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População de rua gera conflitos em São Paulo

Na zona Oeste da capital paulista, número de moradores triplicou entre 2011 e 2015

Rovena Rosa
Agência Brasil

A população de rua quase triplicou na região da Lapa, zona oeste da capital paulista, entre 2011 e 2015. Os levantamentos da prefeitura indicam que o número dessas pessoas nos bairros da Lapa e Vila Leopoldina passou de 149 para 409. Atualmente, a região é a terceira com o maior número de moradores de rua fora de abrigos, com 5,6% dos 7,33 mil nessa condição. A região do centro, administrada pela Subprefeitura da Sé, concentra 52,7% (3,86 mil) das pessoas que dormem ao relento na capital.

O crescimento da população de rua tem levado a comunidade local, especialmente da Vila Leopoldina, a cobrar medidas do Poder Público. O bairro, onde está localizada a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), concentra grande parte das pessoas que dormem nas ruas da região. Os residentes das casas e apartamentos, no entanto, divergem sobre as ações que devem ser tomadas pela prefeitura.

O presidente da Associação Viva a Leopoldina, Umberto Sarti, diz que o aumento de pessoas vivendo nas ruas é na verdade o deslocamento de pontos de uso de crack. “Não é o morador de rua e sim o dependente químico”, afirma. Para ele, a melhor política seria buscar a internação desses usuários. “Acho que é preciso recuperar a dignidade deles, levar para um tratamento”, ressalta.

Por outro lado, a coordenadora do Fórum Social Leopoldina, Alexandra Swerts, diz que apesar de ter ocorrido uma migração nos últimos anos, já havia uma população de rua subnotificada no bairro. Por isso, ela acredita que a melhor maneira de lidar com a questão é a instalação de serviços públicos específicos na região, como um centro de acolhimento feminino e um Centro de Atenção Psicossocial. “As pessoas estavam aqui, existia essa vulnerabilidade e não havia um atendimento integrado de saúde e assistência social.”.

O conflito surgiu, na avaliação de Alexandra, com a construção de condomínios de alto padrão que substituíram os antigos galpões e a vocação industrial de parte do bairro. À medida que os residentes recém-chegados descartavam restos de obra, caixas de eletrodomésticos e outros resíduos, os materiais eram aproveitados pela população de rua para melhorar as moradias improvisadas. “Foi um choque para esses novos moradores: chegar aqui e, ao mesmo tempo em que eles estavam reformando a casa, o pessoal da rua estava construindo novas casas com o material deles”, diz para mostrar a relação entre os dois grupos.

A influência do Ceagesp

O Ceagesp, entreposto comercial por onde circulam 12 mil veículos e 50 mil pessoas por dia, é apontado como um dos fatores que têm impulsionado o crescimento da população de rua no bairro. “Na Vila Leopoldina há um aumento [no número de moradores de rua], principalmente por causa do Ceasa [Central de Abastecimento] e outros serviços, outras facilidades de circulação que a população de rua encontra”, ressalta o coordenador da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancelloti.

Agentes do governo fazem operação de retirada de moradores em situação de rua, na Praça da República Rovena Rosa/Agência Brasil Com a expansão no número de moradores de rua, Lancelloti diz que também aumentaram as ações contra essas pessoas. “[A Vila Leopoldina] é hoje um dos lugares com maior repressão à população de rua”, diz em referência não só às ações da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana, mas também à segurança particular contratada pelos condomínios.

Nesse sentido, Alexandra Swerts diz que o Fórum Social Leopoldina, que reúne não só a sociedade civil local, mas membros do Poder Público, tem trabalhado para integrar as ações de segurança pública ao trabalho de saúde e assistência social. “Acho que essa é a nossa maior preocupação, a política social aqui”.

Em 2009, Norival Aparecido foi carregador no Ceagesp. Atualmente, com 43 anos, vive sob uma lona no canteiro central da Avenida Gastão Vidigal, onde estão os portões principais do entreposto. “Eu sempre trabalhei em serviço pesado”, diz ao contar que colhia laranjas com 12 anos de idade, abandonando a escola na 4ª série. Apesar do tempo longe dos cadernos, ainda acredita que pode retomar os estudos. “Nunca é tarde para recomeçar”, diz com otimismo.

