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ESG: o que a sigla diz sobre responsabilidade e as empresas do futuro?

ESG é business. Sem levar em conta o cenário de crise do sistema, o perfil das empresas do futuro será o mesmo do passado

Chefe da OCDE acredita que será necessária a adoção de algo como o Plano Marshall, iniciativa que ajudou a bancar a reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Foto: Pixabay
ESG é business – Foto: Pixabay

CARLOS PLÁCIDO TEIXEIRA
Jornalista Responsável | Radar do Futuro

A morte do ambientalista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, duas personalidades importantes na luta contra a destruição da Amazônia, não interessa às grandes corporações engajadas em projetos de responsabilidade ambiental, social e empresarial, combinados na sigla ESG. Os “evangelizadores” dos princípios éticos dos sistemas de produção globais do século 21 nem parecem entender a importância dos eventos recentes na região Norte do Brasil, onde direitos humanitários e a qualidade de vida no futuro estão sob ataque, em processo de destruição pelo crime organizado.

Uma grande articulação global, formada por banqueiros, investidores, empresários, consultores e futuristas, entre outros interessados, com o apoio da imprensa econômica, aposta na sigla como a síntese dos compromissos capazes de definir o perfil das empresas no futuro. Corporações mais éticas e mais comprometidas em construir um mundo melhor. Porém, na prática, “a comunidade ESG” e suas instituições não se envolvem em temas globais, que tendem a gerar mais desigualdades e miséria para a maioria dos habitantes do planeta.

O noticiário da imprensa, acessível nas redes sociais e nos sistemas de busca, dá a entender que há um mundo paralelo de boas intenções, enquanto desconhece os grandes temas globais. Inclusive a responsabilidade de indústrias de armas, de mineração e petrolífera nas guerras contemporâneas. Pesquise por “ESG e Amazônia” e descubra um cenário de ações positivas isoladas, onde os problemas estão sendo combatidos com práticas de preservação ambiental e apoio às comunidades, sem levar em conta o contexto geral onde as coisas acontecem.

Parece mais um reino de fantasias, com a mesma visão individualista que leva os consumidores a acreditar que economias com o uso da água no banho serão capazes de controlar a crise climática. Desconhecendo o peso da agropecuária industrial, a verdadeira responsável pelos desperdícios.

Descontextualização

O noticiário dos principais veículos de mídia do país reflete o descolamento entre relatórios de boas práticas corporativas e a realidade do planeta em crise. A cobertura do jornalismo econômico isola e mostra uma visão praticamente unânime de limpeza do cenário. Veículos de comunicação cumprem o papel de vitrine dos exemplos que demonstram o forte crescimento e consolidação das iniciativas engajadas. As matérias revelam a ausência de manifestações de empresas e instituições privadas e públicas diante da morte do ambientalista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, além da destruição da floresta com ocupação ilegal, os ataques às comunidades indígenas, o aumento da miséria no País e o ataque aos direitos sociais dos brasileiros.

“Resultados globais em ESG requerem que os líderes empresariais intervenham por mudanças estruturais na  economia e na sociedade que possibilitem vislumbrar horizontes mais amplos que o próximo trimestre”, critica Kenneth Pucker, ex-executivo da Timberland e professor de negócios, em artigo publicado na Harvard Business Review, em 2021. A avaliação tem a credibilidade de quem lida com a implementação das “melhores práticas ambientais, sociais e de governança”. E vale destacar que o texto foi publicado em uma das bíblias do mundo capitalista.

O autor questiona o desempenho das iniciativas apresentadas em relatórios das empresas nos últimos 20 anos. “Onde estão seus resultados efetivos se, no mesmo período, as emissões de carbono continuaram subindo e tanto os danos ambientais quanto a desigualdade social se aceleraram?” Papel aceita tudo. PDF também. Então, Keneth Puker avalia que os balanços apresentados não só confundem por apresentar informações imprecisas e enganosas como se transformam em obstáculos para empresas com preocupações legítimas.

O crime na Amazônia desestrutura os três pilares — o ambiental, o social e a governança. A continuar como está, os números bilionários do potencial do mercado de carbono no Brasil serão apenas previsões delirantes das consultorias.

Daniela Chiaretti é repórter especial de ambiente do Valor

O futuro das corporações

Para entender como será a atuação das grandes empresas no futuro não leve tão a sério as histórias disponíveis na internet em torno da ESG. Distante da unanimidade descrita pela imprensa, a sigla se refere, predominantemente, a mais um negócio criado pelo mercado, gerando oportunidades para instituições, consultores, auditores e prestadores de serviços. Novos produtos são desenvolvidos, eventos, sistemas de avaliação de rankings e programas de premiação, com a distribuição de selos e atestados de resultados. Além, é claro, de novos segmentos de compras e vendas de ações. ESG é uma espécie de bitcoin.

