A crise da imprensa cria condições para o surgimento de um novo jornalismo, sem amarras dos interesses econômicos e políticos
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista Responsável
Principal magnata da imprensa na Europa, Mathias Dopfner, proprietário bilionário do grupo alemão Axel Springer, mandou um recado para os jornalistas das suas empresas. “A tecnologia em expansão pode tirar os seus empregos”, anunciou em entrevistas. Não é só discurso. O empresário pretende focar suas estratégias no ambiente digital. E vai usar a inteligência artificial para desempenhar um papel de destaque na produção jornalística.
Certamente, o atual dono do site Político e outras publicações na Europa e, mais recentemente, nos Estados Unidos, não é um CEO — presidente de empresa — isolado do resto do grupo restrito de executivos bilionários e investidores do jornalismo corporativo. Nesta hora em que o Chat GPT faz explodir o interesse pela inteligência artificial, muitos dos detentores dos poderes econômico e político provavelmente estão pensando na mesma “oportunidades”: quantos jornalistas e outros trabalhadores podem ser substituídos pela tecnologia.
Segundo um estudo do site o site Narrative Sciense, até 2025 sistemas de inteligência artificial poderão ser responsáveis pela produção de 90% de todas as notícias publicadas nos veículos de comunicação. O salto evolutivo da IA recente abriu o processo de aceleração de projetos. Na prática, muitos dos maiores veículos de notícias mundo, inclusive no Brasil, estão usando ou se envolvendo com as tecnologias.
Como as empresas jornalísticas estão usando a inteligência artificial
APLICAÇÕES | % |
produção de recomendações de conteúdos | 59 |
auxílio na automações de roteiros de produção | 39 |
otimização comercial | 39 |
apoio à identificação de pautas | 35 |
nenhum desses | 19 |
não sabe | 10 |
Tendências para as empresas jornalísticas
A inteligência artificial não será a “culpada” pela dispensa de jornalistas. Na realidade brasileira, a tecnologia será a coadjuvante de uma combinação maior de variáveis. Para avaliar o cenário, é necessário levar em conta que a crise do mercado de comunicação ocorre há décadas. Em um artigo publicado no site Observatório da Imprensa, em 2011, o professor José Marques de Melo lembrava que o “espectro da crise ronda o jornalismo desde que ingressei na profissão (em 1959)”.
Marques de Melo avaliava, então, que a crise no mercado jornalístico era “menos uma crise financeira, porque as empresas se beneficiaram com a estabilidade econômica da era FHC-Lula, ensejando o boom publicitário da última década”. Seria, então, “muito mais uma crise estrutural, resultante das inovações tecnológicas “que sepultaram a hegemonia da cultura gutenberguiana”.
A crise atual, dos anos 2020, reflete a dificuldade de encontrar o modelo de negócios capaz de sustentar as empresas jornalísticas com as grandes receitas obtidas no período anterior à internet. A inteligência artificial, assim como outras tecnologias emergentes, parece viabilizar um velho sonho das elites: ter um ambiente de trabalho isento de humanos, “human free”. Na impossibilidade de alcançar o “zero total”, a manuntenção de uma estrutura mínima de jornalistas e trabalhadores de apoio, é provável nos próximos anos.
Os milionários da mídia tradicional nem parecem se importar com a perda de credibilidade diante da opinião pública. Segundo o Barômetro de Confiança da empresa de relações públicas Edelman, veículos de comunicação estão do lado dos governos em um ciclo continuado de perda de confiança. Outro relatório, do Reuters Institute, confirma o crescimento do número de pessoas que estão se desconectando cada vez mais das notícias.
O cenário revela a combinação de queda do interesse em muitos países, um aumento na evasão seletiva de notícias e baixa confiança. “Agora temos dados sólidos abrangendo dez anos que nos permitem ver quedas consistentes e implacáveis em todos os países no alcance de canais tradicionais, como jornais impressos, rádio e televisão”, constata o estudo.
Ao percorrer as notícias dos maiores portais, o leitor com senso crítico aguçado verá como a produção de informações tende a privilegiar abordagens de interesse dos grupos econômicos. O posicionamento político à direita ganha intensidade, retornando aos tempos do jornalismo panfletário.
O que fazer?
O momento não é, necessariamente, de lamentar a decadência da mídia comercial, que opera com manipulações para obter lucros e influências política, econômica e social. Vale comemorar a possibilidade de, finalmente, o velho estar morrendo e o novo ter uma chance de nascer. A confiança na imprensa está em uma baixa histórica em todo mundo. As organizações produtoras de notícias estão vulneráveis a crises reputacionais.
Será possível fazer jornalismo de verdade, desde que os jornalistas quebrem a dependência em relação ao modelo tradicional de relação de trabalho, que reflete a “Síndrome de Estocolmo”, comportamento em que o sequestrado se identifica com as causas de seus sequestrador. O momento atual da potência tecnológica favorece o desenvolvimento de uma imprensa independente.
Antes da internet, um jornalista ou instituição interessada em criar uma publicação, como um jornal ou revista, teriam de encarar os altos custos da produção, diagramação, impressão e distribuição das publicações. Hoje, há várias alternativas à disposição dos profissionais de imprensa.
Em resumo