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O que a história sinaliza sobre o futuro da humanidade?

Quer ser um futurista e entender o futuro da humanidade? Leve em conta que os avanços tecnológicos tendem a ser muito mais rápidos que os civilizatórios.

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro

Os avanços civilizatórios são uma velha tartaruga enfraquecida, andando com dificuldade e insegura em direção ao mar. Segue, apesar da violência das ondas e diante da possibilidade de encontrar um tubarão pela frente. Já o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico são um coelho que acelerou e ganhou a velocidade de um cavalo. Metamorfoseado, virou um carro, avião, foguete. E, com o tempo, foi miniaturizado até ganhar a dimensão e a velocidade do átomo. Nesta metáfora, o coelho não dá espaço para surpresas. A aceleração das inovações segue indiferente para os rumos da humanidade.

Graças às tecnologias, agora há máquinas comandadas por homens em explorações do planeta Marte neste exato momento. E uma parte dos trabalhadores pode desempenhar suas atividades em casa. Uma epidemia manteve o suspense sobre os rumos das populações. Ao mesmo tempo, o comportamento de massa, em pleno século 21, segue o curso de extrema passividade.

Grupos de pessoas até questionam a ciência, enquanto protestam pela antecipação da “normalidade”, seja ela qual for. E guerras destroem vidas e milhões de pessoas passam fome. Ódio e desigualdades seguem alimentando o curso da humanidade.

Por que importa?

Entender a diferença entre as velocidades dissonantes entre civilização e tecnologia é essencial para quem pretende trabalhar com estudos sobre o futuro. Mais que isso, é essencial entender que a história dos avanços civilizatórios é desvinculada do progresso tecnológico. As pessoas se iludem ao acreditar na melhoria da qualidade de vida geral no momento em que a ciência encontra soluções para mais e mais doenças, ao aumentar a capacidade de produção de alimentos ou quando oferece recursos avançados para a comunicação entre os povos.

É uma fantasia a crença de que inovações sejam sinônimos de saltos evolutivos.
Em síntese, existem impactos positivos da tecnologia sobre o processo civilizacional? Sim, claro. Mas não na velocidade que poderiam ocorrer.

Utopia tecnológica x distopia civilizacional

Lembrando Belchior: “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. E avós, bisavós e assim por diante. Por todas as árvores genealógicas. Ao pensar no futuro, então, devemos levar em conta a certeza de que as tecnologias terão evoluído disruptivamente, ao contrário do avanço linear e preguiçoso dos comportamentos coletivos, que tendem a ser muito semelhantes aos atuais. Do ponto de vista da articulação das sociedades, o futuro é parecido com o passado. E potencialmente distópico.

Um cenário favorável para a maior parte dos habitantes do planeta só ocorrerá no caso de uma revolução cultural e social capaz de abalar os sistemas de poder. Que transforme crenças e valores predominantes em direção à priorização da igualdade. O que exige a superação de limites das verdades inquestionáveis, de uma sociedade que desconhece o potencial de reflexão.

Cabe aos futuristas compreender que a sociedade do futuro está sendo montada em cima do palco dominado pelos defensores da guerra e de uma estrutura que, ao contrário de combater, fomenta a desigualdade social.

O Brasil é a síntese do cenário pouco otimista sobre uma história da civilização. Um estudo realizado por organizações não governamentais, entidades e fóruns da sociedade civil brasileira aponta que o País vem regredindo nas mais diversas áreas como pobreza, segurança alimentar, saúde, educação, gênero, economia e meio ambiente. O balanço negativo é referendado pela comunidade internacional, vinculada ao Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas (HLPF 2021), que acompanha e revisa os avanços no cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assinado por 193 nações do planeta.

Força distópica 1: exércitos

Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), na sigla em inglês, baseado em Londres e referência em assuntos militares, o planeta registrou o maior salto no seu gasto militar em uma década em 2019, devido ao aumento da despesa com defesa dos Estados Unidos de Donald Trump e da China de Xi Jinping. Mesmo com a pandemia, os gastos militares no mundo voltaram a subir em 2020. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisas da Paz (Suécia) e que serve de referência global para o tema revelam que quase 2 trilhões de dólares foram gastos em 2020, um aumento de 2,6% em termos reais em comparação a 2019. Um novo relatório da Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares, a ICAN na sigla em inglês, divulgado na primeira semana de junho, descobriu que nove países gastaram um total de 72 bilhões de dólares em armas nucleares ao longo de 2020.

