A compreensão sobre ideologia pode ser determinante para antecipar tendências. Foto: Pixabay
A compreensão sobre ideologia pode ser determinante para antecipar tendências. Foto: Pixabay

Francisco Porfírio *
Professor de Filosofia

O termo “ideologia” é polissêmico, ou seja, possui vários sentidos. Essa multiplicidade de sentidos torna difícil a precisa identificação e conceituação da palavra. Teoricamente, a ideologia em si é quase tão antiga quanto a filosofia, tendo seus primórdios remetidos à Antiguidade Clássica, com os pensamentos do filósofo Aristóteles. Porém, o termo somente foi criado na modernidade com o filósofo francês Destutt de Tracy, ganhando o escopo de uma ciência que abordaria a formação e a construção das ideias.

Os positivistas, liderados pelo também filósofo francês Auguste Comte, firmaram suas teorias na necessidade da ideologia como aquela ciência que seria capaz de tornar o que é abstrato passível de um estudo mais rigoroso. Porém, uma corrente crítica do termo instalou-se no século XIX, propondo uma visão que perdura até hoje.

O que é ideologia?

O senso comum entende a ideologia como um simples conjunto de ideias ou uma idealização sobre algo. Porém, a ideologia é muito mais do que isso. Podemos conceituar ideologia de duas formas: a visão clássica e a visão crítica. Na visão clássica, o termo tem o significado de uma espécie de ciência capaz de organizar metodicamente e estudar rigorosamente o conjunto de ideias que formam a intelectualidade humana. Na visão crítica, a ideologia é uma ilusão criada por uma classe para manter a aparente legitimidade de um sistema de dominação.

A filósofa brasileira Marilena Chaui escreveu, em seu livro “O que é ideologia?”, que a origem da ideologia está entre os gregos, que, sem saber do debate que se instauraria mais de 2.000 anos depois, separavam em sua vida intelectual dois tipos de atividade: a atividade técnica e prática, denominada de poiésis, e a atividade do livre pensamento filosófico intelectual sobre a ética e a política, denominada de práxis.

A poiésis era a atividade dos comerciantes, artistas, artesãos, soldados e escravos, ou seja, era o trabalho e a produção técnica, que não demandavam esforço intelectual. A práxis era a filosofia e o cuidado intelectual com a política e com a ética, demandando esforço intelectual. Essa última era superior à primeira e lidava com a ação respaldada por ideias.

Os gregos clássicos valorizavam, portanto, as ideias, e cada postulado filosófico deles era proposto como sendo uma realidade única e universal. Assim sendo, eles não conseguiam enxergar que havia um contexto histórico e uma visão pessoal de mundo que os faziam pensar daquela maneira. Os filósofos clássicos, como Platão e Aristóteles, já possuíam ideologias, mas não sabiam.

A visão clássica de ideologia teve origem com o filósofo francês moderno Destutt de Tracy. Tracy era um entusiasta dos ideais promovidos pelo iluminismo e acreditava que a Revolução Francesa era o melhor meio de promover as mudanças necessárias na sociedade francesa para que o país pudesse, de fato, progredir.

Ele era antimonarquista convicto e também era considerado um pensador materialista. Para o materialismo, apenas os fatos concretos e materiais devem tomar a frente para qualquer compreensão do mundo, valorizando a ciência e rejeitando a metafísica e a religião ou qualquer outro tipo de abstração ou idealismo.

Destutt de Tracy, o criador do termo ideologia.
Destutt de Tracy, o criador do termo ideologia.
Segundo Tracy, a melhor maneira de estudar as ideias de maneira científica e historicamente bem alocadas era por meio da ideologia. O filósofo francês considerado o “pai” da Sociologia e fundador do positivismo, Auguste Comte, afirmou o valor dessa ciência proposta por Destutt de Tracy, enxergando-a como o principal meio de avanço do pensamento no abstrato campo das ideias.

Ideologia para Karl Marx

O filósofo e sociólogo alemão Karl Marx, considerado o fundador do socialismo científico e criador do método de análise social materialista histórico dialético, foi quem teceu um olhar crítico sobre a ideologia. A partir da visão crítica de Marx, o termo passou a ser designado como algo negativo. O materialismo histórico marxista não via a possibilidade de separar a produção de ideias da realidade histórica e material, defendendo que as ideias surgem em um determinado contexto e por um determinado motivo.

