Julia Ramalho, CEO da Estação do Saber, revela questões críticas da norma e a questão da responsabilidade da saúde mental no trabalho. Confira as dicas sobre como implantar a NR-1
Radar do Futuro
“Como implantar a NR1 e promover o gerenciamento dos riscos psicossociais, de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho em empresas e órgãos públicos”? Perguntas semelhantes a esta tiram o sono de executivos e gestores de áreas estratégicas diante da proximidade do prazo final da implantação da Norma Regulamentadora, que cria novas regras sobre o monitoramento e acompanhamento de demandas sobre saúde mental dentro de suas organizações.
“As pessoas estão perdidas em relação ao assunto”, diz a CEO da Estação do Saber, Júlia Ramalho. Com frequência, ela encontra executivos e gestores preocupados. Eles relatam as suas dúvidas sobre procedimentos que precisam ser adotados antes e a partir do dia 26, quando a norma entra em vigor efetivamente.
“Antes de tudo é preciso entender o porquê da adoção da mudança na regulamentação”, afirma Júlia. Em resumo, é a saúde do trabalhador que está em jogo. “Se estamos falando de risco para a vida, não há dúvida que trabalhar em um ambiente tóxico, sem respeito, recheado de abusos moral, sexual e preconceito aumenta o risco de adoecimento”.
Os dados amplamente disponíveis mostram o processo de deterioração da saúde mental no Brasil e no mundo. De 2023 para 2024, houve aumento de 68% nos afastamentos por adoecimento mental.
Como fazer: condições necessárias

“Indo além da questão da nova NR-1, ou seja, com lei ou sem lei, não é possível mais ignorarmos o problema. Costumo dizer que quando a lei chega é por que o problema já é bem maior”. Foto: arquivo pessoal
Assegurar a privacidade do trabalhador é o principal desafio do momento, quando os limites sobre a responsabilidade das empresas devem ser muito claros. “Há um enorme ruído nesse momento”, garante Júlia Ramalho.
Dois olhares cuidadosos são essenciais: primeiro, o que é da clínica da psicologia e do fórum individual. Segundo, separar o que é do ambiente e suas relações na organização, os fatores psicossociais.
“Não existe um ou outro”, pontua a CEO da Estação do Saber, ressaltando o papel da coresponsabilidade como fator central no processo. Nesse momento é preciso entender o problema na sua complexidade. A organização precisa monitorar os problemas e entender o quanto as pessoas estão em risco: seja pelo ambiente, seja pelo seu quadro clínico.
“Não basta a simples aplicação de testes de saúde mental”, assinala Julia Ramalho. Segundo ela, o foco nos testes de rastreios de saúde mental faz recair os problemas apenas no indivíduo, no colaborador. A alternativa dos inventários de clima e cultura distribui a responsabilidade no ambiente e nas suas relações dentro da organização.
Multifatorial, a saúde mental precisa ser analisada sob o viés da complexidade. Júlia Ramalho garante que a empresa se fortalece quando ajuda o funcionário a compreender sua fragilidade e a encontrar boas estratégias para se fortalecer.
Por outro lado, diz a CEO da Estação do Saber, se a organização não monitora como vem fortalecendo sua cultura, valores e seu clima organizacional, ela também não é capaz de entender como isso pode estar impactando a saúde mental do trabalhador. É nesse elemento entre indivíduo e organização que a organização precisa operar de forma estratégica.
Etapas: o que fazer
Para atuar de forma estratégica, a empresa precisa:
- Identificar como vai a saúde mental do trabalhador de forma geral, sem invadir a privacidade dele. E ao mesmo tempo, identificar como elementos psicossociais estão amenizando ou piorando a saúde mental do trabalhador. Para isso, ela precisa de um instrumento completo e complexo, senão fará uma leitura enviesada de apenas uma parte da realidade.
- A partir disso, ela precisa entender o que precisa ser feito: no nível individual (parcerias para encaminhamento e tratamento, por exemplo), o que precisa ser feito a nível corporativo, como treinamentos, regras e políticas e o que precisa ser feito ao nível gerencial (treinamentos e desenvolvimento de líderes). Não há fórmulas prontas e nem soluções que servem para todos. É PRECISO SABER OUVIR COMO VAI ESSA ORGANIZAÇÃO E SEUS FUNCIONÁRIOS. Nessa realidade particular, munido de bons dados, é preciso desenhar um plano estabelecendo as ações e detalhamento da responsabilidade. Sem isso não é possível se ter Accountability (uma responsabilização). Corre-se o risco das ações não terem impacto, serem ignoradas ou postergadas. Se a organização traz à saúde mental COMO VALOR para a empresa, para além do compliance (acordo das normas de NR-1) ela vai entender como todos são responsáveis pelo bem-estar de todos, e cada parte com um pouco de responsabilidade.
Por exemplo, se o funcionário sabe que a sua saúde mental está em risco mas não procura ajuda, e em seguida ele entra em quadro de burnout, de estresse profundo, de quem é a responsabilidade? Mas, se também a organização detectou relações tóxicas e abusivas e gestores que não sabem ouvir e nem tem o norte claro, e agem apenas cobrando e não orientando o funcionário, de quem é a responsabilidade pelo burnout?
Vejam a complexidade ai, cada um tem sua quota parte. E esse é o desafio do momento. Criar uma resposta robusta para que o ambiente, e as pessoas nesse ambiente, saibam de sua responsabilidade e possam se comprometer com o bem estar de todos.
- A partir do planejamento, inicia-se essa implantação onde cada parte tem sua responsabilidade de ação.
- Ao longo da implantação é preciso ir acompanhando o comprometimento com a mudança e monitorando se as pessoas estão respondendo ao “tratamento” sistêmico. Por isso, é preciso fazer pesquisas rápidas, sentir o pulso das mudanças, durante o prazo de implantação. Elas ajudam a afinar o norte e saber o que está ajudando de fato.
Por fim, trata-se de um fluxo: conscientização das responsabilidades, avaliação dos vários aspectos (indivíduo e organização), onde o indivíduo deve receber relatório individual e confidencial e alerta quando precisa tomar alguma ação.
Já a organização deve receber os pontos de risco para que possam desenvolver o plano. Em seguida, o plano tem que ter responsáveis por implantar a mudança usando indicadores de como o processo foi desenhado e está sendo implantado. E todo o processo deve ser arquivado para eventual fiscalização.
Em resumo
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