Os argumentos para os investimentos atuais em forças de ataque e ocupação não são, em essência, muito diferentes daqueles que eram utilizadas há uns quase três milênios. Há indícios de guerras ocorridas por volta de 2700 a.C., na região onde hoje ficam o Iraque e o Irã. Historiadores apontam evidências claras, dois séculos depois, relacionadas ao estado de Lagash, uma cidade-estado, localizada na Suméria, no sudeste do Iraque.

Na região teria ocorrido uma guerra de fronteira contra Umma, outra cidade-estado da Suméria, por volta do ano 2525 a.C. Nessa época, tais centros urbanos viviam em constante rivalidade pelo domínio econômico, territorial e político. Então, os homens disputavam matérias-primas escassas, como madeira, além de cobre e estanho, minérios necessários para produzir o bronze usado em armas e ferramentas agrícolas.

Era uma fase de transição para estados urbanizados, capazes de construir muralhas para proteger seus centros administrativos e mobilizar exércitos numerosos, treinados para lutar segundo táticas mais ou menos definidas. Suas sociedades estavam organizadas para a guerra, centralizadas de forma totalitária em torno de reis hereditários. Com poder político e religioso, esses reis exerciam controle sobre os templos e os recursos acumulados pelas cidades, comandando a produção de armas e a convocação de soldados.

“Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar: eu mato para roubar”, denunciou o escritor e jornalista Eduardo Galeano, autor de livros que mostram a destruição provocada por exércitos durante a história da humanidade. “As guerras invocam, sempre, motivos nobres, matam em nome da paz, em nome de Deus, em nome da civilização, em nome do progresso, em nome da democracia e se por via das dúvidas nenhuma dessas mentiras for suficiente, aí estão os grandes meios de comunicação dispostos a inventar novos inimigos imaginários para justificar a conversão do mundo num grande manicómio e um imenso matadouro.”

As armas exigem guerras e as guerras exigem armas, e os cinco países que dominam as Nações Unidas, que têm poder de veto nas Nações Unidas, acabam por ser também os cinco principais produtores de armas. Alguém perguntará, “Até quando?” Até quando a paz mundial estará nas mãos daqueles que fazem o negócio da guerra? Até quando vamos continuar a acreditar que nascemos para extermínio mútuo? E que o extermínio mútuo é o nosso destino? Até quando?

EDUARDO GALEANO – JORNALISTA E ESCRITOR URUGUAIO

Hoje, as forças armadas dos Estados Unidos, por exemplo, utilizam novas armas tecnológicas, como drones sem pilotos, de alto poder de destruição, e de estratégias para dominar e controlar o suprimento de petróleo. Amanhã, será para dominar as redes digitais, tendo como inimigos centrais os chineses, que crescem como a economia mais poderosa do planeta. Com bases militares em cerca de 800 localidades do planeta, para impedir a autonomia de países, como no caso do Brasil e de outros países da América Latina, que porventura demonstrem interesse em agir de forma independente no cenário global.

Força distópica 2: concentração de renda

Três milênios após os primeiros prisioneiros de batalhas transformados em escravos, o mundo tem 40,3 milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado hoje. A maioria das vítimas da escravidão moderna se encontra na África e na Ásia. O trabalho escravo é uma prática que permeia a história mundial. Sua origem está relacionada às guerras e conquistas de territórios, onde os povos vencidos eram submetidos e transformados em posse pelos conquistadores. No Brasil, o número de trabalhadores em situação análoga à escravidão resgatados cresceu mais de 10 vezes nos quatro primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a abril deste ano, foram 314 resgates — em 72 ações fiscais –, ante 30 no primeiro quadrimestre de 2020 — em 26 ações fiscais.

A existência de um escravo que seja demonstra um modelo de distribuição social prevalecente na história. E que a modernidade não consegue reverter, mesmo que seja um objetivo consensual, como propõem os países que assinam os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU). O retrato de 2021 é uma projeção de milênios atrás. Basicamente, a estratificação baseada na existência de miseráveis e pobres, incluindo os escravos, os trabalhadores livres, uma classe média servil, e os nobres. Em países como o Brasil, os escravos têm a ilusão da liberdade.

