A movimentação da extrema direita será determinante para os rumos do cenário global nos próximos anos
CARLOS PLÁCIDO TEIXEIRA
Jornalista Responsável | Radar do Futuro
Reverter os problemas gerados pela erosão de um terreno é muito mais difícil do que antecipar iniciativas capazes de evitar que os buracos tomem conta do pasto onde o gado se alimenta. Se você não entende o que levou à erosão, não adianta jogar terra nas valas abertas e esperar o retorno da normalidade. Em síntese, o estrago está feito.
Ao contrário do que sua irmã mais velha imagina, nem a erosão acaba, nem a paz familiar retorna, mesmo com a vitória do ex-presidente Lula nas urnas em outubro. Dois fenômenos explicam o ambiente afetado em definitivo: a expansão da extrema direita e o cenário aberto à desinformação, que leva dominados a defender interesses dos dominadores.
O que pode acontecer?
O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, não morre. O atual presidente é o hospedeiro de um vírus espalhado em outras regiões do mundo. Hungria, França, Itália e Portugal são alguns dos países onde o mesmo extremismo de direita avança. Sem muita reflexão para enfrentar os problemas extremos, a erosão vai avançar.
Há muitos motivos de preocupação. Denúncias sobre perseguições têm frequência cada vez maior nas redes sociais. Apoiadores do futuro ex-presidente Bolsonaro, com apoio dos militares, intensificam iniciativas contra eleitores de Lula. Ao levantar nomes, criar listas e distribuir em redes de grupos radicais, os bolsonaristas adotam estratégias e são cada vez mais semelhantes com Hitler.
Colocam cartazes em portas de lojas para identificar “comerciantes petistas”. Listas também são encaminhadas para consumidores.
GEOPOLÍTICA
Trump perde espaço como liderança nos EUA
Donald Trump foi grande perdedor nas eleições de meio de mandato realizadas no dia 8 de novembro, terça-feira. As “midterms”, evento responsável pela redefinição do controle dos Legislativos nos Estados Unidos, confirmaram a vitória de candidatos republicanos mais moderados — por assim dizer. Antes do pleito, os analistas políticos apontavam a tendência de uma vitória esmagadora dos ultraliberais, aliados do ex-presidente.
Os resultados da eleição ficaram muito aquém da ampla “onda vermelha” (vermelho é a cor do partido) que os republicanos esperavam, apesar dos índices de aprovação muito fracos de Biden e da profunda frustração dos eleitores com a inflação elevada. Alguns dos mais destacados candidatos apoiados por Trump perderam disputas importantes. O impacto será a perda da condição de principal líder republicano.
Por que importa?
As derrotas de Trump e de Bolsonaro representam a chance de retomada de alguma racionalidade nas democracias. Assim como Steve Bannon, os líderes da direita raivosa tendem a ficar mais isolados. Nos Estados Unidos, republicanos acusam o ex-presidente de ser o responsável pelas derrotas na terça-feira. No Brasil, os bolsonaristas vão compreender que não é tão simples dar um golpe de estado, como imaginavam.
Porém, trumpistas e bolsonaristas não voltarão para o lugar de onde saíram. A radicalização dos movimentos de extrema-direita segue crescendo no mundo, com ações de grupos nazistas e fascistas.
Ainda nos Estados Unidos, o Conselho de Segurança Nacional considera a violência da extrema direita branca como a maior ameaça à sua segurança interna. Definem os extremistas como indivíduos que, por meio da violência, sustentam sua superioridade moral e intelectual sobre os outros .
Leia: A extrema direita é um perigo mundial
Da sua sela na prisão, o mentor de Trump e do grupo do presidente Jair Bolsonaro, Steve Bannon, provavelmente acompanhou as duas derrotas dos aliados da ultradireita. Duas perdas em menos de 15 dias. A primeira foi a vitória do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva no dia 29 de outubro. Agora, o ex-assessorado perde poder influência no partido mais à direita dos EUA.
Uma das principais referências globais dos políticos conservadores de extrema-direita, Bannon, guru de Eduardo Bolsonaro, está preso por conta de condenações por fraude, lavagem de dinheiro e conspiração.
E os velhos temas voltam ao jornalismo local
O jornalismo brasileiro volta a ser o que sempre foi. Aliviados pela perspectiva de ficar livre de Bolsonaro, os veículos já assumem o papel de “oposição racional”. Se posicionam para impor a pauta única monetarista. Alheios às discussões globais sobre as revisões das teorias econômicas, algo que até mesmo o Fundo Monetário Internacional já faz há um tempo mas a especulação financeira finge não ver. A mídia já antecipa o papel que era esperado para depois da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro.