Viver na barraca improvisada é, até certo ponto, uma opção de Norival. “Por incrível que pareça, não chove lá dentro”, afirma, com orgulho, sobre a moradia que construiu no gramado. Ele prefere permanecer no local a ir ao abrigo oferecido pela prefeitura. “O albergue vai ser melhor. Vai ter chuveiro para tomar banho e a sua cama”, diz em referência ao Centro de Acolhida Zancone, que oferece atendimento para 150 pessoas, a cerca de um quilômetro dali. “Mas tem horário para chegar”, pondera em seguida, sobre as regras de disciplina do lugar.

As instalações do abrigo são criticadas pelo padre Lancelloti. “É muito insalubre. Tá com problema de água, de esgoto”, afirma, ao destacar que os problemas são comuns a outros albergues. Na opinião do padre, a oferta de serviços em massa dificulta a adaptação das pessoas em situação de rua ao atendimento. “Não se pode ‘absolutizar’ a resposta, a população de rua é heterogênea”, ressalta.

Soluções para 15 mil pessoas

As soluções que não levam em consideração as especificidades dos diferentes grupos acirram ainda, na avaliação de Lancelloti, outro problema que deve se enfrentado. O padre chama a atenção para o fato de que grande parte das pessoas que vivem nas ruas passou pelo sistema carcerário. “As ações devem levar em conta essa peculiaridade e levar em conta o não reforço dessa simbologia [do sistema penitenciário]. Isso a gente quebraria trabalhando em pequenos grupos e ainda a vinculação com as pessoas”, defende.

Lancelloti critica ainda a ação da Guarda Civil Metropolitana que age para evitar a instalação de moradias em locais públicos. Segundo ele, muitas vezes esse tipo de operação atrapalha outros tipos de trabalho, como o desenvolvido por ações de saúde. “Temos tido vários casos em que o próprio rapa [operação de retirada de moradores de rua] acaba tirando os medicamentos”, reclama, ao lembrar que existe uma política nacional pelo enfrentamento da tuberculose nessa população.

O trabalho com uma visão mais individualizada também é importante, na opinião do padre, porque a situação de rua é provocada justamente pela quebra de vínculos pessoais. “Desde perdas de raiz, de relacionamentos. A rua aumenta por uma sucessão de perdas. A pessoa que fica na rua por um determinando tempo vai perdendo tudo. Vai perdendo até a força de vontade”, explica.

“Perdi o chão”, diz Adauto Venâncio sobre como foi perder o emprego e os pais em um período de um ano. Ex-lutador, ele conta que chegou a trabalhar como segurança de cantores sertanejos famosos. Mas, desestruturado pela sucessão de problemas, acabou até passando um período preso. “Inventei de furtar. Entrei nas Lojas Americanas e saí pegando tudo”, lembra, entre lágrimas. Com 40 anos, Adauto dorme na Praça da Sé, centro da cidade. Vive da venda de guarda-chuvas e outros bicos.

Ao todo, a cidade de São Paulo tem 15 mil moradores de rua, segundo os dados de 2015. Desses, 8,5 mil dormem em abrigos oferecidos pela prefeitura. Em 2011, eram 14,4 mil pessoas nessa situação, sendo que 7,7 mil estavam abrigadas. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência de Desenvolvimento Social, existem 75 centros de acolhida na capital paulista, oferecendo 10 mil vagas.

De acordo com a secretaria, o crescimento do número de moradores de rua acompanha a expansão demográfica da cidade, representando 0,1% da população total. “Especificamente na região da Lapa, as equipes de abordagem às pessoas em situação de rua identificaram que boa parte dessa população está cada vez mais nessa situação devido aos índices de desemprego, a problemas de saúde mental, à drogadição e a conflitos familiares”, acrescenta a secretaria em nota.

Edição: Graça Adjuto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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