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A tripla crise do capitalismo

A economista Mariana Mazzucato alerta para a tripla crise do capitalismo contemporâneo. Saúde, a econômica e a climática apontam para novas demandas sociais.

 

Pandemia, economia e clima são três problemas que coexistem para desafiar mudanças de prioridades dos governos. Foto: Casa Branca / Joyce N. Boghosian
Pandemia, economia e clima são três problemas que coexistem para desafiar mudanças de prioridades dos governos. Foto: Casa Branca / Joyce N. Boghosianira

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro

O capitalismo está enfrentando pelo menos três grandes crises. Uma crise de saúde induzida por uma pandemia, que desencadeou rapidamente uma crise econômica com conseqüências ainda desconhecidas para a estabilidade financeira. E tudo isso está ocorrendo no contexto de uma crise climática que não pode ser tratada pelos “negócios  capitalistas da forma costumeira”. Autora do alerta, a economista italiana Mariana Mazzucato assume status de referência na revisão das prioridades do sistema atual de poder econômico. Admirada por Bill Gates, consultada por governos, ela é uma das vozes de destaque nas críticas ao modelo econômica atual e na defesa do papel do Estado na inovação.

Em artigo publicado no site Project Syndicate, ela avalia que, após a crise financeira de 2008, aprendemos da maneira mais difícil o que acontece quando os governos inundam a economia com liquidez incondicional, em vez de estabelecer as bases para uma recuperação sustentável e inclusiva. O risco de que o processo relatado pela autora permanece. Basta ver como, no Brasil, o ministro da Economia foi ágil em destinar recursos e decisões favoráveis para os bancos, enquanto travava a liberação de dinheiro essencial para a população em dificuldade.

Mariana Mazzucato reitera que a tripla crise revelou vários problemas sobre forma como o capitalismo se constrói na atualidade. As soluções devem ser priorizadas ao mesmo tempo em que as sociedades lidam com a emergência de saúde imediata. Caso contrário, estaremos simplesmente resolvendo problemas em um lugar e criando novos em outro lugar. Foi, segundo ela, o que aconteceu com a crise financeira de 2008. Os formuladores de políticas inundaram o mundo com liquidez sem direcioná-la para boas oportunidades de investimento. Como resultado, o dinheiro acabou em um setor financeiro que era (e continua sendo) impróprio para os objetivos de enfrentamento da crise.

Enfraquecimento do setor público

O artigo reforça as teses sobre a inadequação do modelo predominante nas relações de poder globais. No contexto de instabilidade, a crise do COVID-19 está expondo ainda mais falhas em nossas estruturas econômicas, principalmente a crescente precariedade do trabalho, devido ao aumento das atividades sem proteção e a uma deterioração, de décadas, do poder de barganha dos trabalhadores. “O teletrabalho simplesmente não é uma opção para a maioria dos trabalhadores e, embora os governos estejam prestando alguma assistência aos trabalhadores com contratos regulares, os autônomos podem ficar desamparados”, avalia a economista.

Pior, diz Mazzucato, “agora os governos estão concedendo empréstimos a empresas em um momento em que a dívida privada já é historicamente alta. Nos Estados Unidos, a dívida total das famílias pouco antes da crise atual era de US $ 14,15 trilhões , o que é US $ 1,5 trilhão a mais do que em 2008 (em termos nominais). E para não esquecermos, foi a alta dívida privada que causou a crise financeira global.” Na última década, muitos países buscaram austeridade, como se a dívida pública fosse o problema. Infelizmente, como destaca a autora.

O resultado foi a corrosão das instituições do setor público, necessárias para superar crises como a pandemia de coronavírus. Algo que se percebe no Brasil atual, onde o orçamento de 2020 perdeu R$ 20 bilhões por conta de cortes promovidos pelo governo. Mazzucato atesta, no mesmo sentido, que desde 2015, o Reino Unido cortou os orçamentos de saúde pública em US$ 1,2 bilhão, aumentando o ônus para os médicos em treinamento (muitos dos quais deixaram o Serviço Nacional de Saúde) e reduzindo os investimentos de longo prazo necessários para garantir que os pacientes sejam tratados em instalações seguras, atualizadas e com equipe completa. E nos EUA – que nunca tiveram um sistema de saúde pública adequadamente financiado – o governo Trump tem tentado persistentemente cortar financiamento e capacidade para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, entre outras instituições críticas.