Para Marx, a ideologia tornou-se, então, instrumento de dominação da classe dominante (a burguesia) sobre a classe dominada (o proletariado). Havia, segundo o filósofo, uma infraestrutura (a economia) que mantinha o sistema capitalista de dominação. Essa infraestrutura era respaldada e legitimada por uma superestrutura, que consistiria no Estado, na política, na cultura, na religião e nas ideologias.

Marx acreditava que houve a criação de um grande aparato ideológico para fazer parecer que a manutenção e o predomínio dos interesses da burguesia sobre os interesses do proletariado era legítimo, moral e correto. Com isso, o Estado surgiu como um mecanismo de dominação com o sistema político. A cultura, a religião e a ideologia eram os meios de dominação cultural, que fazia com que o proletariado aceitasse a dominação. A ideologia era o meio de manter as pessoas calmas por meio de uma ilusão: a de que o capitalismo e a propriedade privada eram meios justos.

O filósofo marxista francês contemporâneo Louis Althusser aprimorou a visão crítica sobre a ideologia no século XX, partindo da visão marxista. Para Althusser, a ideologia opera por intermédio de um discurso lacunar. É um discurso aparentemente real, válido, que não está totalmente incorreto, mas deixa lacunas. As lacunas deixadas pelo discurso ideológico resultam em brechas para a legitimação falsa daquilo que não é legítimo. O discurso lacunar afirma coisas reais e, com isso, parece real, mas deixa brechas onde se encaixam as coisas irreais, aparentando ser verdadeiro, mas sendo, na realidade, falso.

Para que serve a ideologia?

Partindo da concepção clássica proposta por Destutt de Tracy, a ideologia serviria para compreender e organizar historicamente o conjunto de ideias formuladas pela sociedade. Para a vertente crítica, a ideologia serviria para manter a aparente veracidade de um discurso falso, com a finalidade de manter uma estrutura de dominação sobre as pessoas ou de tornar uma ideia falsa ou pequena como hegemônica.

Podemos exemplificar com alguns casos para tornar a compreensão da ideologia mais fácil:

Meritocracia: no sistema capitalista liberal, marcado pela desigualdade de classes e pela dominação de uma classe social mais forte, criou-se uma ideologia do mérito. Nesse sistema, acredita-se que o esforço individual é que faz a desigualdade. Quem estuda mais, trabalha mais e possui qualidades administrativas mais desenvolvidas consegue sobrepor-se economicamente. Consequentemente, as camadas mais pobres seriam compostas por pessoas que não merecem a riqueza por não terem se esforçado o bastante para conseguir a riqueza ou por não saberem administrar o dinheiro.

Ideologia de gênero: a partir do século XX, começou-se a discutir mais sobre as questões de gênero em razão do impulso dado pelos movimentos feministas à discussão do papel da mulher na sociedade. Com isso, passou-se a se discutir o que é ser mulher e o que é ser homem, e algumas teorias chegaram à conclusão de que ser homem e ser mulher não está vinculado ao sexo biológico, mas, sim, a uma questão de papéis sociais e culturais. Isso se tornou uma legitimação para pessoas transsexuais se assumirem enquanto pertencentes a um gênero oposto. Como modo de desqualificar essas teorias, setores conservadores da sociedade, chamaram as teorias de gênero de “ideologia de gênero”, conseguindo, assim, desqualificar o discurso de gênero como um discurso falso no âmbito da linguagem. É preciso deixar claro que uma pessoa que concorda com as teorias de gênero nunca deve usar a expressão “ideologia de gênero”, pois isso significa automática reprovação do discurso sobre o gênero.

Tipos de ideologia

Do mesmo modo que se deve ter cuidado com o uso do termo ideologia aliado ao termo gênero, deve-se ter cuidado com a utilização do termo ideologia aliado a outros termos políticos. Se você concorda com um tipo de visão política, jamais a chame de ideologia. Se você acha que tal teoria compreende um conjunto de ideias falsas, ilusórias ou enganadoras, aí se justifica chamá-la de ideologia.

Porém, o senso comum chama de ideologia qualquer tipo de discurso, teoria ou conjunto de ideias, achando que qualquer visão política pode ser chamada de ideologia política. Assim sendo, criou-se um conjunto de “ideologias”, estando algumas delas dispostas a seguir:

  • Ideologia capitalista;
  • Ideologia liberal;
  • Ideologia conservadora;
  • Ideologia comunista;
  • Ideologia anarquista;
  • Ideologia democrática;
  • Ideologia nazista;
  • Ideologia fascista.

Fonte:

PORFíRIO, Francisco. “Ideologia”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/ideologia.htm. Acesso em 24 de maio de 2020.

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