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Brasil terá “apagão” de professores até 2025

Crise tende a se agravar se não houver uma revisão dos modelos das escolas

Marcionila Teixeira
Diário de Pernambuco

O apagão de professores já é uma realidade. E tende a piorar até 2025 se nada for feito para mudar o desinteresse das pessoas em cursar licenciatura no país. Essa é a opinião de Mozart Neves Ramos, atualmente diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna e com um extenso currículo na área de educação, que inclui o cargo de reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e dez livros publicados. Na opinião de Mozart, que também já deu aulas de química no curso de licenciatura na instituição federal, os jovens brasileiros não sentem atração pela profissão de professor assim como acontece nos países que estão no topo da educação mundial. Por trás desse desinteresse estão a falta de um plano de carreiras, a violência nas escolas de periferia e a distância entre a teoria e a prática. Mozart chega a defender a residência em licenciatura, assim como acontece em medicina no Brasil, para qualificar melhor o estágio dos futuros professores, hoje considerado “um faz de conta”. “A gente prepara ainda o professor para a sala de aula em que o aluno está olhando a nuca do aluno da frente, quando hoje a criatividade, o protagonismo, o projeto de vida são elementos importantes para a sala de aula do século 21”, reflete.

Recentemente o senhor usou o termo “apagão de professores” referindo-se à baixa procura dos jovens pelos cursos de licenciatura no Brasil. Como o senhor analisa essa situação?

A maioria dos jovens não está motivada para o magistério. Uma pesquisa da Fundação Victor Civita, de 2008, mostrava que apenas 2% dos jovens brasileiros queriam seguir o magistério. Quando analisamos os países que estão no topo da educação mundial, como Finlândia, Canadá e Singapura, os jovens têm um sentimento de prestígio relacionado à profissão de professor similar ao da medicina no Brasil. Essa valorização e reconhecimento social são importantes para atrair jovens. À medida que a carreira é mais reconhecida, há maior demanda por profissionais e aumenta o número de pessoas para ingressar e disputar o curso. Aumenta, portanto, a atratividade para a carreira de magistério.

Faltam políticas de valorização do magistério em nosso país. Por que esse desinteresse?

Sim. E isso tem três aspectos. A gente sempre pensa no salário, mas, na verdade, todas as pesquisas, que tomam como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), mostram que o professor em início de carreira ganha 11% menos que outros profissionais também em início de carreira. A diferença sobe para 43% no meio do percurso da carreira e, ao chegar no final, a diferença pode chegar a 70%. O grande problema, então, não está no salário inicial. O Fundeb e a Lei do Piso melhoraram o salário inicial, mas a grande lacuna em relação a outras profissões é o fato de não haver plano de carreiras para acompanhar os incrementos salariais, como têm outras carreiras no Brasil. Ou seja, ter plano de carreiras pautado no desenvolvimento do professor ao longo de sua vida profissional concomitantemente a um aumento que acompanhe o de outros profissionais. E o caminho para isso deveria ser um plano de carreiras dentro do contexto de um cenário nacional. Temos estados e municípios díspares do ponto de vista social e econômico. É preciso ter no governo federal o grande articulador para o plano ser equânime no país. Outro aspecto agravado nos últimos dez anos é a percepção do jovem com relação à violência nas escolas. Maria Helena Castro, que foi secretária de Educação do Distrito Federal, apontou algo importante: o jovem se afasta de ensinar nas escolas de periferia por causa da questão da violência, que vai desde o tráfico, que dita as normas do entorno, até o carro arranhado e as agressões de alunos. A questão da violência e da droga tem afastado o jovem do magistério. E o terceiro ponto é que o jovem que se preparou ao longo da vida e concluiu o ensino médio quer ser desafiado, ter um modelo de ensino que dialogue com os anseios do século 21. Tem que trabalhar a formação que olhe esse futuro. A formação de hoje não estimula o jovem com visão empreendedora, criativa, crítica. A formação opta mais pelo caminho de dar a contextualização teórica e pouco prática. O jovem quer estágio que o prepare. A pesquisadora Bernadeti Gatti analisou currículos de licenciaturas no Brasil e percebeu pouca prática e muita teoria e, além disso, o estágio não funciona. Os currículos das universidades não enxergam as mudanças nas tecnologias. A gente prepara ainda o professor para a sala de aula em que o aluno está olhando a nuca do aluno da frente, quando hoje a criatividade, o protagonismo, o projeto de vida são elementos importantes para a sala do século 21. Mas o currículo para licenciatura pensa no aspecto conteudista. Além do conteúdo, é preciso pensar como se dá a disseminação do conteúdo no modelo de ensinar. Pode ser que em certo momento a aula clássica seja necessária. Em outro momento, será preciso juntar a turma em grupos para trabalho de experimentação e aí vai ser preciso ter banda larga para os alunos pesquisarem. O papel do professor muda. Hoje no Brasil estamos distantes dessa realidade.

O senhor propõe residências para licenciatura, a exemplo do que acontece com o curso de medicina no Brasil. Por que para a licenciatura e para outros cursos não?

