Uma vez por mês, no primeiro dia do mês, o Radar do Futuro vai publicar o relatório “O que vem por aí”, sobre cenários de curto e médio prazos.
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
Setembro começa com a volta das incertezas sobre a evolução da pandemia. Até mesmo o Ministério da Saúde alerta para uma nova alta de casos de covid-19. E mais uma crise se aproxima para o horror do brasileiro. Surpreendentemente, o próprio governo se antecipa para alertar para problemas potenciais da oferta de energia. Os acontecimentos prováveis consolidam o “novo normal” brasileiro.
Inspirado por uma coleção infanto-juvenil, “Desventuras em série” é o nome do filme que desenrola desde 2018, como uma história sem previsões de terminar tão cedo. Nem bem terminou um desafio, lá vem outro pela frente. A mensagem para o mês: preste atenção no no padrão e no enredo. E antecipe-se ao futuro como ele será, repleto de emoções.
Não foi surpresa para o médico e cientista Miguel Nicolelis e nem para dezenas de tuiteiros o fato de que, no dia 30 de agosto passado, a imprensa paulistana tenha anunciado um “boom de alunos afastados em escolas particulares”. É o resultado do relaxamento das medidas de restrição sanitária. Para os especialistas, há uma pressa em retomar as aulas presenciais e em autorizar as atividades comerciais de forma ampla e irrestrita.
O avanço do processo de vacinação ajuda a conter as mortes, mas a cobertura de proteção para a população está longe de ser a desejada. Neste quadro, o Ministério da Saúde reconheceu a possibilidade de alta de casos, incluindo um aumento das hospitalizações. Além de tudo há a variante “Delta”, extremamente mais agressiva, segundo Nicolelis. O vírus, assinala o cientista, está se espalhando em uma velocidade impressionante e tomou conta do Brasil.
“No final de setembro devemos ter uma nova explosão no País, e não estamos preparados para isso”, diz o cientista, para quem há a tendência de se cometer erros semelhantes aos de outros países, como Estados Unidos e Inglaterra.
Não bastam os problemas da pandemia para gerar um bom enredo de desventuras em série. Agosto foi encerrado com o pronunciamento em rede nacional de televisão, do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. A população desavisada viu aparecer diante da TV o reconhecimento de que a crise hidroenergética não só existe. Também soube que ela “se agravou” com a pior seca em 91 anos.
Assim, o governo reconhece como “inadiável” o esforço da população para reduzir o consumo de energia. “É fundamental que a administração pública, em todas as suas esferas, e cada cidadão-consumidor, nas residências e nos setores do comércio, de serviços e da indústria, participemos de um esforço inadiável de redução do consumo”, conclamou o ministro.
Impactos futuros
Nós, do Radar do Futuro, até gostaríamos de antecipar perspectivas favoráveis para o futuro, a curto prazo. Ou mesmo para o médio prazo. Mas, que nada. Setembro já começou com o governo autorizando novo aumento, de 50%, nas Bandeiras Tarifárias de Energia Elétrica. A medida vai obrigar a população a pagar mensalmente uma taxa de R$ 14,20 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumido. A cobrança da taxa, por enquanto, valerá até abril de 2022.
De acordo com o último relatório da Agência Internacional de Energia (EIA), a tarifa residencial brasileira é a segunda mais cara do mundo. Isso em um país que tem a produção baseada na hidroeletricidade, considerada a energia de menor custo de produção. Com os novos aumentos, certamente o país assumirá o ranking de energia mais cara do cenário internacional.
A transferência de recursos da população para as geradoras e distribuidoras de energia não vai resolver as dificuldades e os riscos de apagões. Há uma expectativa de que em outubro o Brasil comece a conviver com a paralisação de atividades. No Twitter, o economista Márcio Pochmann, da Universidade de Campinas, assinala que o ambiente econômico, ao que tudo indica, não será paralisado pelo isolamento social imposto pela Covid19 ou por manifestações contrárias ou a favor de Bolsonaro. “Simplesmente por insuficiente capacidade elétrica para atender à demanda, mesmo utilizando todas as fontes disponíveis”, avalia.
Mas os efeitos provavelmente serão de longo prazo, com alta chance de se estender pelo próximo ano. O risco de impactos maiores é muito grande. Envolve diagnósticos equivocados, prioridades políticas e econômicas, como o esvaziamento da administração pública, e ausência de ações efetivas. Um dos grandes riscos é que tudo se resuma a apostas e rezas para que as chuvas de outubro a abril sejam suficientes para encher os reservatórios. Mas as previsões dos climatologistas é de que as médias de precipitação continuem baixas.
