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Futuro da oftalmologia: como a inteligência artificial impacta o futuro dos diagnósticos

Dispositivo portátil com inteligência artificial, símbolo do futuro da oftalmologia, diagnostica doenças oculares em tempo real

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Entre o final de 2021 e o início de 2022 mais de mil moradores do sertão de Sergipe puderam fazer, pela primeira vez, exame de retina para triagem de doenças oculares sem a necessidade de se deslocar de suas comunidades.

Por meio de um retinógrafo portátil acoplado a um smartphone, desenvolvido pela startup Phelcom com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, agentes de saúde locais treinados a usar o dispositivo registraram fotos da retina de moradores de quatro comunidades rurais sergipanas a fim de detectar doenças do fundo do olho, como a retinopatia diabética – uma das principais causas de cegueira evitável na população adulta.

As imagens foram avaliadas automaticamente por um sistema de inteligência artificial embarcado na câmera do retinógrafo portátil que roda dentro do aparelho, sem a necessidade de estar conectado à internet (off-line). O sistema indicou instantaneamente aos agentes de saúde quais pacientes apresentavam lesões na retina que ameaçam a visão.

Os casos cuja interpretação automática gerou dúvida nos agentes de saúde foram analisados remotamente por médicos oftalmologistas por meio do acesso aos dados e às imagens feitas pelo dispositivo, armazenados imediatamente em uma nuvem. Já os casos de maior gravidade, detectados automaticamente, foram encaminhados para uma consulta presencial com um oftalmologista para confirmação do diagnóstico e início do tratamento.

O projeto-piloto de implementação da tecnologia foi relatado em artigo publicado no Bulletin of the World Health Organization e destacado em um mapeamento de iniciativas de atendimento primário à saúde em países em desenvolvimento baseadas no uso de inteligência artificial e telemedicina feito pela instituição.

“Essa tecnologia de baixo custo pode ajudar a democratizar e tornar mais eficiente esse tipo de ação de saúde ao tirar da fila de espera por atendimento oftalmológico pacientes sem alterações significativas relacionadas a diabetes na retina e encaminhar para consulta com um especialista apenas os casos mais graves”, diz Fernando Korn Malerbi, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e um dos coordenadores do projeto em Sergipe.

“O dispositivo permite que a triagem de pacientes com retinopatia diabética possa ser realizada em áreas com carência de especialista por um operador previamente treinado e com suporte remoto de oftalmologistas. Isso possibilita acelerar o atendimento e reduzir custos”, avalia.

Aprimoramento da tecnologia

Batizada de Eyer, a tecnologia começou a ser desenvolvida em 2014 por três amigos que se conheceram durante a graduação na Universidade de São Paulo (USP): o engenheiro de computação José Augusto Stuchi, o físico Diego Lencione e o engenheiro eletrônico Flavio Paschoal Vieira.

Inicialmente eles decidiram unir suas habilidades para auxiliar o irmão de Lencione, que tem um problema congênito de retina, e fundaram a Phelcom – um acrônimo em inglês das especialidades de cada um deles: “ph” de physics (Lencione); “el” de eletronics (Vieira) e “com” de “computing” (Stuchi).

“Nossa ideia original foi desenvolver um retinógrafo portátil que possibilitasse a realização de exame de retina de forma móvel, permitindo exames em locais remotos e áreas carentes, e fosse dotado de um sistema de telemedicina que habilitasse o acesso remoto das imagens”, explica Stuchi.

O dispositivo com o sistema de telemedicina, batizado de Eyer Cloud, foi lançado em 2019 (leia mais em https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/1053). A tecnologia foi validada por meio de um projeto-piloto realizado com índios xavantes (leia mais em https://agencia.fapesp.br/34372/).

Durante a pandemia de COVID-19, os pesquisadores tiveram a ideia de aprimorar o dispositivo de modo que o próprio aparelho indicasse se o paciente tem alguma alteração na retina por meio da aplicação de inteligência artificial. Para atingir esse objetivo foram treinados modelos de deep learning em grandes bases de imagens de retina a fim de o sistema distinguir e fazer a triagem da retinopatia diabética, por exemplo.

“O grande diferencial da nossa tecnologia em relação a outras soluções baseadas em inteligência artificial já existentes para a retina é que ela permite identificar alterações em tempo real, mesmo sem internet. Todo o processamento é realizado embarcado no dispositivo. Isso é especialmente importante em regiões remotas no Brasil onde o sinal é ruim ou oscila muito”, diz Stuchi.

O sistema de inteligência artificial indica se o paciente tem alterações na retina por meio de mapas de atenção na região-alvo. “Se o paciente apresenta uma escavação de nervo óptico significativa, que pode estar relacionada a um glaucoma, por exemplo, o sistema realça a região marcando-a com cor vermelha e o médico oftalmologista recebe uma notificação”, explica Stuchi.

De acordo com o executivo, o sistema auxilia na identificação de mais de 50 doenças oculares. No caso de retinopatia diabética, a sensibilidade diagnóstica é superior a 95%.

Sediada em São Carlos, no interior paulista, e com escritório em Boston, nos Estados Unidos, a empresa já comercializou mais de 2 mil unidades do dispositivo, que tem certificação na Colômbia, no Chile, nos Estados Unidos e no Japão e está em processo de validação no México.


O artigo Feasibility of screening for diabetic retinopathy using artificial intelligence, Brazil (DOI: 10.2471/BLT.22.288580), de Fernando Korn Malerbi e Gustavo Barreto Melo, pode ser lido no Bulletin of the World Health Organization em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9511671/#.

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