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Yuval Harari: o que os historiadores dirão sobre o futuro global

Historiador israelense acredita que resposta à crise deve ser de mais solidariedade. Foto: Pixabay
Historiador israelense acredita que resposta à crise deve ser de mais solidariedade. Foto: Pixabay
Carlos Teixeira
Radar do Futuro

“Acho que historiadores futuros verão este como um ponto de mutação na história do século 21. Mas a forma que dermos a ele dependerá de nossas decisões. Não é inevitável.” A mensagem é do historiador israelense Yuval Noah Harari, em entrevista publicada pelo site alemão DW. A publicação diz que, em um século marcado por escassez de novos pensadores como figuras públicas, Harari se destaca tanto nos círculos intelectuais como nas listas mundiais de best-sellers: Yuval Noah Harari, de 44 anos, é o autor aclamado de Sapiens: Uma breve história da humanidadeHomo Deus: Uma breve história do amanhã e 21 lições para o século 21, lançados a partir de 2014.

Não é uma entrevista com um pessimista. Nem com um dono de certezas. O historiador reconhece a impossibilidade de uma antevisão sobre o que será do homo sapiens nos próximos anos, como consequência da crise imposta pela pandemia. E se será preciso revisar alguns conceitos elaborados em seus livros. “Não sabemos, porque depende das decisões que tomarmos agora.”, avalia Harari. Um dos exemplos é o da previsão do surgimento de uma “classe inútil”, formada por pessoas que, no capitalismo digital, não encontrarão oportunidades de trabalho e alternativas de sobrevivência. A expectativa era de que o surgimento da categoria ocorreria em mais alguns anos.

Mas a tendência da incorporação das tecnologias e dos impactos sobre o mercado de trabalho foi acelerada, com uma força imprevisível e efeitos que, agora, começam até a ficar mais claros. Na entrevista, o historiador reforça que o perigo para a classe inútil está, na verdade, crescendo dramaticamente, por causa da atual crise econômica. Vemos agora um aumento da automatização, robôs e computadores substituindo seres humanos em cada vez mais empregos nesta crise. Porque as pessoas estão confinadas em suas casas, e elas podem se contaminar. Mas robôs, não.”

Então pode ser que, tanto devido à automatização quanto à desglobalização, especialmente os países em desenvolvimento, que dependem de trabalho manual barato, tenham de repente uma enorme classe inútil de cidadãos que perderam seus empregos, porque estes foram automatizados ou transferidos para outro lugar. A matéria do DW não diz, mas é possível concluir que este será o caso do Brasil, tornado um estado irrelevante no cenário global.

O dilema apresentado pelo historiador é sobre a capacidade de resistência das sociedades impostas pelo sistema de poder. O menor perigo talvez seja o do vírus em si. “A humanidade tem todo o conhecimento e as ferramentas tecnológicas para vencê-lo. O problema realmente grande são nossos demônios interiores, nosso próprio ódio, ganância e ignorância. Temo que não se esteja reagindo a esta crise com solidariedade global, mas com ódio, colocando a culpa em outros países, em minorias étnicas e religiosas.”

Na entrevista, Harari faz questão de pontuar um otimismo, talvez mais necessário que real. Ele espera que consigamos desenvolver nossa compaixão, e não nosso ódio, e reagir com solidariedade global, desenvolvendo nossa generosidade de ajudar os necessitados. E que desenvolvamos nossa capacidade de discernir a verdade, em vez de acreditar em todas essas teorias da conspiração. Se fizermos isso, não tenho dúvida que conseguiremos superar facilmente a crise.

Fica uma certa impressão, na leitura da entrevista, que o historiador se ilude propositalmente, ao apostar na fé da mudança da sociedade. Como ele reitera, o “maior perigo não é o vírus, mas ódio, ganância e ignorância”. É necessário reconhecer que as relações de forças políticas e econômicas estão abaladas, mas ainda tendem a resistir. Para enfrentar, os indivíduos e as sociedades terão de conscientizar e fortalecer movimentos sociais para cobrar as transformações necessárias.

Leia abaixo trechos da entrevista ao DW

Estamos encarando, como o senhor já disse, a opção entre a vigilância totalitária e a potencialização da cidadania. Se não tomarmos cuidado, a pandemia pode ser um marco na história da vigilância pública. Mas como ser cuidadoso com algo que está fora do nosso controle?

Não está completamente fora de seu controle, pelo menos numa democracia. Você vota em determinados políticos e partidos, que determinam as políticas, portanto tem algum controle sobre o sistema político. Mesmo que não haja eleições agora, os políticos ainda reagem à pressão pública.

Se o público está aterrorizado e quer que um líder forte assuma, isso torna muito mais fácil um ditador fazer exatamente isso: assumir o poder. Se, ao contrário, houver reação do público quando um político for longe demais, podemos evitar que os desdobramentos mais perigosos aconteçam.

Como saber em quem confiar, ou em quê?

Primeiro, há a experiência. Se há políticos que têm mentido para você nos últimos anos, há menos razões para confiar neles nesta emergência. Em segundo lugar, você pode fazer perguntas sobre as teorias que estão lhe contando: se alguém vem com uma teoria da conspiração sobre a origem e o alastramento do coronavírus, peça-lhe para explicar o que é um vírus e como causa doenças.

Se a pessoa não tem a menor ideia, quer dizer que não dispõe de conhecimento científico básico, portanto não acredite em mais nada do que ela está lhe contando sobre a pandemia. Não se precisa de um PhD em biologia, mas se precisa de alguma compreensão científica básica de todas essas coisas.