No início do ano, as empresas de comunicação devem começar a campanha para definir um sucessor de Lula compatível com os interesses dos donos do poder econômico. As manchetes atuais sobre uso de avião para ir ao Egito, respeito ao teto de gastos e roupa de Janja são apenas algumas das demonstrações de que o armistício acabou.
Bons sinais para a Amazônia
No Egito, Lula fez um discurso definido como “histórico” na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Clima, a COP 27, no Egito. Na quarta-feira, dia 16, ele foi ovacionado pela plateia aos gritos de “o Brasil voltou”.
A frase, inclusive, foi dita por mais de uma vez por Lula durante o seu discurso, marcado pelo comprometimento do governo a ser iniciado em janeiro de reduzir o desmatamento, combater e fome e se esforçar por uma cooperação global abarcando os dois problemas.
“Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo (…) Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade. Voltamos para propor uma nova governança global”, disse o presidente eleito.
Lula afirmou ainda que sua volta à presidência “é também para cobrar aquilo que foi prometido na COP15”, fazendo referência aos acordos para frear as mudanças climáticas feitos na Conferência do Clima de Copenhague, em 2009, da qual participou. Neste momento, a plateia reagiu aos gritos de “O Brasil voltou”.
SAÚDE
Covid: a volta da recomendação do uso de máscaras
A comunidade da área de saúde alerta para a tendência de uma nova onda de casos de Covid-19 no Brasil. Nas redes sociais, médicos relatam o aumento das internações nos hospitais. Também a demanda de testes em laboratórios inverteu a curva de queda. Há um crescimento do número de pessoas com sintomas e quadros respiratórios.
A nova variante da Ômicron, chamada BQ.1, avança na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa. Em 12 de outubro, líderes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC) e representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiram uma declaração conjunta alertando para a alta da doença no continente.
Infectologistas recomendam a retomada de máscaras em locais fechados e em aglomerações. Universidades e prefeituras começam a adotar a medida oficialmente.
Regulação de mídia
O que você precisa saber
Nos Estados Unidos, o radialista Alex Jones foi condenado a pagar 1,473 bilhão de dólares como condenação pela divulgação de mentiras sobre um massacre ocorrido na escola Sandy Hook, no estado de Connecticut, em 2012. O comunicador espalhou mensagens com o objetivo de esvaziar a reação dos grupos antiarmamentos. Segundo o comunicador, as vítimas do massacre eram atores que participaram de um complô do governo dos Estados Unidos para tomar as armas das pessoas.
Por que importa?
Sim, há mais regulação de mídia no exterior do que imaginam seguidores de seguidores e eleitores de políticos antidemocráticos. A multa aplicada ao radialista norte-americano mostra um estilo de responsabilização, em que as punições alcançam o bolso.
Alfabetização em análise de informações é essencial
Ao reagir ao discurso de Luis Inácio Lula da Silva, no dia 10 de novembro, em que o presidente eleito defende a prioridade ao combate à miséria no Brasil, o mercado financeiro e a sua alma gêmea, o jornalismo econômico da mídia empresarial, exerceram o papel que desempenham com maior maestria: especularam. E revelaram o viés autoritário dos seus membros.
Agitaram a plateia com seus discursos com o objetivo de impor as suas verdades.
Ao sair das sombras onde apoia o governo Bolsonaro, a comunidade das finanças antecipou um pouco do que será o cenário do início de 2023, quando o novo governo tomar posse.
A dupla dinâmica do grande capital vai acirrar a promoção da tradicional “festa junina” do mercado. É aquela dança ensaiada em torno da fogueira, que coloca os homens de um lado e as mulheres do outro, enquanto há farta distribuição de boatos para assustar os incautos.
Olha a cobra! Traduzindo: “Olha o Lula falando que vai rever o teto de gasto”. E os agitadores financeiros gritam histéricos. As bolsas caem e o dólar sobe. “É mentira, não vai conseguir”, berram os jornalistas, repetindo os interesses das suas fontes “exclusivas”.
Por que importa?
Mais que defender os interesses do grande capital, o papel da imprensa é de assegurar a continuidade dos movimentos especulativos. Anarriê.
E daí?
Instituições democráticas precisam investir em alfabetização de leitura dos conteúdos dos meios de comunicação. A sociedade precisa aprender a interpretar os relatos dos acontecimentos. Inclusive sobre as especulações que envolvem o mercado financeiro e a imprensa corporativa. É necessário demonstrar a diversidade de linhas de pensamento econômico, com influências e teóricos diversos.
A imprensa comercial tende a considerar exclusivamente fontes relacionadas com o mercado financeiro, representantes de correntes monetaristas. Mesmo quando cria debates entre especialistas, há falta de pluradidade.
Onde há regulação da mídia
Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Espanha, Portugal, França, Espanha e Suécia são alguns exemplos de democracias que têm regras destinadas a limitar o poder das empresas de comunicação.
Em resumo