Radar do Futuro
A dependência de pessoas de meia idade em relação aos idosos aposentados e pensionistas tende a crescer nos próximos anos, acirrando uma crise que atinge também outros segmentos sociais. No cenário em que a inadimplência de idosos foi a que mais cresceu em dois anos, os mais pobres já dependem mais de quem recebe recursos do INSS. Eles tenderão a sofrer mais o impacto da ausência de crescimento da economia e de cortes das políticas públicas.
Também a classe média sofre com as dificuldades crescentes. Serão cada vez mais frequentes casos como o de Carmen Victolo, retratada por uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Aos 58 anos, desempregada desde 2014, ela mora com os pais de mais de 90 anos e depende da aposentadoria deles para bancar despesas básicas. Dois cursos superiores e pós-graduação não foram suficientes para levá-la de volta ao mercado e restituir o salário que ganhava como coordenadora de marketing. Buscando amenizar a situação, ela ela se identifica como “teúda e manteúda dos meus pais”.
Pelo menos 10,8 milhões de brasileiros dependem da renda de idosos aposentados para viver. Só no último ano, o número de residências em que mais de 75% da renda vem de aposentadorias cresceu 12%, de 5,1 milhões para 5,7 milhões. O estudo feito pela LCA Consultores, considera domicílios onde moram ao menos uma pessoa que não é pensionista ou aposentada, e que abrigam um total de 16,9 milhões de pessoas, incluindo os próprios aposentados.
Dependência de idosos
Essa dependência sempre foi mais forte no Nordeste. O desemprego, no entanto, está levando mais lares, em outras regiões do País, à mesma situação. No Nordeste, a fatia da Previdência na renda das famílias passou de 19,9% em 2014 para 23,2% em 2017. No País, foi de 16,3% para 18,5%, aponta a consultoria Tendências.
“À medida que o mercado de trabalho demora para se recuperar, as aposentadorias acabam ganhando espaço no orçamento familiar”, diz Cosmo Donato, economista da LCA e responsável pelo estudo. Na avaliação do economista Cosmo Donato, da LCA, o número de lares cuja renda é superdependente de aposentadorias e pensões deve continuar crescendo enquanto o desemprego se mantiver em níveis elevados e as vagas de trabalho abertas forem informais.
A superdependência de pensões e aposentadorias cresce mais entre os mais pobres. De 2016 para 2017, o número de domicílios em que esses benefícios respondem por mais de 75% da renda avançou 22%, para quase 942 mil residências, entre as famílias da classe E, que ganham até R$ 625 por mês. Considerando todas as classes, a alta foi de 12%.
Esse aumento é maior para os mais pobres porque nesse grupo o desemprego e a informalidade também são maiores. E, normalmente, a renda com atividades informais é inferior a um salário mínimo, que é o parâmetro das aposentadorias e pensões.
Nos domicílios em que mais de 75% da renda vem da aposentadoria, o número de desempregados é quase o dobro da média do País. O metalúrgico aposentado Antonio Alves de Souza, de 72 anos, sustenta, com uma renda de R$ 3 mil, três filhos desempregados de 26, 32 e 36 anos. Eles não moram juntos, mas fazem todas as refeições e tomam banho na casa de Souza. Quando falta dinheiro para pagar as contas, também é ao pai que os três recorrem. “Se a renda fosse só para mim e para minha mulher dava para quebrar o galho, mas não tem jeito, tenho de ajudar porque eles não conseguem emprego.”
Arrimos de família
Esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Na Espanha, no período mais agudo da recessão recente, economistas chegaram a chamar os idosos espanhóis de heróis silenciosos da crise, por bancarem financeiramente filhos e netos desempregados e evitarem, em certa medida, um colapso social. Familiares chegaram a tirar aposentados de asilos para garantir uma renda.
“No Brasil, os avós estão virando arrimo de família”, diz o médico Alexandre Kalache, especialista em longevidade. “Eles estão absorvendo o impacto do desemprego e da instabilidade econômica.” A consequência, segundo Kalache, é perversa. “A geração que hoje depende dos pais pode ter dificuldade para se aposentar. Em breve, serão eles os idosos. E sem renda.”
A maior dependência do orçamento familiar das aposentadorias e pensões é confirmada pela pesquisa da consultoria Kantar Worldpanel, que visita 11,3 mil domicílios para saber de onde vem a renda que o brasileiro gasta com despesas básicas. Em 2014, as aposentadorias e pensões respondiam 17,8% da renda familiar e o salário por 62,8%.
No ano passado, a parcela das aposentadorias e pensões tinha subido para 21,1% enquanto a da renda de salário, recuado para 57%. “A fatia do salário na renda diminuiu ao longo da crise por causa do desemprego”, diz Maria Andréa Ferreira Murat, diretora da consultoria.
Redução da renda
Nas casas em que há superdependência da renda dos aposentados, a taxa de desemprego é quatro vezes maior que a média nacional, segundo dados da LCA Consultores com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de omicílios) Contínua, do IBGE.
Em 2017, a taxa de desemprego dessa população estava em 52,3%, ante 12,6%, que é a média do país. Também o número de desempregados que vivem nessas residências é quase o dobro da média nacional. Pais e avós acolhem filhos e netos desempregados. “Se o filho ou o neto perde o emprego, o idoso se sente na obrigação de abrir os braços e acolher”, diz o médico e especialista em longevidade, Alexandre Kalache. “Quando ele pensa que vai aproveitar a vida, o ninho volta a ficar cheio de novo.”
Em resumo