A tendência, mais uma vez, é de maior, e não menor, concentração de renda nos próximos anos, algo que nenhum estudioso sobre o futuro deve desconsiderar. Há um processo de “brasilianização do mundo”, de acordo com uma tendência definida pelo filósofo Paulo Arantes há quase 20 anos. As desigualdades de renda são crescentes em todas as partes. E agora atingem níveis recordes.

O Brasil é vice-campeão mundial de concentração de renda, superando apenas o Catar, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de dezembro da ONU. As análises são referendadas tanto pela Oxfam, uma entidade que estuda os efeitos da pobreza, quanto pelo Instituto Credit Suisse em relatórios recentes. A ONU avalia que a “expansão econômica extraordinária” das últimas décadas falhou em reduzir as desigualdades dentro e entre os países.

Força distópica 3- zeitgeist

Mais uma vez, Belchior, melhor ainda na voz de Elis Regina: “eles venceram, e o sinal está fechado para nós, que somos jovens”. E os vencedores contam a história do jeito que bem entendem. Assim como não conhecemos a história do Brasil pelo olhar do indígena. Nem do negro, transformado em mercadoria e transportado para o Brasil. A história da humanidade pelo viés ocidental diz, sobre o futuro, que a verdade continuará sendo dominada e apresentada pelos que dominam o poder econômico e político global. Os vencedores impõem os seus valores.

Zeitgeist é o espírito dos tempos, as crenças predominantes em uma sociedade. Já houve época em que a igreja católica considerou que negros não tinham alma. Que sociedades achavam normal matar. Que mulheres deveriam servir aos homens. Neste item, a história pelo menos conta mudanças de séculos em séculos, como na transição do feudalismo para o iluminismo. Os vencedores continuarão dizendo que há uma única saída para os problemas do mundo. Mesmo que exista um diagnóstico sobre a crise do capitalismo, incapaz — ou desinteressado — de reverter as suas desigualdades, há um discurso comum que diz que não há saídas, pois seria dos males o menor.

Sem atenção ao espírito do tempo, tendemos a acreditar que o mundo é dividido entre nações bandidas e mocinhas. Que precisamos de um herói global para enfrentar o mal. Também acharemos que, por conta do equilíbrio de forças entre indivíduos, uma normalização, até desejável, seja natural encontrar engenheiros trabalhando para plataformas como Uber. O empreendedorismo, como crença dominante entre jovens apáticos, não é a saída. Ou seja, não é o individualismo que vai resolver os problemas sociais que estão à frente.

Força utópica: mudanças culturais

As disparidades de forças parecem suficientes para recomendar a contenção de versões otimistas ao pensar em como a história da humanidade influencia projeções sobre o futuro. Sem alterar as “forças distópicas” acima, entre outras, é pouco provável que tenhamos, em 2050 ou mais tarde, uma sociedade muito mais civilizada do que a atual. A não ser que ocorra uma mobilização intensa da sociedade para impor aos seus governos e instituições novas prioridades.

Com uma profunda tomada de consciência sobre a urgência da mudança. Em que o bem comum, como as metas do milênio, propostas pela ONU, estejam de fato entre as prioridades. E não como ilusões e erros. A expectativa de que a ativista ambiental Greta Thunberg consiga mobilizar multidões é positiva. De verdade. Mas, ao participar da Cúpula Mundial Austríaca Sobre Política Climática, no início de julho, ela mesma reconheceu indiretamente as limitações. Em seu discurso pela internet, ela atacou lideranças políticas e econômicas globais que estariam usando o tema da crise climática como “uma oportunidade de negócios”.

A ativista compara a reação dos que dominam o poder às pressões da sociedade como uma atuação em um jogo. “Eles brincam de política, brincando com as palavras, brincando com o futuro”. Para ela, os compromissos das nações ricas com o clima são “amplamente insuficientes”. E enquanto Greta mostra sua irritação e inquietação para os ecologistas austríacos, na Austrália, um pequeno país anuncia a intenção de favorecer a exploração mineral de áreas profundas do oceano.

O futuro da humanidade desejável

Lembre-se dos Objetivos do Milênio, conjunto de oito objetivos globais firmados em 2000, que orientaram as ações dos Estados-membros da ONU até o ano de 2015. São eles:

  • Erradicar a extrema pobreza e a fome;
  • Atingir o ensino básico universal;
  • Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres;
  • Reduzir a mortalidade infantil;
  • Melhorar a saúde materna;
  • Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças;
  • Garantir a sustentabilidade ambiental;
  • Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

criancas em guerra - foto pixabay
Foto:janeb13 por Pixabay 


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