Bruce Douglas e Sabrina Valle
Blomberg BusinessWeek
Um novo cigarro, Gift, foi colocado à venda no início do ano passado nos bares e quiosques de jornais de Itaboraí, uma antiga cidade petrolífera em ruínas nos arredores do Rio de Janeiro. Com pouco menos de um dólar por maço, o produto rapidamente encurralou o mercado de tabaco contrabandeado na cidade sufocante que, apesar de uma população de quase 240 mil habitantes, parece abandonada. Seu domínio não foi por causa da qualidade do produto paraguaio. Em vez disso, segundo a polícia, marcou a chegada de uma milícia assassina que forçou os vendedores a vender o cigarro da marca.
A 48 quilômetros do Rio, Itaboraí foi devastada pela recessão, crime e corrupção – as mesmas forças que derrubaram o Brasil e levaram os eleitores a eleger Jair Bolsonaro como presidente no ano passado. Há dez anos, a cidade parecia preparada para o boom das commodities. Agora, o aglomerado gigantesco de reluzentes chaminés de metal e explosões de gás da usina petroquímica Comperj, construída pela gigante petrolífera Petrobras, fica virtualmente ocioso, e um violento grupo paramilitar está recuperando os ossos da economia.
As milícias – bandos de policiais desonestos e fora de serviço e outros agentes de segurança – começaram a operar nos bairros pobres do Rio há algumas décadas. Os políticos ou fecharam os olhos ou colaboraram com os grupos, que eram ostensivamente formados para expulsar traficantes de drogas, mas transformados em máfia que cobravam serviços como segurança, gás de cozinha, acesso à internet e TV a cabo. Essas gangues agora estão ativas em todo o Rio e outras 14 cidades do estado, afetando a vida de 2 milhões de pessoas, segundo a polícia.
Bolsonaro, que fez campanha em uma plataforma de lei e ordem, não respondeu a pedidos de comentários, mas defendeu publicamente as milícias durante sua longa carreira como congressista representando o Rio de Janeiro. “Algumas pessoas apóiam as milícias, que as veem como forma de se libertar da violência”, disse ele à Rádio Jovem Pan em fevereiro do ano passado. “Onde a milícia é paga, não há violência.”
Os moradores aterrorizados de Itaboraí contam uma história diferente. Em janeiro, agentes do Estado prenderam nove supostos membros da milícia, acusando-os de extorsão. Moradores e comerciantes que resistiram enfrentaram “seqüestros, torturas e finalmente a morte e o desaparecimento de seus cadáveres”, segundo um comunicado da promotoria. A polícia local não retornou mensagens buscando discutir a milícia. Os moradores dizem que não têm para onde se virar.
“Se os criminosos souberem que alguém os delata, essa pessoa será morta”, diz o promotor Romulo Silva, que no dia 2 de abril acusou sete membros da milícia Itaboraí de torturar um casal suspeito de gritar para uma gangue de drogas. Os homens invadiram a casa deles, algemaram-nos e espancaram-nos com um taco de sinuca, tábuas e pistolas, de acordo com os documentos da corte. Na frente dos filhos do casal, eles urinaram sobre a mulher e atormentaram o homem, forçando-o a montar um pedaço de madeira que comprimia seus testículos. A família fugiu da cidade apenas com as roupas que vestiam.
Itaboraí está em um longo deslize. Os homicídios aumentaram 30% de 2016 para 2017, para 95 mortes, quando um ramo da quadrilha do Comando Vermelho assumiu o controle da cidade. A polícia em dezembro de 2017 expulsou os traficantes, cedendo o território a uma milícia, de acordo com Silva. O crime disparou mais uma vez. Em 2018, mais de 130 moradores foram assassinados, segundo o instituto de segurança pública do Rio de Janeiro. Os desaparecimentos aumentaram 113%, para 111 pessoas, em relação ao ano anterior.
A milícia opera uma extensa rede de proteção, com taxas que variam de US $ 5 por mês para uma pequena casa a US $ 375 para grandes empresas. Recentemente, expandiu-se para áreas em desenvolvimento ilegal e vendeu cigarros contrabandeados, que oferecem lucros ricos e menos penalidades criminais do que as drogas.
A corrupção cobra um custo punitivo em todo o Brasil. A contravenção consome até 2,3% do produto interno bruto, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. São cerca de US $ 39 bilhões por ano, segundo o economista Gil Castello Branco, fundador do Contas Abertas , um grupo de defesa da transparência. “Temos corrupção sistêmica em todos os níveis”, diz ele. “É uma prática que está profundamente enraizada no país e, na segurança pública, não é diferente”.
