O jornalista e economista Jader Viana teme que o alívio das crises atuais do povo brasileiro seja seguido pela perda das referências das dores vividas hoje.
Jader Viana
Jornalista e economista
“As botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar”. A frase de Machado de Assis no livro Memórias Póstuma de Brás Cubas serve como um alerta para os eleitores que vão às urnas no ano que vem escolher o presidente. Explico. Ao falar sobre as botas apertadas, o bruxo do Cosme Velho, como era conhecido Machado de Assis, faz referência a um conceito do filósofo grego Epicuro, para quem a felicidade é o prazer que se forma pela ausência da dor.
Desde o ano passado o Brasil vive um momento de dor profunda. Não bastasse a calamidade na saúde com mais de quinhentas mil vidas perdidas, nossa economia agonizou. O produto interno bruto teve uma queda de 4,1% em 2020. A taxa média de desemprego anual foi de 13,5%, a maior já registrada desde o início da série histórica em 2012.
No primeiro trimestre de 2021, entretanto, apesar da gravidade da pandemia, o PIB teve uma recuperação de 1,2% em comparação com os últimos três meses de 2020. No último boletim focus, divulgado pelo Banco Central, a expectativa de crescimento econômico para esse ano foi de 5,18%. Para 2022, os economistas esperam um incremento de 2,10%.
Historicamente, não só no Brasil, mas também nas principais democracias, a economia tem um impacto direto nas eleições presidenciais. Se a economia vai bem, a chance de reeleição de um candidato aumenta. A sensação de bem-estar é o mais forte componente emocional para a decisão do eleitor.
Se substituirmos o bem-estar por felicidade e se consideramos que esta se forma pela ausência da dor, conforme o filósofo, teremos um 2022 feliz, sobretudo com o fim desta pandemia, uma vez que, ainda que a passos lentos, a vacinação avança no País.
Portanto, apesar dos apontamentos das últimas pesquisas eleitorais de uma enorme rejeição do governo, o quadro político ainda pode mudar. O risco é deixar que nosso sofrimento, que nossa bota apertada de hoje, nos traga uma falsa sensação de alívio amanhã e influencie no voto. A dor que sentimos hoje precisa deixar cicatrizes, calos que não nos deixem esquecer a inércia e o fracasso desse governo, seja na economia ou na saúde pública.