Resultados drásticos da pandemia da Covid-19, como o colapso do sistema de saúde, o aumento do desemprego, da pobreza extrema e da fome, da violência e dos problemas ambientais, poderiam ter sido amenizados se o Brasil tivesse se mantido alinhado aos compromissos assumidos junto com outros 192 países, na ONU, reunidos na chamada Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. É o que alertam, em novo relatório, 105 especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, coletivo que reúne 51 organizações que monitoram a implementação dos ODS no país.
A análise dos dados oficiais, reunida no IV Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030, aponta “retrocesso” ou “ameaça de retrocesso” em metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e mostra que, mesmo antes da Covid-19, o país já retrocedia em relação aos indicadores aferidos. E o fazia de forma sem precedentes.
O Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 é a única publicação no Brasil, da sociedade civil, que apresenta um panorama em 360 graus do nível de implementação dos 17 ODS, cobrindo as áreas social, econômica e ambiental. O documento respeita os princípios de integralidade e indivisibilidade da Agenda 2030 e analisa 145 das 169 metas acordadas na ONU. Ele também registra as dificuldades no levantamento de informações devido ao “apagão de dados” em curso no país, além da inexistência ou insuficiência de dados e/ou séries históricas nas áreas abordadas.
Lançamento do relatório
A publicação será lançada nacional e internacionalmente no próximo dia 31 de julho, em três eventos. Para o Brasil será às 10h, durante audiência pública da Frente Parlamentar Mista em Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Congresso Nacional. Já a comunidade internacional poderá acompanhar a divulgação dos dados a partir da 13h30 (em inglês) e das 16h (em espanhol), horários de Brasília. Todas as sessões serão transmitidas ao vivo por meio do canal www.youtube.com/gtagenda2030.
O lançamento do IV Relatório do GT Agenda 2030 ocorre diante da tragédia da Covid-19 que fez com que todos os compromissos para cumprimento dos ODS fossem revigorados durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU deste ano, realizado de 7 a 17 de julho, reunindo presidentes e líderes de praticamente todo o mundo. Nele, em diversos painéis, o Brasil foi mencionado de forma negativa, particularmente pela sua péssima resposta à Covid-19. A versão síntese em inglês da publicação ajudará a comunidade internacional a entender este cenário de múltiplas crises.
No ano passado, o III Relatório Luz foi recebido, em mãos, pelo secretário geral da ONU, António Guterres, e já apontava preocupações graves. “A tragédia que o Brasil vive hoje já vinha sendo anunciada. Em 2017, por exemplo, quando lançamos o primeiro Relatório Luz, apontávamos desafios nacionais em todos os setores. Já na segunda edição, mostramos que o país havia voltado ao mapa da fome. Na terceira edição, finalmente, alertamos para o crescimento das desigualdades, que o Brasil já possuía 55 milhões de pobres e o investimento público em saúde era insuficiente para lidar com a demanda à época. Não é à toa que a Covid-19 está tomando essa proporção”, comenta Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos e cofacilitadora do GT Agenda 2030.
Este ano, como não poderia deixar de ser, além da análise dos 17 ODS, a publicação traz o estudo de caso “Covid-19 e a Agenda 2030 no Brasil: é possível não deixar ninguém para trás?”. “Este capítulo foi fundamental para fechar o Relatório, mostrando os impactos da Covid-19 nas políticas e setores analisados, mostrando que, se já estávamos de flancos abertos ao novo coronavírus, depois dele a situação será de terra arrasada se não houver mudança de rumos, se pelos menos as recomendações que fazemos não forem implementadas de forma urgente”, diz Carolina Mattar, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), também cofacilitadora do GT.
Segundo Mattar, problemas acumulados no fornecimento de água e no saneamento, hoje tão importantes para tentar impedir o avanço da Covid-19, tão visíveis e comentados hoje, e fenômenos como diabetes, hipertensão, tabagismo, excesso de peso e obesidade (que representavam 72% das causas de morte no Brasil), são pontas de um iceberg que o Relatório revela sem deixar dúvidas do porquê o país têm sido um ambiente ideal para o agravamento da pandemia.
A exemplo das três primeiras edições anteriores, o IV Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 tem como base os dados oficiais disponíveis. Nos casos em que inexistem informações oficiais, foram utilizados estudos produzidos pela sociedade civil ou pesquisas acadêmicas catalogadas na biblioteca SciELO ou Portal Capes, observados os critérios de série histórica e metodologia consolidada.
Nesta edição, a novidade do Relatório Luz é a inclusão de uma classificação de acordo com a evolução das metas analisadas: Retrocesso, quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, mudadas ou sofreram esvaziamento nos seus orçamentos; Meta ameaçada, quando ações ou inações têm repercussões que comprometerão o alcance futuro dela; Meta estagnada, se não houve nenhuma indicação de avanço ou retrocesso significativos estatisticamente; Progresso insuficiente, se a meta apresenta desenvolvimento lento, aquém do necessário para sua implementação efetiva; e Progresso satisfatório, quando a meta está em implementação com chances de ser atingida ao final do ano de 2030.
Década de Ação
O ano de 2020 marca o primeiro quinquênio da criação da Agenda 2030 e inaugura a Década de Ação, declarada pela ONU, que visa acelerar o alcance dos ODS em todo o mundo.
A Agenda 2030 é um plano para governos, sociedade, empresas, academia e para todas as pessoas. No Brasil, um dos países protagonistas para sua aprovação, ela está sob ataque. O atual governo vetou a persecução das metas dos ODS no Plano Plurianual 2020-2023 (Lei nº 13.971, de 27 de dezembro de 2019) e extinguiu por meio do Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, a instância de governança dela no Brasil: a Comissão Nacional para os ODS (CNODS), que estava em pleno funcionamento.
“Um aspecto muito interessante do nosso relatório é que ele aponta problemas, mas também apresenta propostas sobre como resolvê-los, com base em evidências. Ao final de cada capítulo são listadas e dirigidas, sobretudo ao governo, recomendações que precisam ser adotadas. Se a situação do Brasil já era desafiadora, agora – mais do que nunca, exige focar no progresso, na paz, no cuidado das pessoas e do meio ambiente. E dizemos isso com muita convicção porque é o que a Agenda 2030 preconiza e ela é completamente alinhada à nossa Constituição Federal. Sem dúvida, é a rota que pode ajudar o Brasil, hoje, a sair das múltiplas crises em que se encontra”, diz a também cofacilitadora Laura Cury, da ACT Promoção da Saúde.
Apesar de tantos desafios reunidos e detalhados na edição 2020 do Relatório Luz, o GT Agenda 2030 faz um convite para analisarmos as condições do país de forma integral e multissetorial e para agirmos com o objetivo de alcançar o futuro melhor que queremos, solucionando os problemas que atualmente impedem a superação das desigualdades no país. Ignorar o que precisa ser feito para sair de tantas crises tornará ainda mais grave a imagem do Brasil, não somente em âmbito doméstico, mas junto à comunidade internacional, que aguarda pelo relatório do GT Agenda 2030 nessa temporada pós Fórum Político de Alto Nível da ONU.
Em resumo