economia a curto praza parecem afastadas. Defendida por vários economistas, até mesmo liberais, a adoção de uma política de investimentos públicos com algum estilo keynesiano não tende a ser viabilizada. No cenário mais provável, entretanto, a política econômica do governo Bolsonaro, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, se mantém com foco em austeridade. Quadro que tende a ser agravado nos próximos anos diante das despesas extras determinadas pela pandemia.
Após a inevitável retração da economia em 2020, as perspectivas para 2021 serão de um recuperação, mas insuficiente para reverter perdas acumuladas. Haverá um processo de rearranjo, que leve em conta inclusive o ambiente internacional. O cenário vai ter, como consequência dos estragos promovidos pela pandemia, elevado desemprego e desigualdade social, grande número elevado de empresas quebradas em todos os segmentos. Consequentemente, o consumo em baixa.
Para a indústria de robótica, especialmente para os segmentos de equipamentos como os braços de robóticos, de menor custo, pode ocorrer a adoção de novos modelos de negócios na tentativa de recuperação das indústrias. Diante das incertezas de ocorrência de novas demandas de isolamento por conta de epidemias e pandemias, é razoável supor que os investimentos em máquinas sejam realizados como prioridade pelas indústrias. Inclusive para garantir o distanciamento social, já que as normas sanitárias tendem a ser mais rigorosas, pelo menos no curto prazo.
Mercado global
Para quem deseja entender futuro da indústria e as soluções que podem ser desenvolvidas em cenários de crise, a Universal Robots pode ter um bom exemplo de estratégias. A empresa se preparou para os efeitos da pandemia e, quando o isolamento foi iniciado, ela estava preparada para se adaptar rapidamente. Os funcionários não envolvidos em atividades da produção física de robôs passaram a trabalhar em casa. Tanto na sede na Dinamarca quanto nos 27 escritórios em todo o mundo.
O que certamente é mais indicativo de tendências é o fato de que engenheiros de P&D conseguiram montar laboratórios em suas próprias garagens. Em depoimento para o site Robotics Tomorrow, o vice-presidente de operações e cadeia de suprimentos da Universal Robots, Martin Kjærbo, relata que foram enviados robôs para casa dos profissionais. “E é uma configuração que realmente funcionou surpreendentemente bem, especialmente porque eles também podem usar e colaborar através de algumas das ferramentas de software de simulação disponíveis. Foi uma ótima experiência ver com que rapidez os funcionários se ajustaram”, afirma.
Nas linhas de produção na Dinamarca, onde toda a fabricação de robôs é realizada, foram adotadas mudanças de operação de um para dois turnos para espalhar fisicamente da força de trabalho. Os regulamentos de distância de dois metros recomendados entre as pessoas foram adotados e adicionadas estações de limpeza e higiene para as mãos basicamente em todos os cantos. Todos os funcionários também usam luvas nas linhas de produção. O executivo assinala que “usar máscaras faciais não faz parte das recomendações oficiais da Dinamarca neste momento, mas, se isso for necessário, temos máscaras prontas para serem dispensadas.”
A Associação das Indústrias de Robótica projeta um crescimento do mercado de cobots industriais, que representará 34% de todas as vendas de robôs de manufatura até 2025. Será, segundo a entidade, uma mudança significativa, pois os cobots representam apenas uma porcentagem muito pequena do mercado atual, que é dominado por robôs projetados para uma tarefa específica a ser realizada isoladamente dos seres humanos.
Embora esse movimento em direção a robôs e humanos trabalhando lado a lado pareça solidificar ainda mais a necessidade de trabalhos de fabricação, ele pressiona as organizações a encontrar e/ou treinar funcionários para poderem operar equipamentos cada vez mais complexos. Para enfrentar esse desafio, é provável que o setor avance para uma maior dependência de uma interface de voz de inteligência artificial. Duas forças principais movem a tecnologia nesse sentido.
Primeiro, a conveniência. Mais de 8 bilhões de assistentes de voz digital devem estar em uso até 2023, de acordo com a Juniper Research, acima dos 2,5 bilhões que foram usados no final de 2018. A presença crescente de IA alimentou tudo em nossas vidas pessoais está criando rapidamente uma enorme população de pessoas que não apenas se sentem confortáveis ao usar a voz para operar a tecnologia, mas a preferem. Além de fornecer uma interface mais simples, sua conveniência é capaz de melhorar a segurança do trabalhador. Algumas fábricas já estão usando a interface de voz, como na reparação de equipamentos, para que os funcionários possam deixar suas luvas de segurança e fazer anotações de reparo por som ao trabalhar para consertar uma peça danificada do equipamento. Os funcionários da fábrica poderão manter as duas mãos em suas tarefas, enquanto dirigem os auxiliares dos robôs com sua voz ou recebem feedback ao vivo sobre o que seus robôs estão vendo ou fazendo.
Entrevista: Denis Pineda
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