A raiva fervilhante dos brasileiros alimentou a ascensão de Bolsonaro. Um de seus primeiros atos foi nomear Sergio Moro, juiz principal na investigação de corrupção conhecida como Operação Lava-Jato, para chefiar o Ministério da Justiça . Moro está promovendo uma legislação que reduza ou elimine a punição para policiais que matam devido a “medo justificável, surpresa ou emoção violenta”. Os críticos dizem que os termos são muito amplos. Mas, mesmo antes de o projeto chegar ao congresso, os assassinatos da polícia do Rio atingiram um recorde de 16 anos nos primeiros dois meses deste ano, com uma morte a cada quatro horas e meia.
Como legislador, Bolsonaro argumentou que as milícias ofereciam a ordem em ações que o estado havia falhado. Até novembro, seu filho mais velho, Flavio, senador, empregava a esposa e a mãe de um policial fugitivo acusado de atividade criminosa. Flavio diz que sua equipe tomou as decisões de contratação.
O número de grupos paramilitares explodiu nos últimos anos, segundo José Claudio Souza Alves, professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. “Ninguém age para acabar com eles”, diz ele. Em março de 2018, Marielle Franco, vereadora de esquerda da capital fluminense, foi assassinada por homens armados suspeitos de ligações com as milícias .
Em Itaboraí, a milícia está extorquindo uma economia de joelhos. Na estrada do Rio, um novo shopping fica vazio, com persianas pintadas de preto. Blocos de apartamentos inacabados pairam sobre a rua principal, enquanto placas de “aluguel” aparecem em todas as outras janelas empoeiradas do centro comercial.
Há mais de uma década, dinheiro foi derramado na cidade, que já foi conhecida por suas laranjas, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou a pedra fundamental da Comperj. O complexo seria a maior planta petroquímica da América Latina, gerando mais de 200 mil empregos. Milhares de trabalhadores vieram de todo o país, mas, em 2014, os preços do petróleo despencaram, o Brasil caiu em uma recessão recorde e a Petrobras se envolveu na Operação Lava-Jato. No final de 2017, um pequeno número de empregos começou a retornar. Cerca de 1.500 trabalhadores estão empregados em uma unidade de processamento de gás natural, segundo a Petrobras. O número de trabalhadores deve dobrar até o final do ano, diz a empresa.
Quando os empregos são abertos na Comperj, os subcontratados da Petrobras contratam seus próprios funcionários, muitas vezes de fora da cidade, ou anunciam através do centro de empregos de Itaboraí, de acordo com Marcus Hartung, vice-presidente de um sindicato local. A agência, controlada pelo gabinete do prefeito, fica ao lado da praça central e milhares de pessoas se reúnem sempre que boatos são espalhados, diz Hartung. “Há muita controvérsia sobre como os empregos são distribuídos. Há muita política envolvida”, assinala.
Infiltração
A polícia diz que membros da milícia se infiltraram no gabinete do prefeito e na agência de empregos. Homens armados e encapuçados frequentam o centro de empregos, segundo dois moradores de Itaboraí que pediram anonimato por medo de represálias. A milícia exige um corte dos salários dos trabalhadores para o emprego, disseram as pessoas.
“A ascensão das milícias sobre o negócio do petróleo é muito preocupante”, diz Helvio Rebeschini, executivo da Plural, uma associação de distribuição de combustíveis. “Há milícias operando um número crescente de postos de gasolina ilegais e a Petrobras também foi vítima do crescente roubo de petróleo em seus oleodutos”.
Repetidos pedidos de entrevistas submetidos ao gabinete do prefeito ficaram sem resposta. A Petrobras diz que a responsabilidade de contratar na Comperj é de subcontratados. A Bloomberg News entrou em contato com três: a MIP Engenharia confirmou apenas que havia usado o centro de empregos de Itaboraí como parte de seu processo de contratação. Metodo Kerui disse que mantém seu próprio banco de dados de candidatos. Enaval não respondeu. Silva, o promotor público, disse que a cobrança por empregos se encaixaria no modus operandi da milícia: “Onde quer que eles vejam uma oportunidade de ganhar dinheiro, eles vão explorá-lo”.
Manuelito Correa de Santos, 39, que está desempregado há mais de dois anos, faz uma peregrinação diária ao centro de empregos. “As pessoas estão tentando ajudar, mas é difícil para elas”, diz ele. “Não depende apenas deles.”
Poucos em Itaboraí falariam abertamente sobre a situação de segurança – e poucos pareciam esperançosos. “Dizem que a Comperj vai voltar. Não acredito ”, diz Delphina de Jesus Neto, 61 anos, proprietária de um salão de beleza antes de a fábrica fechar, mas agora trabalha como atendente de estacionamento. “Tudo aqui falhou.”
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