Eis que o sucessor da velha rainha da Inglaterra é um idoso com a saúde aparentemente instável. O cenário internacional aponta para conflitos. No Brasil, suspense marca as eleições de outubro
A morte da rainha Elizabeth II, aos 96 anos confirma, literalmente, que o velho resiste em morrer. O coroamento do agora rei Charles III, de 73 anos, mostra que o novo não pode nascer. No ano de 2022, do século 21, a monarquia, uma das mais antigas formas de governo do mundo, continua intocável na comunidade do Reino Unido, dono da quinta maior economia do planeta. A saída de cena de uma idosa, depois de 70 anos de reinado, e a entrada do filho idoso formam parte do quadro mais amplo em que, inspirado em Cazuza, o futuro repete o passado. “Eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não para.”
Ainda nos domínios britânicos, a nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, diz estar pronta para iniciar uma guerra nuclear, se necessário. Conservadora de fé, ela não deve hesitar em tomar medidas fortes contra a Rússia e a Índia. E deseja incluir os chineses na lista de “ameaças oficiais” à segurança nacional britânica. É mais pólvora para aliados das guerras.
Em resumo: a humanidade segue com seus avanços lentos no processo civilizatório, com a confirmação de que pouco muda, de fato, nas relações políticas globais. O cenário em formação é de retrocessos. Não só a manutenção neoliberalismo como teoria econômica predominante, como também com o avanço do conservadorismo radicalizado. E a perspectiva de guerras promovidas pelo império norte-americano.
Apontada como uma nova Margareth Thatcher, a dama de ferro do período entre 1975 e 1990, Liz Truss tende a insistir em uma agenda “ousada”. No caso, o rolo compressor conservador, com cortes fiscais maciços “desde o primeiro dia”. Portanto, redução de impostos para os ricos.
Opositora de políticas de bem-estar social, a líder conservadora também é hostil aos sindicatos de trabalhadores. O que inclui limitações ao direito à greve. Em questões ambientais, ela se posiciona à favor da eliminação de limites para o setor privado, com propostas de permissão para perfuração de poços de petróleo no Mar do Norte.
Impactos: o que esperar
O cenário global promete mais tensão, agora com a adesão de Liz Truss, nova personagem disposta a colocar lenha no fogo dos conflitos globais. O alinhamento com os Estados Unidos e com os interesses da indústria bélica fortalece a expectativa, entre analistas, de uma reação contra a aliança entre a Rússia e a China.
O mundo unipolar está prestes a acabar. Mas os Estados Unidos não aceitarão a tendência de criação de um mundo multipolar, mesmo que os outros países não tenham pretensões imperiais. O governo norte-americana vai utilizar estratégias para impor sanções, embargos e bloqueios à China.
Mas o cenário tende a se complicar, especialmente com a crise energética e o aumento de preços, esperados para o inverno na Europa neste final de ano.
O que preocupa as populações dos planeta
A inflação é a preocupação global número um das populações do planeta pelo quinto mês consecutivo. O dado faz parte da edição de agosto do estudo “What Worries the World” (O que preocupa o mundo), elaborado pelo instituto de pesquisa Ipsos.
Aumento de preços (39%), pobreza e desigualdade social (31%), desemprego (27%), violência (26%) e corrupção política e financeira (25%) são as variáveis que causam tensões entre as populações. Outro dado importante: para 65% dos entrevistados, acreditam que as decisões tomadas em seus países caminham em direções erradas.
Sinais de futuro: curtíssimo prazo
Mercado comemora aumento do desemprego nos Estados Unidos
Os dados do mercado de trabalho podem reduzir o ímpeto do Banco Central dos EUA em aumentar as taxas de juros para conter a inflação
Como antecipar o futuro: o papel da imprensa
A cobertura da morte de Elizabeth II e da posse de Charles como rei do Reino Unido é uma oportunidade de aprendizado sobre o papel da imprensa na formação ideológica das sociedades e na percepção sobre o futuro. Aliás, Liz Truss foi beneficiada pelo evento da monarquia, ao tirar a atenção da imprensa para as suas propostas por alguns bons dias.
As mídias tradicionais focaram imediatamente o tom de espetáculo, mais um capítulo do mundo encantado das monarquias e das celebridades. Serão raras as matérias e análises sobre tendências capazes de envolver as populações relacionadas com a Inglaterra. Inclusive, a vida do novo rei Charles III pode ser menos tranquila do que a da mãe. Por exemplo, ele deve ser cobrado pelo fato de que a rainha Elizabeth II silenciou sobre a escravidão e a ação dos seus súditos colonizadores.
Economia: mergulho fundo e volta pela metade
Otimistas, como todos os membros de governo tradicionalmente são obrigados a ser, sempre, os economistas do grupo do ministro da Economia, Paulo Guedes, divulgam a expectativa de queda contínua do desemprego até o final do ano. Acreditam em um longo ciclo de investimentos. Para o ministro, a economia está em situação melhor que a de países desenvolvidos, com sinais de recessão. No otimismo oficial, apoiado pela análise ortodoxa do sistema financeiro e pelos analistas da mídia, o Brasil está melhor que outros países latino-americanos tendentes a desmanchar.