No Brasil, quando a pessoa passa no concurso, no dia seguinte já está com o material pronto para ir para a escola dar aula. Nos países com formação sólida para professor, a pessoa faz o que no Brasil é a residência médica. Tem residência para preparar para a escola. O jovem tem um professor tutor. Diferentemente dos estágios da maioria das profissões, o estágio docente das licenciaturas no Brasil é um faz de conta. A maioria acontece na escola pública e, lá dentro, o professor não acolhe. Às vezes não é nem o professor de química que dá aula de química. Então ele fica inseguro de receber o aluno para assistir à aula dele. Isso passa pela escassez do professor. 71% daqueles que dão aula de fisica não são formados em física e nem em área correlata. No caso de matemática, o percentual é de 32%. Então, eu vou fazer estágio com um cara que nem sequer foi formado na minha área. Nem todo hospital recebe residência, por exemplo. Teria que ter escola com estrutura para o jovem aprender de forma apropriada. No entanto, apesar de trabalharem em péssimas condições nas unidades públicas, assim como os professores, os médicos ao menos são melhor remunerados. Digo que as condições de trabalho do médico chegam a ser piores que as do professor. Você tem hoje 2 milhões de professores contratados. O problema é que se você dá aumento para a categoria, não é só para o ativo, mas para quem está aposentado também. O impacto na folha é grande. Isso é um problema. Além disso, é mais perceptível na sociedade não ter médico, pois o cara pode morrer na hora em atendimento. As pessoas, no entanto, não percebem que não ter uma formação é uma maneira de matar lentamente alguém para o futuro. Quando o jovem abandona a escola, ele não perde apenas para o mundo do trabalho, mas para a vida, para seu crescimento. Não é à toa que tem 1 milhão de jovens que não estuda, nem trabalha. E esse jovem deveria estar na escola, no ensino médio. Mas ele não vê a escola dialogando com o seu mundo. É preciso repensar o modelo de escola. No sentido de uma pedagogia para o século 21, que estimule o jovem a pensar, a ser crítico, a ter criatividade, e que traga até ele o mundo em que vive. E isso requer um professor preparado.

Qual sua opinião sobre a reforma do ensino médio?

Sempre defendi. Quando saiu a reforma, citei artigos de dois anos atrás onde falava da necessidade de não ter todas as disciplinas para todos os alunos. Nos últimos três anos de escola é preciso um lastro comum, ou seja, uma base comum. E no último ano o aluno estar mais vocacionado para o que quer fazer. Isso vai ajudar a se preparar melhor. A dificuldade de escolher um curso é um problema histórico. Aos 16 anos a pessoa está em fase transitória da personalidade. Não é simples escolher a profissão. Para isso é importante que a escola comece no primeiro ano a desenvolver o projeto de vida do jovem. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina, o Instituto Ayrton Senna oferece ao jovem a capacidade dele se autoconhecer, do protagonismo, de desenvolver níveis de desafio. Isso vai ajudar como fazer a escolha. Promover o projeto de vida do jovem é fundamental para esse novo ensino médio. Quando o aluno vem de um ambiente com pais com certo lastro cultural, isso ajuda, mas tem que entender e pensar em todo jovem, nesse caso a escola pública tem que dar essa condição aos jovens. 80% dos alunos brasileiros estão em escola pública.

Como o senhor analisa hoje o Prouni e o Fies?

São dois programas muito importantes. O Brasil tem hoje apenas 17% de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior. Argentina e Chile têm o dobro disso. O Brasil tem 7,8 milhões de matrículas no ensino superior. A meta do Plano Nacional de Educação é dobrar, chegar a 33% em 2024. Essa, na verdade, era a meta para 2010. É complexa a meta. Para ampliar a vaga, tem dois movimentos hoje: apenas 20% dos alunos do ensino superior público são de escolas públicas. E houve aumento nesse percentual por conta das cotas. Já 80% dos alunos matriculados no ensino superior privado são de escolas públicas. Portanto, para o aluno de baixa renda, o caminho para a universidade é o ensino privado. Os programas foram criados justamente para facilitar esse acesso. No caso do Prouni, as unidades particulares devem impostos e o governo abre mão desses impostos e elas abrem vagas na mesma proporção. Está em torno de 1 milhão de vagas ocupadas e três milhões que vêm dos dois programas. O Fies, por outro lado, foi uma forma do governo, com juros baixos, emprestar dinheiro ao aluno. Era o crediário para o jovem, ao terminar o curso, ser empregado e pagar ao governo. O Fies, no entanto, tem dois problemas. O governo, em 2011, começou o programa com R$ 1 bilhão. Em 2014, o financiamento passou para R$ 15 bilhões, abrindo mais vagas, para a alegria do setor privado. É um programa que tem a sua importância, não há dúvidas, pois democratizou o acesso do jovem de baixa renda à universidade, mas não pensando do ponto de vista da sustentabilidade. O governo tinha em mente que os jovens iriam encontrar emprego e iam pagar. Mas caiu o emprego e aumentou a taxa de desemprego, que afeta principalmente o jovem que está saindo da universidade e com menos capacidade de formação educacional. A inadimplência hoje é de quase 45%. Quanto às vagas do Prouni, as de direito e medicina são ocupadas, mas para as de licenciatura não aparece jovem interessado. Na licenciatura, inclusive, não precisa de fiador e nem precisa pagar se ensinar em escola pública. Os dois são importantes, mas estão precisando ser repensados quanto à sustentabilidade e oferta de cursos. É preciso repensar o perfil do curso oferecido. Não adianta ofertar um curso que o aluno não tem interesse. Isso acontece com as licenciaturas e com os cursos tecnológicos. As pessoas querem cursos com mais valorização no mercado de trabalho. Um estudo da pesquisadora Raquel Pereira pegou todos os alunos que ingressaram em 2009 em química, fisica, matemática e biologia e seguiu o grupo até 2013. Em física, ela perceceu que só 21% concluíram o curso. Em química, foram 34%. Ela então fez uma prospecção levando em conta as futuras aposentadorias. Em 2025 essa escassez vai ser ainda maior se não mudar a atração pelo magistério.

Entrevista publicada no Diário de Pernambuco, em 25 de março,

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