Jornalista, ativista ambiental, Heverton Lacerda mostra que os enfoques ainda das coberturas carecem de contextualização
Por Heverton Lacerda*
No dia 9 de novembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou os números do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2022 e julho de 2023. No período, a área desmatada foi de 9.001 km², segundo o órgão do governo federal, com base no relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes).
As manchetes da imprensa, em geral, destacaram da seguinte forma:
Ainda que seja possível perceber uma ampliação do nível de detalhes e aprofundamento nas matérias jornalísticas sobre meio ambiente nos últimos anos, o que já era de se esperar, em função da previsível e fartamente anunciada ampliação da crise climática no último meio século, os enfoques ainda carecem de contextualização.
No caso específico dos números do desmatamento na Amazônia, a comparação está sendo feita e divulgada com os mesmos parâmetros percentuais que se mede, por exemplo, os índices da inflação ou do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o destaque está para a variação entre períodos, sejam eles mensais ou anuais, quando, na verdade, o que mais importa neste caso da supressão de área de floresta pelo desmatamento é o total e, ainda, o aumento contínuo, mês a mês, ano a ano.
Algumas matérias chegam a avançar, apresentando informações sobre a complexidade da questão, quando apontam, por exemplo, que a floresta tem perdido sua circunferência de proteção (zona de amortecimento) e que isso afeta mesmo o interior mais profundo da mata, ou ainda que a qualidade natural de alguns setores já não apresentam mais a mesma diversidade que protege o ecossistema.
O gráfico do Inpe apresentado na matéria do G1, com dados de 2001 a 2023, mostra que o recorde do desmatamento foi de 27,7 mil km² em 2004 (não consta no gráfico do G1, mas o Inpe informa que o maior desmatamento registrado desde a criação do sistema Deter foi em 1995, com 29 mil km² desmatados). O texto do G1 também ressalta que 2012 foi o ano que teve a menor área desmatada, 4,5 mil km². Em geral, as matérias também destacam os esforços dos governos para diminuir o desmatamento a partir de 2004, assim como a retomada da ampliação de áreas desmatadas no governo Jair Bolsonaro.
No entanto, um número importante e que não aparece é o resultado da soma do desmatamento, que, de 2001 até hoje, apresenta um total de 235.102 km² de área suprimida da Amazônia. Outros números ainda precisam entrar nessa contabilidade ambiental para que não se perca a dimensão total do que está acontecendo com a Amazônia. Em 2013, na ocasião do aniversário de 25 anos do Prodes, foi publicado no site do Inpe um número ainda mais impactante: a Amazônia, conforme dados de satélite, já havia perdido “752 mil km², cerca de 19% da floresta original”, na época.
Ou seja, as manchetes que se limitam a informar números parciais, ainda que estejam corretas, acabam por encobrir parte importante do problema, a sua dimensão total. É evidente que nem toda a informação cabe em uma manchete, mas quando nem o miolo do texto apresenta dados fundamentais, podemos estar com algum problema sério (e simples) para resolver. Duas sugestões de manchetes, para que encontrem variações criativas, são Desmatamento da Amazônia continua aumentando; Desmatamento cresce e atinge X% da floresta amazônica. A variação anual da taxa poderia ficar para a linha de apoio. São escolhas editoriais que podem auxiliar o leitor a ter uma compreensão mais apurada da gravidade o desmatamento na Amazônia.
*Jornalista, ativista ambiental, especialista em Ciências Humanas, mestrando no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCPM/UFRGS) e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).