Nos últimos anos, temos visto diversos políticos populistas atacarem a ciência, dizerem que os cientistas são uma elite remota, desconectada do povo; que coisas como a mudança climática não passam de uma farsa, que não se deve acreditar nelas. Mas neste momento de crise por todo o mundo, vemos que as pessoas confiam mais na ciência do que em qualquer outra coisa.

Espero que lembremos disso, não só durante esta crise, mas também quando ela tiver passado; que cuidemos para dar uma boa educação científica nas escolas sobre o que são os vírus e a teoria da evolução. E também que, quando cientistas nos alertam sobre outras coisas, além de epidemias – como mudança climática e colapso ambiental – ouçamos as advertências deles com a mesma seriedade que temos agora com o que dizem sobre a pandemia do coronavírus.

Muitos países estão implementando mecanismos de vigilância digital para evitar o alastramento do vírus. Como se pode controlar esses mecanismos?

Sempre que se intensifica a vigilância dos cidadãos, isso deve vir de mãos dadas com uma maior vigilância do governo. Nesta crise, os governos estão gastando dinheiro como água: nos Estados Unidos, 2 trilhões de dólares, na Alemanha, centenas de bilhões de euros, e assim por diante. Como cidadão, quero saber quem está tomando as decisões e para onde o dinheiro vai. Ele está sendo usado para resgatar grandes corporações que já estavam em apuros antes mesmo da pandemia, por causa das más decisões de sua chefia? Ou ele está sendo usado para ajudar pequenas empresas, restaurantes, lojas e similares?

Se um governo está tão ávido de ter mais vigilância, esta deve ir nas duas direções. E se ele diz “hei, isso é complicado demais, não podemos simplesmente abrir todas as transações financeiras”, você diz: “Não é, não. Do mesmo modo que você pode criar um gigantesco sistema de vigilância para ver aonde eu vou a cada dia, deveria ser fácil criar um sistema que mostre o que você está fazendo com o dinheiro dos impostos.”

Isso funciona distribuindo o poder, e não deixando que ele se concentre em uma pessoa ou autoridade?

Exatamente. Uma ideia com que se está experimentando é alertar quem esteve perto de um paciente do coronavírus. Há duas maneiras de fazer isso: um é ter uma autoridade central que coleta informações sobre todo mundo e aí descobre que você esteve perto de alguém com covid-19 e alerta você.

Outro método é os celulares se comunicarem diretamente entre si, sem nenhuma autoridade central que recolha toda a informação. Se passo por alguém que tem covid-19, os dois telefones, o meu e o dele ou dela, simplesmente falam um com o outro, e eu recebo o alerta. Mas nenhuma autoridade central está coletando toda essa informação e seguindo todo mundo.

Possíveis sistemas de vigilância para a crise atual vão um passo mais adiante, no que se chamaria de “vigilância subcutânea”. Portanto a pele, como superfície intocável dos nossos corpos, está se rachando. Como controlar isso?

Devemos ser muito, muito cuidadosos a esse respeito. Vigilância sobre a pele é monitorar o que se faz no mundo exterior: aonde você vai, quem encontra, ao que assiste na TV, que sites visita online. Ela não entra no seu corpo. Vigilância subcutânea é monitorar o que está acontecendo dentro do seu corpo. Começa com coisas como a temperatura, mas aí pode partir para a pressão sanguínea, frequência cardíaca, atividade cerebral. E uma vez que se faça isso, é possível saber muito mais sobre cada indivíduo do que em qualquer outra época: você pode criar um regime totalitário como nunca se viu antes.

Se você sabe o que estou lendo ou ao que assisto na televisão, isso lhe dá alguma ideia sobre meus gostos artísticos, meus pontos de vista politicos, minha personalidade, mas ainda é limitado. Agora, pense se você puder realmente monitorar minha temperatura corporal, minha pressão e frequência cardíaca enquanto leio o artigo ou assisto ao programa online ou na televisão: aí você pode saber o que estou sentindo a cada momento! Isso poderia facilmente resultar na criação de regimes totalitários distópicos.

Isso não é inevitável. Podemos impedir que aconteça. Mas para tal, temos que primeiro tomar consciência do perigo e, em segundo lugar tomar cuidado com o que permitimos acontecer nesta emergência.

Esta crise força o senhor reajustar sua imagem do homo sapiens no século 21?

Não sabemos, porque depende das decisões que tomarmos agora. O perigo de uma classe inútil está, na verdade, crescendo dramaticamente, por causa da atual crise econômica. Vemos agora um aumento da automatização, robôs e computadores substituindo seres humanos em cada vez mais empregos nesta crise.

Talvez vejamos os países decidirem trazer certas indústrias de volta para casa, em vez de dependerem de fábricas em outras locações. Então pode ser que, tanto devido à automatização quanto à desglobalização, especialmente os países em desenvolvimento, que dependem de trabalho manual barato, tenham de repente uma enorme classe inútil de cidadãos que perderam seus empregos, porque estes foram automatizados ou transferidos para outro lugar.

E isso também pode acontecer nos países ricos. Esta crise está causando mudanças tremendas no mercado de trabalho; as pessoas trabalham de casa, trabalham online. Se não tomarmos cuidado, pode resultar no colapso do trabalho organizado, pelo menos em alguns setores industriais.

Mas isso não é inevitável: é uma decisão política. Podemos tomar a decisão de proteger os direitos trabalhistas em nosso país, ou em todo o mundo, nesta situação. Os governos estão resgatando financeiramente indústrias e corporações, eles podem condicionar a ajuda à proteção dos direitos dos empregados. Então tudo depende das decisões que tomemos.

 

 

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