Professor finaliza mestrado com tese sobre a reforma do ensino, em que avalia perspectivas negativas para o processo que entra em vigor a partir de 2022
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
A mais recente reforma do ensino fundamental no Brasil, formalizada a partir de 2017, no governo de Michel Temer, tem tudo para seguir o destino de iniciativas anteriores. Pode até parecer a solução para os problemas da educação básica no Brasil, mas com resultados decepcionantes entre o curto e médio prazos. Talvez até com resultados piores do que anteriores, como resultado da forma como vem sendo implementada e pelo cenário adverso criado pela pandemia.
Documento de referência para toda a comunidade escolar, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece normas para as redes de ensino e suas instituições públicas e privadas. É a referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Brasil. Em síntese, a BNCC tem como proposta organizar o que todo estudante da educação básica deve saber.
“O panorama é muito preocupante, mas a pandemia apenas agravou um quadro que já era negativo”, diz o professor Raphael Bueno Bernardo da Silva. Historiador e mestrando em Filosofia, ele desenvolve estudos sobre a “Base Nacional Curricular – entre a subjetividade neoliberal na escola e resistência na sociedade”, em que ele questiona estratégias e objetivos do desenvolvimento das propostas de mudanças das prioridades de formação dos estudantes. Está sendo criado um ensino supostamente técnico e profissional, sem ter condições de oferecer isso, com carga horária rebaixada, sem nenhuma garantia de qualidade, segregando e cirando dualidades que vão caminhar para desigualdades.
A mudança já foi recebida por parte da comunidade escolar, principalmente do sistema público de ensino, com resistências. Em 2017, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, classificava, em uma entrevista publicada no site IHU, as propostas como uma volta ao passado, mas no sentido de retrocesso para a educação pública brasileira. Entre os críticos, é frequente a avaliação de que as propostas são semelhantes às adotadas durante o governo militar, que resultou em fracasso.
“[A reforma] faz com que os estudantes sejam divididos entre aqueles que vão ter acesso a um ensino propedêutico e aqueles que vão ter acesso a um ensino técnico de baixa qualidade. Temer teve a coragem ou a pachorra de assumir isso quando enfatiza que na época dele a educação se dividia entre clássico e científico, que eram dois caminhos que geravam uma educação incompleta”, explica.
Raphael Bueno acredita que as propostas da BNCC para o Novo Ensino Médio, que entra em vigor a partir de 2022, já chegaram com prazo de validade vencido. E com sinais de esgotamento e de falta de eficácia. “Na verdade”, avalia o professor, “os sinais já se mostravam preocupantes desde 2015, quando foi publicada a primeira versão da base nacional.”
Pressa indevida
Educadores consideram que o desejo de mudar, com base em argumentos identificados como falaciosos, é mais importante do que a vontade política de aprimorar o processo de educação. Prova disso foi a velocidade acelerada da implantação das mudanças dos conteúdos dos currículos. Parte das discussões, que vinham sendo realizadas desde o governo de Dilma Rousseff, foi atropelada. Em abril de 2017, o Ministério da Educação entregou a versão final da BNCC ao Conselho Nacional de Educação. A iniciativa foi considerada como a maior alteração desde 1996, quando foi implantada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Ainda em dezembro de 2017, o documento foi homologado.
Na verdade, pedagogos e professores questionam a validade das mudanças curriculares. Duas questões centrais , primeiro, o processo de consulta questionável, realizado do ponto de vista nacional. Levantamento demonstrou a existência de dados absolutamente inflacionados. Além disso, o que é o currículo e porque reformar mais uma vez. O país passa frequentemente por mudanças.
No cenário de aceleração, a prioridade foi dada para a alteração dos fluxo escolar e da aprendizagem, com o objetivo de melhorar as médias nacional para os exames de qualidade do ensino, o Ideb. Metas que tratam da valorização e qualificação dos professores, por exemplo, continuam não ganhando relevância entre as novas regras do sistema educacional.
“Há um horizonte muito incerto, reforça o professor Raphael Bueno. O receio já é evidente, hoje, no registro da queda do número de inscritos no Enem e outros processos de entrada de estudantes no ensino superior, especialmente os negros e matriculados em escolas públicas. Essa população já sente na pele e no cotidiano os efeitos da precarização do ensino público. O que justifica a necessidade de repensar as razões que levam às reformas.
Estudo
As intenções inseridas na BNCC precisam ser avaliadas a fundo. A pergunta sobre “qual estudante pretende-se formar” é central na argumentação de Raphael Bueno, para quem o currículo não é um documento neutro, ao refletir, na verdade, relações de poder, de classe e hegemonia, revelando-se como conflito. Neste contexto, ele defende a necessidade de encarar a questão da autonomia das escolas e do protagonismo juvenil. Pensar a escola e o currículo como um todo.
Os defensores dos conteúdos apostam na eficiência de uma formação voltada para o mercado de trabalho. É a continuidade de propostas que começaram a ser levadas adiante na década de 1990, período em que o capitalismo global se sentiu confortável para expandir propostas de liberalização irrestrita dos mercados. O modelo enfatiza temas relacionados com competências e habilidades e pensa a necessidade de fortalecer a formação voltada para demandas produtivas.
“A mesma solução de tentar inserir ensino profissionalizante em escola básica já foram tentadas”, reforça o professor. Não há novidade. Há uma repetição de soluções fracassadas. A diferença agora é a existência de novos discursos das reformas determinadas por grupos empresariais, como o discurso do protagonismo infanto-juvenil, o conceito distorcido de projeto de vida, o empreendedorismo, como apologia de trabalhadores precários, que vai se empregar em uma sociedade que está cada vez mais com problemas de geração de emprego, jovens que não trabalham, nem estudo.
Para o professor, há uma estratégia de fuga do essencial, que deveria ser a valorização da educação. A reforma curricular deveria ser, em tese, instrumento de uma forma de gestão, com prioridades para o investimento em democratização das escolas, destinação de recursos materiais, valorização do profissional de educação participação da comunidade escolar nas decisões.
Mas o que acontece, na prática, é que as mudanças jogam novas responsabilidades para os servidores públicos. Para os professores, a escola deixa de lidar com problemas sociais, que é uma questão real, especialmente para atua em redes públicas, e passa a ser uma questão de currículo. Há um novo contexto de exigências e o currículo é reduzido a um instrumento de gestão.
Há falsos dilemas impregnando o processo de criação de novas propostas curriculares. A começar pela cisão pretendida entre as ciências humanas e as ciências duras, exatas e de saúde. Há uma segregação e reforço de desigualdades. Estão sendo criados projetos com viés técnico e profissional. Que abrem brechas para negócios empresariais, inclusive propostas já adotadas hoje e que beiram o charlatanismo, segundo Raphael Bueno. “O estudante vai sair do ensino médio com dois diplomas, um currículo fragmentado, mas sem, garantia, em um contexto de uberização do trabalho, de desregulamentação decorrente da reforma trabalhista, de queda de renda global” avalia.
Em resumo