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Expectativa de vida entre cidades latino-americanas varia até 14 anos

Foto:Pixabay.
expectativa de vida: foto ilustrativa - para raul soares, em belo horizonte, uma das cidades alvo de pesquisa
Foto:Pixabay.

Os resultados do projeto Salurbal sobre expectativa de vida servirão de referência para informar futuras políticas e intervenções para a qualidade de vida nas cidades

Uma nova pesquisa do projeto Saúde Urbana na América Latina (Salurbal), publicada na Revista Nature, avaliou os perfis de expectativa de vida e de mortalidade em nove países. São 363 cidades no total, incluindo Belo Horizonte. Além de evidenciar uma importante variabilidade na expectativa de vida e comparar esses dados aos de países de alta e baixa renda, o trabalho apontou as diferentes causas de morte nessas regiões, encontrando locais com registros muito diferentes uns dos outros. Na proporção de mortes por violência por exemplo, houve dessemelhança de até 20%.

“Encontramos uma heterogeneidade enorme entre países e entre as regiões do mesmo país. Se considerarmos a expectativa de vida, por exemplo, houve variabilidade, tanto para homens quanto para mulheres, de até 8 anos dentro do mesmo país e de até 14 anos entre países”, aponta Amélia Augusta de Lima Friche, coautora do artigo, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisadora do Salurbal.

“Isso significa que a expectativa de vida pode variar muito dependendo de onde se vive. Encontramos expectativas de vida muito semelhantes as de países ricos, e outras muito próximas as de países pobres ou em guerra. Diferenças nas expectativas de vida foram encontradas também dentro de um mesmo país”, acrescenta.

Considerando o sexo, em todas as cidades os homens apresentam expectativa de vida consistentemente mais baixas do que as mulheres. No Brasil, a menor expectativa de vida para mulheres foi de 75,6 anos (Guarapuava-PR) e a maior de 82 anos (Bento Gonçalves-RS). Já para os homens a menor foi de 66,3 anos (Itabuna-BA) e a maior de 74,9 (Bento Gonçalves).

Sobre Belo Horizonte, a expectativa de vida das mulheres, ficou em 40º lugar da América Latina entre as 363 avaliadas e a 5ª do Brasil entre as 152 avaliadas, com a média de 80,5 anos. Já entre os homens, BH ficou em 131º lugar entre as maiores expectativas de vida da América Latina e 37ª do Brasil, com a média de 72,7 anos.

“As 10 cidades com maior expectativa de vida no Brasil estão na região Sul e Sudeste. E as 10 com menor expectativa de vida estão no Norte e Nordeste. Isso mostra que dentro do Brasil há um recorte norte-sul muito importante, com desigualdades regionais marcantes. Encontramos expectativas de vida baixas semelhantes às da Índia, e altas como na Alemanha”, lembra a professora Amélia.

“A primeira ideia que temos com esse estudo é que o problema não é viver na cidade, mas sim, o tipo de cidade. Assim, uma gestão local, com políticas urbanas abrangentes e inclusivas, pode ter muito impacto sobre a saúde. Então para melhorar a saúde nas cidades, é preciso ir muito além da assistência médica. Para construir um lugar bom de se viver, é preciso pensar a cidade como um organismo vivo, onde todas as suas características interagem de maneira harmônica para produzir resultados saudáveis.” Amélia Augusta de Lima Friche.

Expectativa de vida e causas da morte

Para esse estudo, foram coletadas informações dos bancos sobre mortalidade junto às fontes oficiais de dados de saúde dos nove países participantes. A coautora explica que há algumas diferenças no processo de registro entre eles e, por isso, houve um esforço conjunto dos pesquisadores para harmonizar as informações correspondentes em todos os registros, para que fosse possível compará-las. Ela acrescenta que essa consolidação de uma grande base de dados também é um dos objetivos do Salurbal.

Dessa forma, possibilitou-se fazer diferentes comparações. Uma delas foi em relação a mortalidade proporcional, ou seja, verificou-se a porcentagem de mortes por determinada causa entre todas as causas em uma determinada cidade, considerando cinco grupos de causas de mortalidade estabelecidas na classificação internacional de doenças (CID 10) e que tinham características que podiam ser relacionadas ao viver na cidade. Quando comparada as causas de mortalidade, os homens têm maior representação em todas.

No Brasil, as cidades com maiores e menores proporções de óbitos por grupo de causas foram, respectivamente:

Condições maternas, neonatais e nutricionais (CMNN):
São José do Rio Preto (SP) com 19,7% e Santa Cruz do Sul (RS) com 6,5%
Câncer:
Bento Gonçalves (RS) com 25,8% e Parauapebas (PA) com 9,3%
Doenças Cardiovasculares e Crônicas não transmissíveis( DCV):
Garanhuns (PE) com 63,2% e Parauapebas (PA) com 41,4%
Acidentes não intencionais:
Parauapebas (PA) com 14,1% e Araras (SP) com 3,5%
Mortes violentas:
Porto Seguro (BA) com 20,2% e Jaú (SP) com 1,5%.