Sinal da gravidade da situação, mesmo as fontes alinhadas com as correntes de pensamento da imprensa demonstram preocupação com as consequências futuras da combinação das crises sanitária e energética. O temor é de que a crise energética mantenha a inflação em patamar elevado e mantenha a atividade econômica travada. Poucos setores conseguirão preservar ganhos no ambiente de instabilidade, sinalizando um cenário altamente tenso ainda em 2022. Especialmente para trabalhadores, consumidores e pequenos negócios, que seguirão perdendo renda e sentindo os efeitos dos aumentos de preços.
Impactos de curto prazo: certezas x Incertezas
CERTEZAS | INCERTEZAS |
Crise hídrica | Instabilidade do cenário político |
Desgaste do governo: | nível de acirramento dos confrontos |
crescimento da insatisfação popular | crescimento da polarização |
perda da base de apoio | Tamanho da crise política |
reações extremadas | impactos da CPI da Covid |
Aumento da mobilização popular | prisões de pessoas próximas a Bolsonaro |
Economia enfraquecida | Efeito Delta: |
crescimento em segmentos restritos * | nova onda de Covid |
desemprego alto | reversão da abertura de comércio e serviços |
precarização do trabalho | Comportamento de investimentos privados |
pressões inflacionárias | |
insegurança alimentar crescente |
Tendências: visão geral
Ambiente econômico
A melhor notícia do encerramento de agosto foi a de que o desemprego teve uma queda. Pequena, mas uma queda, comemorada pelos apoiadores do governo, para quem há a confirmação de uma recuperação da economia. Mas contestada por outros especialistas. Nem todo mundo acha que seja seja um desempenho digno de comemorações ou capaz de sinalizar uma tendência favorável.
Além disso, a divulgação do Produto Interno Bruto do segundo trimestre do ano jogou mais água fria nas expectativas. Sob o peso do fraco desempenho da indústria e da agropecuária, o PIB registrou queda de 0,1%. O desemprego deve continuar alto em 2021 e provavelmente em 2022, mesmo com a recuperação da economia, o que já era esperado pelos analistas.
Há um descolamento entre os mundos internos do País. Um levantamento da consultoria Nous SenseMaking apontava uma perspectiva de melhora do ambiente interno, com a retomada de investimentos. Relatório recente da consultoria de inteligência de mercado mostra que, na primeira metade deste ano, o Brasil registrou aumento de 77% no volume de anúncios de investimentos em relação ao mesmo período do ano passado.
Os setores de destaque no período foram os relacionados com infraestrutura, especialmente energia e transportes. Demonstrando um processo de concentração, fusões e aquisições se consolidam como estratégia de conglomerados para expansão de investimentos em novos mercados
Ambiente político
Não bastassem as dificuldades diante da pandemia e da perspectiva da crise energética, um outro fator será o crescente desgaste do governo Bolsonaro. Enfraquecido diante da população e, inclusive, parte dos seus eleitores e apoiadores como industriais e banqueiros, o presidente vê sua aprovação cair continuamente em pesquisas de opinião. Há uma base de apoio que se mantém, mas com poder apenas para aumentar os problemas do governo.
Em setembro, Jair Bolsonaro tende a sofrer derrotas para os seus interesses. Inclusive com o indiciamento de seus filhos nos casos de corrupção. E com a apresentação do relatório da CPI da Covid, que tende a mostrar as entranhas do governo.
Como resultado, o que se pode esperar de um governo isolado e acuado? A resposta mais provável é um acirramento de tensões, tornando o quadro futuro do país ainda mais negativo agora, no segundo semestre, e no próximo ano.
Ambiente social
Insegurança alimentar e desemprego estiveram e permanecem entre os principais problemas enfrentados pela população de baixa renda, no processo em que a crise sanitária foi acompanhada da crise social. Segundo a Rede de Pesquisa Solidária e do Centro para Inteligência Artificial, vinculados à Universidade de São Paulo, lideranças comunitárias relatam que os efeitos socioeconômicos negativos são cada vez mais nítidos entre as lideranças comunitárias. Há, de forma crescente, o temor de aumento da escassez de produtos que garantam a subsistência.
Para as lideranças comunitárias, o auxílio emergencial tem que estar no centro da agenda governamental, inclusive com aumento do auxílio e da cobertura. Porém, o benefício deixará de ser distribuído à população em outubro. Mesmo que parte da equipe do governo tenha aconselhado a prorrogação do programa, para a equipe econômica “não há mais fundamentação jurídica para novos pagamentos”.
O que vem por aí
Publicação mensal do Radar do Futuro em parceria com a Nous SenseMaking, destinada a levantar cenários econômicos, políticos, sociais, tecnológicos do curto e médio prazos
Em resumo