“1984” e “O Conto de Aia”: eleição de Trump acelera vendas de livros sobre distopias nos Estados Unidos
CARLOS PLÁCIDO TEIXEIRA
Jornalista Responsável | Radar do Futuro
Livros sobre democracia, distopia, tirania, feminismo e política de extrema direita rapidamente subiram nos rankings dos mais vendidos após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA. “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, romance ambientado em uma sociedade totalitária na qual as mulheres são submetidas aos interesses dos homens, subiu para o topo da lista de livros mais vendidos da Amazon.
Também livros não-ficcionais tiveram maior procura. On Tyranny (Sobre a Tirania: 20 lições do século 20, na versão em português), do historiador Timothy Snyder, agora está na oitava posição, depois de subir centenas de posições. Os leitores também estão se voltando para a distopia totalitária 1984, de George Orwell, que subiu para a 16ª posição.
Men Who Hate Women (sem tradução em português) – um livro sobre misoginia e a radicalização de jovens homens online – da escritora britânica Laura Bates também está em alta. O site The Guardian apresenta uma lista de distopias e afins. Explica, indiretamente, as contradições que levam ao aumento do consumo das publicações. Por exemplo, a conquista de jovens homens por Donald Trump.
Segundo matéria “1984” e “O Conto de Aia”: livros sobre distopias esgotam nos EUA após eleição de Trump, Erika Tulfoda, da CNN, ressalta que a eleição também impulsionou downloads de certos aplicativos, como o Calm, de meditação, que subiu 100 posições na App Store desde a noite da eleição, segundo um porta-voz do app. O Calm chamou atenção nas redes sociais após exibir anúncios que ofereciam aos espectadores “30 segundos de silêncio” em meio à cobertura contínua da eleição.
O que explica a demanda?
O interesse pelas distopias é uma tendência, como demostrou, em junho, a matéria ‘Por que as buscas por “O Conto da Aia” estão crescendo‘, publicada no Radar do Futuro. Aumentos da procura por relatos distópicos ocorrem em momentos em que pessoas tentam decifrar o destino da sociedade diante de incertezas. Comportamento semelhante foi registrado no início da década, após o início da pandemia.
Olgária Matos, professora titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP“, identifica, em matéria publicada pelo Jornal da USP, uma tendência, comum em quase todos os países na contemporaneidade, onde ocorre uma desinstitucionalização das instituições. Quer dizer, pela descrença em sua efetividade e capacidade de fazer valer direitos e responsabilidades.
As pessoas buscam referências, paralelos com a realidade. A pandemia trouxe desafios globais como isolamento, incertezas econômicas e desconfiança em instituições. As narrativas distópicas, que frequentemente lidam com crises existenciais, parecem espelhar medos reais.
Há a tentativa de compreensão e catarse, uma liberação de emoções ou tensões reprimidas. A leitura sobre sociedades em colapso pode ajudar leitores a processar e entender situações extremas. Esse gênero oferece uma forma de antecipar a reação do indivíduo a cenários sombrios.
Ocorre, então, uma reflexão crítica sobre o presente. Muitos desses livros apresentam mensagens políticas ou sociais que estimulam reflexões sobre o mundo atual. A crise da pandemia incentivou questionamentos sobre o futuro, a política e a ética. Assim como a perspectiva de avanços de governos autoritários. A extrema direita já é um estímulo à produção e consumo de livros sobre distopias.
Em resumo
O aumento na venda de livros distópicos durante a pandemia revela não apenas uma mudança no comportamento dos consumidores, mas também um reflexo das ansiedades e incertezas que marcam momentos da história da humanidade. As distopias, com seus cenários perturbadores, nos convidam a refletir sobre o presente e a questionar os rumos da sociedade, servindo como um alerta sobre os perigos que espreitam a humanidade.
Em resumo