A pesquisa aponta maior proporção de mortes por câncer no Sul do Brasil; acidentes não intencionais mais presentes no Norte e Centro-Oeste; e as causas violentas com maior proporção no Norte e Nordeste.

O maior percentual de mortes por causas violentas também foi encontrado em cidades maiores da América Latina. E ainda sobre esta questão, os dados do estudo mostram que o Brasil ocupa o primeiro lugar, de todas as cidades avaliadas, na lista de mortalidade proporcional por violência, observada na cidade de Porto Seguro – BA (20,2%), além de estar representado por cinco das 10 cidades com maior proporção de mortes por essa causa. Belo Horizonte está na 78ª posição dos 363 municípios da América Latina e em 49º do Brasil.

Expectativa de vida, causas de morte e fatores urbanos

O estudo também apontou fatores específicos associados a maior ou a menor expectativa de vida e às causas de morte. Cidades com níveis mais altos de educação, melhor acesso a água e saneamento e moradias adequadas, por exemplo, são mais propensas a ter uma expectativa de vida mais alta e menos mortes por doenças infecciosas, incluindo infecções respiratórias como a covid-19 (os dados da pesquisa correspondem aos anos de 2010 a 2016, por isso não foi feita a avaliação direta em relação ao Sars Cov 2). Por outro lado, as cidades com maior densidade populacional apresentaram maior proporção por mortes violentas.

Os autores criaram um índice de ambiente social, que agrega quatro componentes: a proporção de pessoas com tem ensino primário completo, que tem acesso a saneamento e à água encanada em suas casas, e menor número de pessoas vivendo na residência. De acordo com a professora Amélia Augusta, quando se aumenta esse índice em um desvio padrão, por exemplo, a expectativa de vida para os homens ganha em média 0,78 anos e a das mulheres eleva em 0,48 anos.

“Em outras palavras, significa que se tivermos melhores condições econômicas e sociais, contribuiria para aumentar a expectativa de vida nas cidades”, reforça. Ela ainda explica que uma potencial justificativa para isso é o fato desses indicadores estarem associados ao maior desenvolvimento das cidades e melhores condições de vida.

“Dessa forma, os governos podem pensar a cidade como um conjunto de características que se interagem, intervindo em diferentes fatores para promover boas condições de vida às pessoas, especialmente na saúde. Por isso as melhorias dizem respeito principalmente às políticas locais para a implementação de políticas urbanas adequadas”

A coautora do artigo acrescenta que o estudo inclui a recomendação, cada vez mais forte, de instituições internacionais, para a importância dessas iniciativas municipais, reconhecendo o papel das cidades como locais inovadores, flexíveis e progressivos na formulação de políticas que visam atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável. E essas ações devem ser baseadas em evidências, apontando quais os fatores no nível da cidade são mais importantes para a saúde, como esse trabalho possibilita. “Então compreender o crescimento urbano e as características da cidade relacionadas à saúde pode ajudar a subsidiar essas políticas públicas”, finaliza.

Salurbal

O Saúde Urbana na América Latina (Salurbal) é um projeto de pesquisa que tem como objetivo estudar como as políticas e o ambiente urbano afetam a saúde dos moradores das cidades latino-americanas. As informações dizem respeito aos nascimentos, mortalidade, internações, hábitos e comportamentos, a partir de informações de saúde advindas de órgãos oficiais, incluindo dados vitais e de inquéritos de saúde de 11 países participantes, além de informações sobre atributos do ambiente físico das cidades, como tamanho e densidade populacional, fragmentação das cidades, por exemplo, e do ambiente social, como saneamento básico, educação, e desigualdade, medida por exemplo, pelo índice de Gini.

O projeto é coordenado pela Ana Diez-Roux, diretora da Escola Dornsife de Saúde Pública da Universidade Drexel, na Filadélfia, Estados Unidos. No Brasil, a coordenação é da professora aposentada da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora do Observatório de Saúde Urbana de BH (OSUBH), Waleska Teixeira Caiaffa. Além da Faculdade, outras três instituições brasileiras participam do projeto: USP, Fiocruz Rio e Fiocruz Bahia. Elas se juntam a outras 10 instituições das américas Latina e do Norte, compondo o projeto global.

Os resultados desse projeto servirão de referência para informar futuras políticas e intervenções para tornar as cidades mais saudáveis, equitativas e sustentáveis em todo o mundo. Ele é financiado pela Wellcome Trust.

Os dados específicos das cidades estão disponíveis por meio do aplicativo interativo online

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