Assim como a equipe de Bolsonaro, o mercado comemora dois meses seguidos de deflação, puxada pela redução de alíquotas de ICMS de combustíveis e energia elétrica. Também celebram a taxa de investimento de 14,7% no segundo semestre deste ano.
Fora do universo das fontes tradicionais da mídia e das redes sociais, o cenário traçado inclui expectativas e indicadores de desempenho insuficientes para gerar expectativas positivas. Na verdade, o Brasil é um mergulhador que desceu 100 metros no mar e subiu 50 de volta. Para quem apoia a política econômica do governo, essa profundidade é suficiente para voltar a respirar.
Apesar da recuperação dos investimentos, os dados estão há nove anos abaixo do recorde de 21,5%, verificado em 2013. A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) estima que o país precisa de investimentos públicos e privados anuais de R$374 bilhões em uma década. Bem acima dos R$148 bilhões investidos em 2021.
No Brasil, hoje, apenas quatro em cada dez famílias conseguem manter acesso regular a alimentos, diz o estudo sobre insegurança alimentar realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O número total de pessoas que não têm o que comer em casa subiu de 19,1 milhões, no final de 2020, para 33 milhões, em abril de 2022, com a pandemia e o abandono de políticas sociais e o aumento da desigualdade social no país, conforme a pesquisa.
A precariedade no mercado de trabalho e a corrosão do poder de compra, provocada pela inflação, negam as projeções positivas apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro em sua campanha para a presidência. Especialmente para a população de baixa renda, a velocidade do aumento dos preços dos alimentos segue um entrave para a melhoria das condições de vida.
Suspense na reta final da campanha para a presidência
Líder das pesquisas eleitorais segundo o instituto Datafolha, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta com um cenário de vantagem parecido com o registrado há praticamente um ano. O que vem justificando um certo otimismo quanto à possibilidade de vitória. Se não for no primeiro turno, há fortes chances de ser no segundo.
A eleição contrasta com eleições anteriores, marcadas por episódios inesperados. Em 2018, as pesquisas foram abaladas nas semanas que antecederam o primeiro turno. Houve a decisão da Justiça Eleitoral de barrar a candidatura de Lula, o atentado a faca contra Bolsonaro, a morte do ex-governador Eduardo Campos e a ascensão e queda meteóricas de Marina Silva.
O baixo número de indecisos na reta final, de 3%, permite pouca margem de manobra para candidatos em desvantagem. Após o resultado das mais recentes pesquisas de intenção de voto, a campanha à Presidência do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, resolveu investir na possibilidade de vitória ainda no primeiro turno.
O PT investe na ampliação da ideia de voto útil, com a tentativa de conquistar, em especial, eleitores progressistas de Ciro Gomes, do PDT, e Simone Tebet, do MDB. Também com o foco da atração dos eleitores dos rivais,a estratégia de Bolsonaro para levar a disputa ao segundo turno reforça o discurso de rejeição a Lula. A ideia é reforçar o sentimento antipetista, principalmente naqueles que em 2018 votaram no atual presidente e que agora estão apoiando outros candidatos.
Herança: o que pode acontecer
Independente dos resultados, as eleições deste ano tendem a garantir um cenário de instabilidade social. Os sinais são evidentes em mortes recentes de apoiadores do ex-presidente Lula e outros atos de violência, inclusive contra jornalistas. São demonstrações de ódio. Não é coincidência o fato de que o medo de expressar publicamente convicções políticas é um dos principais resultados da pesquisa Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022, realizada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio do Fundo Canadá para Iniciativas Locais (FCIL).
O estudo leva em conta entrevistas feitas pelo Datafolha com 2,1 mil pessoas de mais de 16 anos, entre os dias 3 e 13 de agosto. Segundo a pesquisa, divulgada pela revista Piauí, 67,5% dos entrevistados têm medo de serem agredidos fisicamente em razão de suas escolhas políticas ou partidárias. Outro dado que chama a atenção é o fato de que 3,2% disseram ter sofrido algum tipo de ameaça no último mês por causa de suas preferências políticas.
Extrapolando esse percentual para a população brasileira de mais de 16 anos, isso equivale a 5,3 milhões de pessoas que teriam sido ameaçadas por motivação política, destaca Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do FBSP. Apesar de o país viver um período em que as mortes violentas vêm em queda, a sensação de insegurança vem em escalada crescente. Na pesquisa anterior (em 2017), o índice de medo de violência política ficou em 0,68 – em uma escala que vai de 0 a 1. No levantamento atual, o indicador chegou a 0,76.
Indicadores
Política e religião andam juntos para 56% dos eleitores, segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha. O estudo também conclui que para o brasileiro os valores familiares são mais importantes do que propostas para a economia do País.
A renovação no Congresso Nacional tende, de cerca 40%. Um dos motivos, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é que o número de deputados federais que estão em exercício do mandato e tentarão reeleição é o maior da história.
Em resumo