Há gente e instituições bem intencionadas verdadeiramente? Sim, claro. Mas existem fortes razões para dúvidas. Agora mesmo em junho, e mais uma vez, o banco Goldman Sachs, um mito entre os conglomerados financeiros dos Estados Unidos e do mundo, está sendo investigado sobre os seus fundos de investimentos em boas práticas de cunho ambiental, social e de governança. A investigação ocorre pouco mais de 10 anos depois de outra, em que o banco centenário foi acusado de fraudar documentos ligados a hipotecas de seus clientes.

Fatos semelhantes agravam a falta de confiabilidade dos dados e informações. Mais de 90% das empresas globais produzem relatórios de ESG, mas uma minoria é auditada por consultorias especializadas. Sem referências e avaliações externas, medir e reportar acabam se tornando um fim em si mesmos, sem relação concreta com a realidade.
Essa situação pode causar distorções graves, como o caso da rede de varejo de moda do Reino Unido boohoo, denunciada por exploração de trabalhadores logo após ser premiada por seus investimentos socioambientais.

Segundo uma investigação do Wall Street Journal, oito em em cada 10 fundos de ESG nos Estados Unidos investem na indústria de óleo e gás e dois em cada US$ 3 classificados como investimentos socialmente responsáveis só se enquadram nessa categoria por excluírem os setores de fumo e armas de fogo”.

O nascimento do conceito e da sigla ESG já diz bastante sobre o potencial de controvérsias sobre o perfil real das empresas do futuro. O sistema financeiro foi o berço da proposta de criação da proposta, que envolve a abreviação em inglês de environmental, social and governance . Em 2004, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, convocou 50 CEOs de grandes instituições financeiras do mundo com a proposta de integrar as variáveis ESG ao mercado de capitais. A iniciativa deu origem a uma publicação pioneira do Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições financeiras de 9 países, chamada Who Cares Wins (Ganha quem se importa).

Greenwashing: a lavagem verde

Casos de greenwashing, ou seja, apropriação indevida dos temas que envolvem sustentabilidade com o fim de atrair interesse (e dinheiro) para o negócio, são manchetes eventuais. Por exemplo, a petrolífera Braskem investe em programas sustentáveis e sociais, enquanto é acusada de provocar uma tragédia em Maceió, capital alagoana, onde um bairro está simplesmente afundando. Já o presidente-executivo da Tesla faz críticas à S&P Global, depois que a empresa retirou de seu principal ranking de ações ESG a montadora de carros elétricos. No lugar, resolveu adicionar algumas companhias cujas atividades são consideradas como prejudiciais ao meio ambiente, como petrolíferas.

Nem mesmo entre os principais patrocinadores dos negócios com ações no segmento do mercado financeiro apresentam unanimidade na avaliação sobre o papel efetivo dos conceitos de responsabilidade. Em 2019, um ex-diretor da BlackRock, maior gestora de capitais do mundo, com grande poder econômico e político, afirmou que  o investimento sustentável se resume a pouco mais do que marketing. É uma invenção de relações públicas, com promessas falsas da comunidade de investidores. Segundo ele, “em essência, Wall Street está dando uma lavagem verde ao sistema econômico e, neste processo, criando uma distração mortal”.

O balanço dos resultados revela que, no final das contas ESG é, de verdade, um novo negócio. De novo.

Há um mercado em torno dos “ativos ESG”. O sistema reproduz, com novas embalagens e conteúdos, as estratégias corporativas de outras etapas da história do capitalismo, em que grandes corporações investiram fortunas em programas de relações com a comunidade para domar cidadãos indignados e trabalhadores afetados por impactos negativos de suas ações. Não é à toa que os investimentos em ações de responsabilidade sofrem, de tempos em tempos, acusações de greenwashing.

A maquiagem verde pode refletir as segundas intenções. Uma matéria publicada pelo Radar do Futuro, em 2019, ilustra a distância que tende a separar o discurso das verdadeiras intenções. Ao participar da reunião anual do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, o jornalista Kevin Roose, colunista da The New York Times Magazine, registrou que, “nas rodas de conversas privadas, os altos executivos deixam claro que o corte de trabalhadores é prioridade nas metas das organizações”. O articulista assinala que “eles nunca admitem isso em público, mas muitos dos seus chefes querem que as máquinas substituam você o mais rápido possível”.

Diante das principais lideranças empresariais, políticas e sociais que frequentam o evento, as respostas dos executivos às perguntas sobre automação dependem muito de quem está ouvindo. Em público, muitos executivos demonstram preocupação com as consequências negativas que a inteligência artificial e a automação podem ter para os trabalhadores. E falam sobre a necessidade de fornecer uma rede de segurança para pessoas que tendem a perder seus empregos como resultado da automação.

Mas em ambientes privados, incluindo reuniões com os líderes de muitas empresas de consultoria e tecnologia, os mesmos executivos contam uma história diferente: estão correndo para automatizar suas próprias forças de trabalho para ficar à frente da concorrência, com pouca consideração pelo impacto sobre os trabalhadores.


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