SEL/USP
As doenças crônicas representam 70% de todos os óbitos registrados anualmente no planeta e são responsáveis pela morte de cerca de 41 milhões de pessoas por ano no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar do alto índice de letalidade, muitos casos poderiam ter sido evitados se as vítimas tivessem recebido um diagnóstico precoce de seu problema. Por isso, dois alunos da USP, em parceria com um administrador, decidiram criar um software inteligente que calcula o risco de uma pessoa ser afetada por doenças crônicas no futuro.
A nova tecnologia, chamada “Blue”, integra e analisa um grande banco de dados hospitalares e laboratoriais, considerando desde consultas e exames realizados, até pontos mais específicos, como nível de glicose, hábitos alimentares, frequência de atividade física e o histórico de saúde na família. As informações são extraídas do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e do censo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde. A partir dessa avaliação, feita apenas com o fornecimento do CPF do paciente, o programa de computador usa técnicas de inteligência artificial e aprendizado de máquina para estimar as chances de o usuário ser acometido por determinada enfermidade.
“A nossa missão é prever doenças crônicas antes que elas cheguem a estados irreversíveis”, explica Igor Marinelli, um dos criadores do software e aluno do curso de Engenharia de Computação, oferecido em conjunto pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). Por enquanto, o sistema consegue prever os riscos de uma pessoa ser diagnosticada com diabetes e doenças cardiovasculares, mas, de acordo com o estudante, o objetivo é aperfeiçoar o software para a previsão de outras patologias: “A ideia é acrescentar estimativas para o mal de Alzheimer, hipertensão, doenças respiratórias, câncer e problemas metabólicos, como a obesidade”.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013 pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 57 milhões de brasileiros em idade adulta possuem pelo menos uma doença crônica. Outro estudo, dessa vez divulgado em 2018 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que cerca de 40% dos idosos do País são afetados por alguma doença do gênero. As principais causas desse tipo de patologia são o consumo excessivo de álcool, tabagismo, falta de atividade física e alimentação inadequada.
Da motivação ao sucesso – A ideia de criar o novo sistema levou ao surgimento da startup Blue, inspirada na história de Pedro Freire, formado em administração pelo Insper e também criador da empresa. Seus avós tiveram câncer enquanto ele era adolescente, fato que o sensibilizou a pesquisar mais sobre como evitar o sofrimento que a doença havia causado a sua família.
Após árduo trabalho de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, os resultados de sucesso começaram a aparecer. A Blue venceu, no início do mês, a HackBrazil, competição que premia ideias brasileiras inovadoras em disputa realizada na Universidade Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos dos EUA. Os jovens tiveram apenas três minutos para apresentar a startup a uma banca de jurados composta por grandes nomes do empresariado, como Cristina Junqueira, fundadora da Nubank; Mike Krieger, cofundador do Instagram; André Street, fundador da Stone; e Renato Freitas, criador da Yellow. “Acredito que o fato de termos mostrado nosso produto e o grande esforço que fizemos até aqui refletiu na vitória”, diz Rafael Rejtman, cofundador da empresa e aluno do curso de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica (EP) da USP. Atualmente o estudante faz companhia a Igor em um intercâmbio na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
A HackBrazil foi uma das atrações da Brazil Conference at Harvard & MIT, ocorrida entre os dias 5 e 7 de abril, em Boston. A conferência é realizada pela comunidade brasileira de estudantes da cidade com o intuito de promover o encontro de grandes personalidades do País, como políticos, famosos e empresários. Por conquistarem a competição, os criadores da Blue receberam R$ 75 mil para investir no crescimento da empresa, e os recursos já têm destino previsto: aumentar as fontes de dados utilizadas pelo software, aprimorar os dispositivos de análise e previsão e potencializar o número de dados genéticos disponíveis.
Foco de mercado da startup, as empresas de planos de saúde poderão se beneficiar do novo serviço, já que reduziriam seus gastos com tratamentos de doentes crônicos no Brasil, que chega hoje a R$ 15 bilhões por ano, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). A intenção dos pesquisadores é cobrar mensalidades das companhias de saúde pelo uso do software, e a estimativa é faturar até R$ 1 milhão em 12 meses. Com apenas um semestre de trabalho, a Blue já possui dois clientes, um deles a Votorantim, multinacional brasileira do ramo de controle familiar.
- Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do SEL/USP