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Era do desalento aprofunda a crise sobre o futuro da política

Entregadores de aplicativos fazem protesto por melhores condições de trabalho - Roberto Parizotti/Fotos Publicas
A falta de soluções para a queda da qualidade de vida da população, inclusive da precarização do trabalho, terá impacto sobre o futuro da política.

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro

Os governos e as constelações dos sistemas políticos, incluindo o conceito de política, com algumas poucas exceções no planeta, estarão entre os grandes perdedores quando o caronavírus der uma trégua para a humanidade. Os prejuízos para a imagem dos gestores públicos serão consideráveis diante de um balanço que vai envolver a morte de centenas de milhares de vidas, desemprego, quebra de empresas e precarização da qualidade de vida. E convivência com o medo de novos surtos de epidemias e pandemias. A tendência do “fim das democracias tradicionais” foi acelerada, assim como a antecipação de tecnologias e a adoção do trabalho remoto. A política será atropelada pelo “novo normal”, atributo adotado por inúmeros consultores do pensamento médio.

Governantes estão perdendo apoio, aceleradamente, por conta da gestão da pandemia. A conta dos insatisfeito inclui muitos cidadãos para quem o número de mortes e de casos de contágio é maior do que os números oficiais, registra uma pesquisa realizada em seis países pela consultoria Kekst CNC. E há o contrário, com gente achando que há exageros nas estratégias contra o vírus. Mil pessoas foram ouvidas em cada país. Apesar de ser um retrato do momento sobre a reação das populações às iniciativas adotadas pelos seus governantes, o estudo diz muito sobre o futuro da política.

À medida em que os governos se mostram incapazes de oferecer soluções para todos os segmentos sociais, todo o sistema político tende a ter a imagem manchada. Ou mais, a democracia tradicional se desmancha como teoria e prática de representação popular. A generalização das descrenças explica o retorno de movimentos radicais de direita. Na Europa, o crescimento da extrema direita é sem precedentes desde os anos 1930. Em vários países situa-se com apoio entre 10% e 20% dos eleitores. Na França, Inglaterra e Dinamarca já chegou a entre 25% e 30% dos votos. Hoje, na Alemanha, nove em cada dez alemães dizem que os políticos não são mais honestos e que as promessas eleitorais não são cumpridas. Muitos afirmam que os partidos políticos estão mais interessados ​​em reter o poder do que no bem-estar dos cidadãos.

Paradoxos

Divulgado no início do ano, o Barômetro Edelman de Confiança de 2020, estudo tradicional da agência de comunicação com atuação global, avaliava que “apesar de uma economia global forte e quase emprego pleno, a maioria dos entrevistados em todos os mercados desenvolvidos não acredita que estará em melhor situação daqui a cinco anos. E 56% acreditam que o capitalismo em sua forma atual faz, agora, mais mal do que bem ao planeta.”

“Estamos vivendo em um paradoxo de confiança”, disse Richard Edelman, CEO da Edelman, ao divulgar os resultados do estudo. “Desde que começamos a medir a confiança há 20 anos, o crescimento econômico promove a confiança crescente. Isso continua na Ásia e no Oriente Médio, mas não nos mercados desenvolvidos, onde a desigualdade de renda nacional é agora o fator mais importante. Os medos são uma esperança sufocante. E as suposições de longa data sobre o trabalho árduo que leva à mobilidade ascendente são agora inválidas.

Nem mesmo a ciência escapa do processo de desconfiança. O que foi verificado durante a pandemia com o acompanhamento do grande número de pessoas aglomeradas em mobilizações contra o isolamento. Não é coincidência que, para 35% dos brasileiros, segundo a pesquisa Wellcome Global Monitor 2018, feita pelo Instituto Gallup em 2019, a ciência não merece confiança. Um em cada quatro pessoas acha que a produção científica não contribui para o país. No ranking dos 144 países participantes, o Brasil ocupa apenas a centésima décima primeira posição entre os países que mais confiam na ciência.