Além dessas feridas autoinfligidas, um setor de negócios excessivamente “financeirizado” tem desviado valor da economia recompensando os acionistas por meio de esquemas de recompra de ações, em vez de sustentar o crescimento de longo prazo investindo em pesquisa e desenvolvimento, salários, e treinamento de trabalhadores. Como resultado, as famílias foram perderam “almofadas financeiras”, dificultando o acesso a bens básicos como moradia e educação.

Condições necessárias

“A má notícia é que a crise do Covid-19 está exacerbando todos esses problemas”, denuncia Mariana Mazzuctato. Para ela há, porém, uma boa notícia, que é a possibilidade de usar o estado atual de emergência para começar a construir uma economia mais inclusiva e sustentável. A questão não é atrasar ou bloquear o apoio do governo, mas estruturá-lo adequadamente. “Devemos evitar os erros da era pós-2008, quando os resgates permitiram às empresas obter lucros ainda mais altos quando a crise terminou, mas falharam em estabelecer as bases para uma recuperação robusta e inclusiva.”

A preocupação é de que, desta vez, as medidas de resgate absolutamente devem vir com condições bem definidas. Agora que o estado voltou a desempenhar um papel de liderança, ele deve ser escolhido como o herói, e não como um insensato ingênuo. Isso significa oferecer soluções imediatas, mas projetá-las de maneira a servir o interesse público a longo prazo.

Por exemplo, condições podem ser postas em prática para o apoio do governo às empresas. As que recebem resgates devem ser impelidas a reter trabalhadores e garantir que, após o término da crise, invistam em treinamento e melhores condições de trabalho. Melhor ainda, como na Dinamarca , o governo deve apoiar as empresas a continuar pagando salários, mesmo quando os trabalhadores não estão trabalhando – ajudando simultaneamente as famílias a manter sua renda, impedindo a propagação do vírus e facilitando a retomada da produção após a crise.

Além disso, os resgates devem ser projetados para orientar empresas maiores a recompensar a criação de valor em vez da extração de valor, evitando recompras de ações e incentivando o investimento em crescimento sustentável e uma pegada de carbono reduzida. Intenções devem gerar ações, caso contrário ficará para a sociedade a visibilidade de um blefe.

Quando se trata de famílias, os governos devem olhar além dos empréstimos para a possibilidade de alívio da dívida, especialmente considerando os altos níveis atuais de dívida privada. No mínimo, os pagamentos dos credores devem ser congelados até que a crise econômica imediata seja resolvida e as injeções diretas de dinheiro usadas nas famílias que mais necessitam.

E os EUA devem oferecer garantias governamentais para pagar de 80 a 100% dos salários das empresas em dificuldades, como fizeram o Reino Unido e muitos países da União Europeia e Ásia. Também é hora de repensar as parcerias público-privadas. Muitas vezes, esses arranjos são menos simbióticos que parasitários.

A economista teme que o esforço para desenvolver uma vacina Covid-19 possa se tornar em mais um relacionamento de mão única, no qual as empresas obtêm lucros maciços ao vender de volta ao público um produto que nasceu de pesquisas financiadas pelos contribuintes. De fato, apesar do investimento público significativo dos contribuintes americanos no desenvolvimento de vacinas, o secretário de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, Alex Azar, admitiu recentemente que os tratamentos ou vacinas Covid-19 recém-desenvolvidos podem não ser acessíveis a todos os americanos.

Precisamos desesperadamente de estados empresariais que invistam mais em inovação – da inteligência artificial à saúde pública e às energias renováveis. Mas, como essa crise nos lembra, também precisamos de estados que saibam negociar, para que os benefícios do investimento público retornem ao público. “Um vírus assassino expôs grandes fraquezas nas economias capitalistas ocidentais. Agora que os governos estão em pé de guerra, temos a oportunidade de consertar o sistema. Se não o fizermos, não teremos chance contra a terceira grande crise – um planeta cada vez mais inabitável – e todas as crises menores que virão com ela nos próximos anos e décadas”, alerta Mazzucato.

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