Carlos Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro
Professor de história da economia, o economista Paulo Roberto Bretas acredita que o momento atual de retração dos mercados globais e locais, de aumento do desemprego e de elevados níveis de incertezas sociais colocam em pauta, como urgência, a necessidade de revisão dos cursos de economia. Métodos e conteúdos avançaram pouco em relação ao que era apresentado aos pais e avós dos atuais estudantes universitários. No Brasil e no mundo. Na verdade, teoria e prática da profissão tendem a sofrer o olhar crítico da sociedade. A pandemia cria o novo cenário marcado pela necessidade de adaptações e aceleração de transformações do ambiente de interação humana.
“Estamos vendo o retorno do discurso sobre o papel da economia do bem-estar”, salienta, como fato positivo, Paulo Bretas, ex-presidente do Conselho Regional de Economistas de Minas Gerais. Para ele, a reivindicação por mudanças na visão sobre o papel desempenhado pelo Estado é apenas um dos efeitos colaterais da crise sanitária. Ao contabilizar milhares de mortes, provocar o aumento da miséria e do desalento, forçar desemprego e o fechamento de empresas e levar ao isolamento de pessoas, além de determinar aumentos de gastos públicos, a pandemia do Covid-19 deixou claro que os modelos atuais baseados em austeridade, predominantes em todo o planeta, são insuficientes para atender as demandas das sociedades.
Como acontecimento comum a outros setores pressionados pela demanda por adaptações urgentes ao novo cenário de restrições, o coronavírus acelerou um debate, que já vinha ocorrendo, que coloca em dúvida a saúde existencial do capitalismo. Tanto que, como ressalta o economista, uma instituição conservadora como o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou crenças e vem mudando, há algum tempo, seu foco teórico, colocando a superação da pobreza como uma variável a ser levada em conta pelos governos.
E também o Fórum Econômico Mundial (WEForum), a reunião das principais lideranças econômicas, políticas e financeiras do mundo, amplia a visibilidade para economistas como Mariana Mazzucato. Em evento do WEForum em abril, ela defendeu que “a crise do coronavírus oferece uma oportunidade para remodelar nossas economias e implementar o capitalismo abrangente”.
Contexto: evolução
No Brasil, a história do ensino da economia e da profissão tem como referência inicial a criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas em 1945. Caracterizado por um elevado peso das áreas jurídicas, de administração e de contabilidade, o currículo tinha grande número de disciplinas econômicas que são ainda hoje obrigatórias no ensino do ofício, embora com nomes distintos. Como área de conhecimento influenciada pelas ciências políticas e sociais, a atividade ganhou relevância, no Brasil, entre o governo de Getúlio Vargas e os anos 1980, inclusive reforçando a participação dos especialistas para as áreas de planejamento econômico.
Os tempos de Margareth Thatcher, Ronald Reagan e fim da União Soviética registraram a guinada no perfil dos cursos, com a influência crescente das escolas norte-americanas, com forte viés econométrico. Em um texto publicado em 2018 no site Brasil Debate, Lauro Mattei, professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Santa Catarina, destaca o momento como sendo da associação entre o pensamento econômico dominante, representado pelo paradigma neoclássico, e a filosofia política neoliberal. O resultado foi que, nas últimas décadas do século 20 foi gestada a matriz de formação acadêmica de economistas dominada pelo “pensamento único”.
Lauro Mattei ressaltava, então, que desde o início do século atual movimentos em várias partes do mundo surgem com fortes questionamentos em relação ao ensino econômico. Com apoio de estudantes e professores, surgem em várias partes do mundo questionamentos sobre o ensino econômico, com exigências de mudanças não apenas das grades curriculares dos cursos de economia, mas fundamentalmente dos conteúdos e dos métodos pedagógicos. “Na essência”, avalia o economista, “esses movimentos colocaram em destaque dois pontos cruciais para o ensino da economia no futuro: a falta de visão plural e o uso excessivo da matemática para explicar os sistemas econômicos, levando a uma desconexão entre o conhecimento ensinado e o mundo real”.
É o culto à matemática, considerada como capaz de gerar todas as respostas para os fenômenos do “homem econômico”, que está sob o olhar crítico. Ao fazer o curso de economia em uma das principais universidades privadas de Belo Horizonte, o também jornalista Jader Viana ouviu de um professor a observação de que “só pode ser considerado economista quem concluiu um doutorado”. Necessariamente, em matemática aplicada. Para o professor, formado no exterior e com passagens pelo sistema financeiro, o bacharelado é apenas uma introdução aos conhecimentos da profissão.
Jader Viana salienta que a econometria não foi suficiente para antecipar alguns dos principais acontecimentos traumáticos do sistema econômico global. Como a crise de 2008, possibilitada pelo acesso a crédito fácil e disseminação de investimentos podres em títulos do mercado imobiliário. E o modelo de análise não pareceu suficiente para antecipar a possibilidade de uma pandemia, que derrubou todos os mercados globalmente.
Perspectivas
As preocupações com as questões sociais que vinham sendo pontuadas há pouco mais de cinco anos e mais os danos da expansão da extrema pobreza e desequilíbrios de renda, tendem a ganhar vigor nos próximos anos. Mais economistas, dentro e fora das universidades, reivindicarão mudanças da teoria e da prática, como já acontece, também, com as propostas da nova Teoria Monetária Moderna, novo paradigma macroeconômico que revisa conceitos antigos. Haverá resistência, claro. No caso brasileiro, o governo Bolsonaro, sob o comando de Paulo Guedes, provavelmente manterá toda a política baseada em austeridade e cortes de gastos públicos.
Para o economista e professor Paulo Bretas, o capitalismo financeiro monopolista não vai abrir mão de seus domínios. Mas a realidade pode impor as novas demandas do ensino profissional. Há a imposição das novas realidades capazes de provocar a diversificação dos conceitos mais tradicionais. Enquanto o sistema produtivo se adapta à transição da indústria mecânica para a digital, sob a influência das tecnologias de informação, a atividade recebe novos adjetivos.
A economia é, agora, solidária ou comportamental. Há temas como a crise persistente do sistema e o debate sobre o pós-capitalismo. E são criadas novas áreas de estudo e de atuação, como a área ambiental e a neurociência. “Os economistas continuarão necessários”, avalia Paulo Bretas ao refletir sobre a profissão do futuro. Convivendo com a educação da era digital e a necessidade de adaptação às tecnologias com aulas virtuais, ele aposta na incorporação do novo perfil da profissão, caracterizada pela visão generalista e competências para fazer a leitura de contextos, da realidade e da história.
Em resumo