Impactos futuros

Quando a poeira da pandemia baixar, o cenário das economias regionais e global não será muito animador. A recuperação do mundo após a pandemia do novo coronavírus será mais difícil agora do que foi em recessões anteriores – e especialmente para os brasileiros. Mais assustador ainda é saber que nove em cada dez países devem atravessar esta crise melhor do que o Brasil, de acordo com um levantamento que cruza previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) com uma edição recente do Boletim Focus, do Banco Central.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que a taxa de desemprego nas economias mais avançadas do mundo deve atingir até o fim de 2020 o nível mais alto desde a Grande Depressão de 1929. A expectativa mais otimista é que o mercado de trabalho só se recupere completamente em 2022.
Num sinal de que a revisão de conceitos não é um tema de economistas de esquerda, a OCDE sugere, agora, que
os países lancem mais programas para incentivar que as empresas contratem novos trabalhadores, especialmente aqueles que estão entrando no mercado pela primeira vez.

A expectativa entre economistas é de que ocorra uma queda forte do produto interno bruto em 2020 e uma pequena recuperação em 2021. As populações vão sofrer os efeitos do fraco desempenho dos setores produtivos. Desemprego e miséria, aumento da informalidade, redução da renda média, com impactos sobre o consumo e quebra de empresas. As sobreviventes terão um longo trajeto até a recuperação. Insatisfação elevada com a qualidade de vida, levando a mobilizações de grupos e maior violência urbana.

Os governos serão obrigados a rever prioridades, inclusive crenças e valores, para garantir a continuidade de suas administrações. Um dos cenários possíveis para o curtíssimo prazo, segundo cientistas políticos e sociais, demostra a expectativa da revisão de iniciativas que, especialmente na Europa, levaram à redução das políticas de bem-estar social nos últimos 40 anos. Segundo a tese levantada pelos especialistas, a pandemia deixou evidente que os países não estão preparados para enfrentar eventos como as grandes catástrofes humanitárias. As populações pagam os elevados custos dos cortes efetuados.

Era do desalento

No outro cenário, de curtíssimo prazo, que vai incluir o Brasil, a tragédia imposta pela pandemia provavelmente será combatida com mais austeridade, atendendo às crenças dos grupos econômicos e políticos dominantes. O corte de gastos públicos como padrão tende a desconsiderar as propostas de revisão das crenças no controle absoluto dos déficits públicos. Haverá um ambiente ideal de temperatura e pressão para instabilidade política crescente. Sem soluções de curto prazo para os problemas sociais e econômicos, o País deve conviver, no cenário mais provável, com elevados níveis de informalidade, desemprego, queda da renda, baixo investimento privado e mobilizações sociais.

Um conjunto de variáveis propício para o crescimento da insatisfação em relação aos políticos, a quem será atribuída a responsabilidade pela falta de soluções para os grandes problemas da população. O pessimismo é reiterado, agora, pelos brasileiros que integram o grupo de trabalho da Agenda 2030, o conjunto de Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU. O mais recente relatório dos especialistas denuncia que “a análise dos dados oficiais aponta “retrocesso” ou “ameaça de retrocesso” em metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e mostra que, mesmo antes da Covid-19, o país já retrocedia em relação aos indicadores aferidos. E o fazia de forma sem precedentes.”

A sociedade terá de compreender o que vai preencher o buraco da descrença na política e nos políticos em todos os níveis. E o que ou quem vai substituir lideranças, pois as atuais serão incapazes de gerar consensos. Na sociedade onde a depressão já é entendida, também, como mal do século, segundo a Organização Mundial da Saúde, a proposta de democracia digital provavelmente vai ganhar maior força. Mesmo que o verdadeiro papel da internet seja colocado em dúvida, já que a empolgação que envolvia a internet e as redes sociais poucos anos atrás não é mais a mesma.

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